Um espelho da desigualdade chilena
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Um espelho da desigualdade chilena



Na cidade de Calama, a chamada capital da mineração do Chile, na região de Antofagasta, os acentuados contrastes sociais se evidenciam em modernas moradias de bairros abastados vizinhos a outros, com casas feitas apenas com tábuas em assentamentos informais. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Na cidade de Calama, a chamada capital da mineração do Chile, na região de Antofagasta, os acentuados contrastes sociais se evidenciam em modernas moradias de bairros abastados vizinhos a outros, com casas feitas apenas com tábuas em assentamentos informais. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Por Marianela Jarroud, da IPS – 
Calama, Chile, 14/9/2015 – Os habitantes da região de mineração de Antofagasta, norte do Chile, possuem, em média, a maior renda interna por pessoa, enquanto cerca de quatro mil de suas famílias residem em precários assentamentos informais, em uma das desigualdades mais acentuadas dentro do país.
“Os contrastes nessa região são enormes, os mineradores ganham muito dinheiro, os salários que recebem são altíssimos. É muito comum ver casas enormes, enquanto a poucos metros são construídas casinhas precárias”, afirmou Jaime Meza, morador na cidade de Calama, em cujo município estão localizadas cerca de 37 operações mineradoras. Entre elas, o município de Calama, do qual é capital esta cidade de mesmo nome, acolhe a mina a céu aberto de Chuquicamata, a maior mina de cobre do mundo.
A região de Antofagasta conta com o maior produto interno bruto por pessoa do país, o maior crescimento econômico e as melhores condições para alcançar o desenvolvimento, segundo um estudo territorial realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).
Segundo dados oficiais, essa região de 625 mil habitantes tem renda média anual por pessoa de US$ 37.205, quase oito vezes o registrado na região de La Araucanía, no sul do país, onde a renda anual por habitante chega a apenas US$ 4.500. A média da renda dos 17,6 milhões de habitantes do país é de US$ 23.165.
Porém, 45 mil pessoas vivem em situação de pobreza em Antofagasta e, destas, quatro mil estão em condição de indigência. Além disso, milhares de habitantes vivem em 42 precários assentamentos informais, que no Chile são chamados de acampamentos, o que equivale a cerca de quatro mil famílias.
A cidade de Calama, conhecida como “a capital da mineração do Chile” e que se define como um oásis do deserto de Atacama, fica a 2.250 metros de altitude, a 240 quilômetros de Antofagasta, a capital regional, e 1.380 quilômetros ao norte de Santiago. Conta com 150 mil habitantes, mas, se for considerada sua população flutuante devido à atividade mineradora, esse número passa de 200 mil pessoas.
O município de Calama, que se estende por 15.600 quilômetros quadrados, é base das oito jazidas que possui a estatal Corporação do Cobre do Chile (Codelco), que controla majoritariamente o setor no país e é o maior produtor de cobre do mundo. Devido à atividade mineradora, Calama acolhe uma boa parte dos 57 mil imigrantes que habitam a região, que tem fronteira com Argentina e Bolívia, e fica perto do Peru.
A cidade de Calama define a si mesma como um oásis, escondido em meio ao deserto de Atacama, o mais árido do mundo. Também é ponto estratégico da mineração da região de Antofagasta, no norte do Chile, que tem o cobre como sua principal atividade econômica. Foto: Marianela Jarroud/IPS
A cidade de Calama define a si mesma como um oásis, escondido em meio ao deserto de Atacama, o mais árido do mundo. Também é ponto estratégico da mineração da região de Antofagasta, no norte do Chile, que tem o cobre como sua principal atividade econômica. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Essa realidade se percebe em fatos tão cotidianos como ir a um consultório de saúde pública, onde a variedade de nações se mistura. “Esta é uma cidade multicultural, definitivamente”, disse à IPS o médico Rodrigo Meza, do hospital Doutor Carlos Cisternas de Calama. “Do total de partos atendidos em nosso hospital, 40% são de mulheres imigrantes”, acrescentou.
