Por Loren Claire Boppré Canales (da Redação da ANDA)
Foto: Divulgação
Uma onda de pedidos inéditos de habeas corpus nos tribunais de vários países, entre eles, os argentinos, começou a questionar, com argumentos científicos e jurídicos, o confinamento em zoológicos de animais com alta capacidade cognitiva e inteligência comprovada, como é o caso dos chimpanzés, e a exigir uma atualização na jurisprudência para outorgar-lhes status jurídico, de maneira que possam garantir três direitos básicos: a vida, a liberdade e não serem maltratados nem física nem psicologicamente. As informações são do site La Nación.
Os apelos dos conservacionistas têm por objetivo colocar um fim no “cuidado abusivo e arbitrário” de submeter e isolar seres inteligentes que “mantêm laços afetivos, raciocinam, sentem, ficam frustrados com a privação da liberdade, tomam decisões, possuem autoconsciência e percepção do tempo, choram as perdas, aprendem, se comunicam e são capazes de transmitir o que aprenderam em sistemas culturais complexos como o dos humanos”, segundo os apelos, similares na argumentação, apresentados perante a Justiça de Córdoba, Río Negro, Santiago Del Estero e Entre Ríos. O objetivo não é conceder-lhes plena autonomia nem equipará-los aos humanos, alegam as apresentações judiciais, mas sim que possam ser transferidos a santuários para viverem em semi liberdade entre seus congêneres, longe do stress do confinamento e dos lugares inadequados.
Na Argentina, tal como nos Estados Unidos, onde também foram apresentadas reclamações similares, os animais são considerados juridicamente “coisas”, não gozam de personalidade jurídica e estão sujeitos ao regime de propriedade privada. Portanto, não são passíveis de gozar de nenhum direito, salvo se o seu tutor o exija. Nos extensos recursos interpostos, grupos de advogados de vários países, quase que em simultâneo, pedem que os chimpanzés possa ser hierarquizados como “pessoas não humanas”.
Argumentam que enquanto as empresas são “entes jurídicos”, os hominídeos, que compartilham cerca de 99,4% dos genes com o Homem e são nossos primos evolutivos, não são capazes de gozar de nenhum direito. Cumprem uma pena privativa de liberdade ilegal, sem haver tido jamais a possibilidade de serem livres e de viverem essa liberdade, argumentam. “Esse limbo jurídico, sustentam, faz com que se tornem vítimas inocentes de um sistema normativo discriminatório e imoral”.
Com três recursos perante os tribunais de Nova York, que esperam sua resolução no próximo mês, o advogado Steve Wise, presidente da ONG Nonhuman Rights Project, principal impulsionador do reconhecimento dos direitos dos primatas, foi o primeiro a surpreender os magistrados de seu país: no dia 2 de dezembro de 2013 colocou como antecedente o reconhecimento dos direitos dos aborígenes, direitos que antes eram negados, junto com o célebre caso de habeas corpus do escravo negro James Somerset. Em 1772, sem direito algum por sua condição de escravo, propriedade do escocês Charles Steward, a Somerset o considerou pessoa jurídica e concedeu-lhe a liberdade. “Foi o princípio da abolição da escravidão e da equiparação dos direitos entre negros e brancos”, disse Wise ao jornal La Nación.
“Mas nós não pedimos que os chimpanzés sejam considerados seres humanos, porque não são, mas sim que os tribunais levem em conta a opinião dos 12 primatólogos mais prestigiados do mundo, que respaldam a proposta, e lhes seja adjudicada a categorização de pessoas não humanas. O Homo sapiens é um homem-animal humano. O Pan troglodytes (chimpanzé) é um animal-não humano: possui autonomia, autoconsciência, determinação, raciocínio para escolher, para construir ferramentas por seus próprios meios, para se comunicar por códigos, se automedicar na natureza e uma estrutura mental, emocional e imaginativa complexa como a nossa: não podem continuar sendo uma “coisa”. Devem reconhecer seus direitos básicos; caso contrário, continuarão sendo abusados e explorados, como foram os escravos”.
Wise, de 63 anos, que ostenta uma fecunda trajetória nos Estados Unidos em direito animal, visitou a Argentina em abril para dissertar na cátedra de Direito Animal da Universidade Nacional de Córdoba e ajudar os seus colegas argentinos com suas argumentações jurídicas.
