Por Loren Claire Boppré Canales (da Redação da ANDA)
Foto: AFADA
No último dia 1º de julho de 2015, o III Tribunal de Garantias da cidade de Mendoza, na Argentina, a cargo da Dra. Maria Alejandra Mauricio deu despacho favorável à ação de Habeas Corpus apresentada por Dr. Pablo N. Buompadre Presidente da ONG AFADA (Asociación de Funcionarios y Abogados por los Derechos de los Animales) que teve apoio jurídico do advogado Dr. Santiago Rauek. A ação é a favor da chimpanzé Cecília, que se encontra em cativeiro vivendo em absoluta solidão no Zoológico da cidade de Mendoza há quase três décadas.
O Tribunal decidiu aceitar e notificar a ação de Habeas Corpus ao Ministério Público, Ministério de Terras, Ambiente e Recursos Naturais de Mendoza; ordenar a realização de uma perícia com o objetivo de determinar sobre a situação de confinamento da chimpanzé; marcar audiência para o dia 12 de agosto de 2015 às 10h; notificar as partes para que ao fim de 3 dias designem um “assistente técnico¨ e marquem os pontos de perícia; além de ter realizado uma ¨visita surpresa¨ dia 7 de julho ao Zoológico de Mendoza, pelo Tribunal para verificar o estado do local de confinamento onde se encontra a chimpanzé Cecília com a presença do advogado patrocinante, Santiago Rauek.
De acordo com a Lei Nacional Argentina de ¨Habeas Corpus¨ (Lei nº 23.098), só uma ¨pessoa¨que tenha sua liberdade ambulatória limitada ou ameaçada, sem a ordem de uma autoridade competente, pode ser beneficiária desta ação legal (Artigo 3 Lei 23.098).
O fato da Juíza Mauricio ter aceitado e dado trâmite favorável ao Habeas Corpus apresentado pela ONG AFADA a favor de um animal não-humano, significa, implicitamente, que está considerando a chimpanzé Cecília como uma pessoa (não-humana), pois do contrário, teria recusado a ação.
O Tribunal não pode fazer a primata comparecer ao juizado com um ¨relatório circunstanciado¨ do Zoológico de Mendoza que explique o motivo em que se baseia a privação de liberdade, a forma e as condições em que se encontra aprisionada, e se a detenção foi disposta através de uma ordem escrita da autoridade competente. Então o que a juíza fez foi ordenar a realização de uma perícia para determinar a legalidade ou arbitrariedade da situação de confinamento do animal e realizar uma visita surpresa para verificar o estado do lugar de confinamento em que se encontra a chimpanzé.
A Ordem de Habeas Corpus implica para a autoridade requerida (Zoológico de Mendoza) a citação para a audiência prevista no artigo 13 da Lei 23.098. Esta audiência foi marcada para o dia 12 de agosto de 2015 às 10h, e estarão presentes as partes intervenientes, ou seja, a ONG AFADA representando a chimpanzé Cecília, e os representantes do Governo de Mendoza (Ministério Público, Assessoria do Governo e Ministério das Terras, Ambiente e Recursos Naturais de Mendoza) de quem depende administrativamente o Zoológico de Mendoza e suas autoridades. Terminada a audiência, a prévia leitura da ação de Habeas Corpus e do informe do Zoológico, a juíza deverá anunciar a resolução respectiva, a que deverá versar sobre a recusa da denúncia ou seu acolhimento, e se este for o caso, ordenará a imediata libertação da chimpanzé e sua transferência a um santuário de acordo com a sua espécie, conforme solicitação da AFADA.
Foto: AFADA
A ONG animalista havia apresentado o Habeas Corpus dia 11 de junho de 2015 perante o Tribunal da Juíza Mauricio, que não se surpreendeu com a petição inusitada e deixou transparecer a sua vocação em ¨atender com seriedade¨ o requerimento em questão. Ela ficou evidente com a ¨visita surpresa¨ realizada pela magistrada durante o dia 7 de julho na qual constatou o grave estado do animal e da jaula em que se encontra.
Entre seus argumentos a ONG alegou que a chimpanzé Cecília está vivendo em condições absolutamente deploráveis, em uma jaula com piso e muros de cimento, extremamente pequena para um animal não-humano dessa espécie, com um habitáculo muito reduzido – que sequer conta com mantas ou fardos de palha para se deitar – no qual possa se resguardar dos ruídos e gritos das constantes visitas escolares e público em geral que visitam o zoológico e dos objetos que são lançados a ela como alvo de gozações. Um lugar onde há luz solar durante poucas horas do dia e onde a primata se encontra exposta a altas temperaturas que no verão superam os 40 graus esquentando o piso e as paredes de cimento; e durante o inverno frequentemente são negativas, fazendo com que o piso congele, além da total falta de higiene e segurança que o lugar oferece para o animal e os visitantes.
Foto: AFADA
A chimpanzé Cecília vive há pouco menos de um ano junto aos chimpanzés Charly e Xuxa; o primeiro deles faleceu após sofrer uma parada cardíaca em julho do ano passado, segundo informações prestadas pelas autoridades do zoológico. Por sua vez, Xuxa morreu em janeiro deste ano de causas naturais, o que levou com que Cecília se encontre vivendo em absoluta solidão desde o início do ano.
O Habeas Corpus questiona a legitimidade da “privação de liberdade¨ da chimpanzé Cecília e pede para que a transfiram a um Santuário de Primatas especializado nesta espécie para que o animal possa viver com seus congêneres em seus últimos anos de vida.
Consultado por este meio sobre a decisão, o Dr. Pablo Buompadre afirmou que ¨o caso Sandra derrubou o muro que existia nas leis vigentes entre humanos e não-humanos, ao considerar a chimpanzé Sandra um sujeito não-humano, titular de direitos. O caso da chimpanzé Cecília vem construir os alicerces de uma nova era para os direitos animais, reconhecendo seu direito a tutela judicial efetiva, mediante a aceitação de instrumentos jurídicos como o Habeas Corpus para garantir sua liberdade e outros dos seus direitos básicos fundamentais¨. A juíza Mauricio demonstrou com esta decisão que a interpretação do direito é dinâmica, e não estática, que deve se adequar às mudanças sociais e se ajustar às diretrizes da nossa Constituição.
¨… Houve um tempo, que escravizamos os animais privando-os de liberdade e de outros direitos para satisfazer o homem. Hoje esse tempo ficou no passado. Os zoológicos deverão converter-se ou fechar. Ainda que nos leve toda a vida, o movimento animalista não se deterá; pelo contrário, seguirá incólume até a abolição, sem ceder. Esta decisão judicial, demonstra, que uma sociedade com uma maior empatia e respeito aos animais é possível e está brotando, e os responsáveis por essa convivência social, estão marcando o caminho da mudança¨, concluiu Buompadre.
O primatólogo espanhol Jordi Savater Pi tinha razão quando afirmava que ¨algum dia a humanidade será julgada por ter aprisionado os primatas em zoológicos¨. A juíza Mauricio, com esta corajosa decisão impediu que a humanidade vá a julgamento, e que os grandes primatas e outros animais em cativeiro ou que tenham sofrido as ações danosas do homem, possam encontrar definitivamente seu reconhecimento legal como seres sencientes, entendendo que foram colocados em nosso planeta para uma convivência pacífica com as demais espécies, e não para uso e exploração do ser humano.
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