Em um breve passeio pelo centro de Calama, corroído pela passagem do tempo e em contraste com os setores mais ricos da cidade, um viajante pode encontrar facilmente imigrantes bolivianos, colombianos, equatorianos e peruanos. “É mais difícil encontrar um chileno do que um estrangeiro nessas ruas”, opinou Sandra, uma colombiana que transita pelo centro de Calama.
A força de trabalho estrangeira se concentra principalmente no serviço doméstico, no caso das mulheres, e em empregos para profissionais técnicos e operários na mineração ou construção, no caso dos homens. Um número importante de mulheres imigrantes também se dedica à prostituição, um serviço historicamente muito procurado nos assentamentos de mineradores, com muitos homens sozinhos.
Calama tem um cassino cujo lucro cresce em torno de 10% ao ano e o centro comercial da cidade recebe mais de dez milhões de visitantes anualmente. “Um minerador com pouca experiência pode começar ganhando por mês quase um milhão de pesos (US$ 1.500), e daí para mais”, contou Jaime Meza à IPS. Ele trabalha em uma empresa que presta serviços externos de responsabilidade social para companhias mineradoras, o que o leva a percorrer continuamente as localidades das minas.
Porém, nesta cidade a vida é cara. Um quilo de pão, alimento básico na mesa chilena, custa mais de US$ 2, e uma moradia para uma família de classe média gira em torno dos US$ 150 mil. Mas “há dinheiro e gente disposta a pagar”, disseram à IPS vários comerciantes. Por outro lado, o salário mínimo chileno é de apenas US$ 350 mensais e muitos imigrantes de Calama podem receber apenas metade, por não contar com um contrato ou seguro social.
A desigualdade do dia a dia se vê claramente quando as mineradoras pagam aos seus trabalhadores bonificações especiais ao fim de cada negociação coletiva. Os bônus podem chegar a milhares de dólares e os comércios lançam em sintonia “ofertaços” para atrair os beneficiados. “Os contrastes nesta cidade são muito fortes. Os mineradores fazem filas às sextas-feiras para sacar dinheiro e gastar na farra, com mulheres e álcool”, contou à IPS o taxista Francisco Muñoz. “As diferenças são gritantes”, acrescentou este homem natural de Calama, onde sempre viveu.
Muñoz afirmou que a situação piorou há cerca de sete anos, quando a Codelco decidiu levar para Calama o acampamento dos mineradores de Chuquicamata, a 15 quilômetros da cidade. Cerca de 3.200 famílias foram as últimas a deixar as instalações onde os trabalhadores da Codelco viviam com altas comodidades. Os mineradores chegaram diretamente às casas construídas para eles, o que definiu o ordenamento da cidade: a leste as novas vilas da Codelco são o reduto de “de luxo”, enquanto no oeste e ao norte ficam os setores mais populares.
“Os mineradores compraram estas casas a preços preferenciais e a Codelco lhes deu um bônus para que pudessem ter acesso a elas com facilidade. Mas agora as vendem por quantias astronômicas. Pensar em comprar uma casa em Calama é quase impossível. Um cidadão comum pode conseguir apenas uma casa do Estado (subsidiada), jamais as que eles vendem”, pontuou Meza.
A realidade em Calama, município rico em mineração mas pobre em renda, derivou em 2009 em protestos sociais exigindo que a localidade recebesse 5% dos recursos da extração de cobre, principal riqueza do país. Apenas em 2014, o Chile extraiu 5,746 bilhões de toneladas desse metal vermelho, 31,2% da produção mundial. Os protestos pelo atraso histórico do município ocorrem até hoje sob o lema “O que seria do Chile sem Calama?”.
As manifestações, a última realizada no dia 27 de agosto, são “um transbordamento previsível”, para o antropólogo Juan Carlos Skewes. “Isso é bom, porque o que os grandes transbordamentos fazem é alargar as avenidas da participação”, afirmou à IPS. Seguramente, os protestos se manterão enquanto não houver uma resposta concreta sobre a distribuição equitativa no Chile dos ganhos da mineração, dos quais Calama vê muito pouco, apesar de sair de seu território, acrescentou. Envolverde/IPS




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