Este tipo de solicitação será discutido esta semana, no Colégio de Advogados de San Isidro, quando o representante espanhol da ONG Projeto Grande Simio (Great Ape Project), o naturalista Pedro Rozas Terrados, exponha a situação mundial dos grandes primatas (chimpanzés, orangotangos, gorilas, bonobos), junto com os avanços científicos que traçam estes seres como “racionais e pessoas sencientes”, que cultivam laços familiares e adoecem física e psicologicamente em cativeiro.
Existe um antecedente mundial de 2007, na Bahia, Brasil, promovido por essa ONG, apoiada pela primatóloga inglesa Jane Goodall e pelo biólogo Peter Singer, onde um juíz bahiano, surpreendentemente, aceitou o habeas corpus (instrumento jurídico reservado as pessoas) e concedeu a liberdade a uma chimpanzé: Suíça, reclusa durante 10 anos em um zoológico, não pôde ser libertada, recordou Rozas Terrados, já que no dia anterior a sua libertação ela morreu envenenada.
“Seu grau de inteligência é muito alto, têm cultura, sabem aprender, compreender a linguagem dos sinais humanos e inventar palavras compostas: se desconhecem a palavra vaso, dizem: cubo de terra. São nossos companheiros evolutivos, seres especiais, choram e riem. Não podemos tratá-los como meros objetos sem direitos”, salientou Rozas Terrados.
No entanto, na Argentina, onde vivem em cativeiro 15 chimpanzés, são quatro os recursos solicitados em defesa de três deles: Toti, Toto e Monti estão entre 20 e 45 anos em cativeiro, nos zoológicos de Bubalcó (Río Negro), em Concordia (Entre Ríos) e em Santiago Del Estero (onde o zoológico foi fechado).
Um deles foi apresentado pela representante argentina do Projeto Grande Símio, Alejandra Juárez. Os outros três, pela Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais (AFADA), presidida pelo advogado Pablo Buompadre, também promotor do habeas corpus do urso Arturo, que está em Mendoza. A ONG AFADA invocou perante os tribunais que os direitos dos primatas devem ser reconhecidos “de acordo com o seu nível de proximidade genética, como hominídeos não humanos e estabelecer medidas urgentes de proteção e respeito”.
“Quando um juíz diz que um chimpanzé não reúne os requisitos de admissibilidade para que lhe possa outorgar um habeas corpus, atua de maneira dogmática, juridicamente errônea, filosoficamente errada e cientificamente inexata, assegurou Buompadre. “A maioria dos textos normativos e o artigo 30 do Código Civil se refere aos entes suscetíveis de adquirir direitos e contrair obrigações, com o qual não se pode afirmar que os habeas corpus estão somente dirigidos aos seres humanos”, afirmou.
O Juíz do Tribunal Criminal, Darío Alarcon, que estuda o habeas corpus do chimpanzé Monti, expressou: “Estou de acordo que os chimpanzés possam gozar de alguns direitos”. A sua decisão é esperada para as próximas semanas. Enquanto isso, junto ao fiscal Julio Vidal, Alarcon ordenou medidas processuais para que especialistas certifiquem-se de que o chimpanzé Monti, de 40 anos, tem condições de suportar uma viagem em avião a São Paulo, onde se encontra o santuário proposto como destino.
Os Casos ArgentinosMONTIFoto: La Nación
É o chimpanzé mais velho da Argentina, confinado no zoológico de Santiago Del Estero (que está fechado), de maneira solitária, sem nenhum tipo de enriquecimento ambiental. Segundo especialistas, exibe danos físicos e psíquicos irreversíveis: trabalhou em um circo e foi abandonado porque sofria de epilepsia. A fim de verificar a saúde do primata, foram promovidas diligências para avaliar a sua libertação e transferência para um santuário brasileiro.
TOTOFoto: La Nación
Em cativeiro há mais de 35 anos na Arca de Enrimir, em Concordia, em junho a ONG AFADA apresentou um habeas corpus, mas foi rejeitado com o argumento de que os animais são coisas. Sem renunciar a suas intenções de libertar o animal, a ONG anunciou que imporá um pedido similar com novos argumentos, para que seja declarado “pessoa não humana” e lhe seja outorgada a liberdade para que possa viver junto aos de sua espécie.
TOTIFoto: La Nación
Tem 40 anos, foi o histórico chimpanzé do zoológico de Córdoba e quando uma conservacionista submeteu sua libertação, foi transferido ao zoológico de Bubalcó (Rio Negro). Teve dois pedidos de habeas corpus por diferentes fatores pelo seu grau de stress e isolamento. Um foi rejeitado. O outro foi levado para os tribunais de Corrientes e Río Negro. Espera uma resolução da Corte Suprema de Justiça e será o primeiro precedente judicial.
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