Santiago, Chile, 13 de abril de 2015 (Terramérica).- O Chile vive sob o perigo constante do transbordamento de tanques de rejeitos da mineração, o que se acentuou no final de março, depois do forte temporal que afetou a desértica região de Atacama e deixou dezenas de mortos, desaparecidos e milhares de flagelados.
Copiapó, capital da região de mesmo nome, 800 quilômetros ao norte de Santiago, “fica em uma área que está saturada de tanques de rejeitos”, disse ao Terramérica o fundador da organização não governamental Relaves, Henry Jurgens. A contaminação por metais pesados “já era realidade” antes do aluvião, mas a catástrofe “tornou visível essa realidade e a fez mais severa”, acrescentou.
Desde o começo de abril, a organização detectou vazamento desses tanques de rejeitos enquanto retirava amostras da água e do barro em setores da região de Atacama. Mas o estatal Serviço Nacional de Geologia e Mineração (Sernageomin) assegurou que os tanques e outros depósitos de dejetos contaminantes estão em uma condição estável.
O deserto de Atacama, o mais árido do mundo, foi a principal área natural afetada pelo aluvião, causado por intensas chuvas nos dias 23 e 24 de março, equivalentes a um quarto da chuva que deveria cair em um ano nessa região. A chuva, dizem, pode mobilizar numerosos metais pesados que aguardavam em silêncio em depósitos abandonados.
O tanque de rejeito de mineração é o conjunto de dejetos de rocha moída, minerais, água, metais pesados e químicos como cianureto, arsênio, zinco e mercúrio, obtidos nos processos de concentração dos minerais e colocados em depósitos ou fossas ao ar livre. Esse tipo de elemento atua de forma acumulativa no corpo e pode provocar danos graves à saúde. O arsênio, por exemplo, não tem cheiro, cor nem sabor, podendo ser ingerido por qualquer pessoa inadvertidamente. Mas os especialistas alertam que sua ingestão prolongada pode causar câncer nos pulmões ou na bexiga.
O Chile é um país minerador e sua principal riqueza é o cobre. Só em 2013, esse país de 17,5 milhões de habitantes produziu 5,746 bilhões de toneladas de cobre, 31,2% da produção mundial. Mas, para cada tonelada de cobre fino que produz, é preciso remover e depois armazenar cem toneladas de terra com dejetos. No Chile há 449 depósitos de tanques de rejeitos identificados, segundo dados oficiais, mas existem dezenas que não são georeferenciados, denunciou ao Terramérica outro integrante da Relaves, Raimundo Gómez.
“Não há um cadastro real dos tanques abandonados no país. As estimativas do Sernageomin indicam 90 desses depósitos contaminantes só na região de Atacama. Isso é muito”, alertou Gómez. Também “existe muita desinformação a respeito, as populações não sabem que vivem ao lado de tanques de rejeitos, não há muita ideia dos perigos que isso representa para a saúde e a contaminação da água”, pontuou.
“Podemos ver quanto ganho deixou a mineração, mas não vemos o lado negativo, que no final todos pagamos. É como quando se vai a um jantar e se conta apenas o quanto foi bom, mas não se fala do que se fez depois, no banheiro”, acrescentou Gómez.
Em 27 de fevereiro de 2010, o terremoto que afetou o Chile derrubou um depósito de mineração abandonado, que sepultou uma família inteira sob toneladas de lama tóxica. As vítimas, um casal e seus dois filhos, trabalhavam na propriedade que Jurgens e sua família habitaram por seis anos na localidade de Pencahue, sem saber que viviam ao lado de um morro tóxico e instável.
“Só recentemente fiquei sabendo que era um tanque de rejeitos e das coisas que podiam acontecer”, contou Jurgens. “As pessoas realmente estão sumidas na ignorância total. Muitas vezes estão tomando água contaminada sem que os órgãos responsáveis as avisem. Isso é bastante humilhante e terrível”, ressaltou.
Embora os especialistas assegurem que o maior risco está nos tanques abandonados, os que se encontram em funcionamento também podem ser muito perigosos. É o caso que ocorre no pequeno povoado de Caimanes, com cerca de mil habitantes, afetado pelo tanque de rejeito El Mauro, da empresa Los Pelambres, a sexta produtora de cobre do Chile e propriedade da família Luksic, a mais rica do país.
El Mauro, que em língua do povo indígena diaguita significa lugar onde brota a água, fica a oito quilômetros de Caimanes, rio acima. Com sete quilômetros de comprimento e um muro de 270 metros de altura, esse tanque se converteu no maior lixão químico da América Latina. O depósito contaminou a biodiversidade local e a água que alimenta o povoado.
O estudo mais importante sobre a contaminação do recurso hídrico foi desenvolvido em 2011 por Andrei Tchernitchin, acadêmico da estatal Universidade do Chile, que determinou um alto conteúdo de metais tóxicos em diversos afluentes. “Na ponte Caimanes, a quantidade de ferro superava a norma em 50% e a de manganês também era quase o dobro do permitido para água potável”, apontou ao Terramérica.
Baseado nesses resultados, Tchernitchin realizou contraprovas. Em uma segunda pesquisa, realizada em fevereiro de 2012, constatou em um charco, alguns centímetros mais acima de um pântano, níveis de manganês que superavam as normas internacionais. “A norma é de cem microgramas de manganês por litro, e encontramos 9.477 microgramas. O limite de ferro também ultrapassava em 30%”, acrescentou.
Tchernitchin alertou que, no caso de persistir esse grau de contaminação, as consequências na saúde da população serão graves. “A exposição no longo prazo ao manganês produz diferentes doenças do sistema nervoso central, como psicose, doença de Parkinson e demência”, afirmou.
No dia 6 de março, um tribunal local acolheu uma demanda apresentada, no dia 19 de dezembro de 2008, pelo Comitê de Defesa de Caimanes, e ordenou a demolição do depósito de tanques de rejeitos. A empresa apelou, por isso será a regional Corte de Apelações que deverá se pronunciar em breve a respeito. Contudo, Jurgens e Gómez insistiram na necessidade de promulgar uma lei de tanques de rejeitos que indique quantos existem, quantos estão abandonados e quais são seus componentes químicos.
“É necessária, por um lado, uma lei forte, e, por outro, uma população informada. Não temos nenhum dos dois”, disse Gómez. “É superparadoxal nos considerarmos um país minerador e falarmos sempre da quantidade de cobre que
exportaremos, mas que ninguém tenha consciência da quantidade de dejetos que vamos produzir”, destacou.
“Temos que aprender a medir quais são as alternativas negativas da mineração e saber ter consciência disso e da grande quantidade de tanques de rejeitos e de material que está literalmente jogado ao longo do país”, concluiu Gómez. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)