A beleza das nevadas ruas de Coyhaique, capital da região de Aysén, na Patagônia, esconde que é mais uma cidade contaminada do Chile, devido, sobretudo, ao uso de lenha úmida para aquecer as casas, em uma área onde as temperaturas são baixas quase o ano todo. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Coyhaique, Chile, 7/8/2014 – A austral região de Aysén, na Patagônia do Chile, suporta os preços de energia mais altos do país, e sua capital, Coyhaique, é a cidade mais poluída do país, apesar de ser uma potência hidrelétrica. A maioria de sua população rejeitou a construção do complexo de centrais hidrelétricas do projeto HidroAysén, o que influiu na decisão do governo da presidente Michelle Bachelet de rechaçá-lo definitivamente, no dia 10 de julho.
Vencida essa batalha, a região agora busca o caminho de sua autonomia energética. “Aysén é a meca hidráulica do Chile, e, no entanto, temos um monopólio que continua usando diesel para 28% da geração elétrica”, afirmou à IPS o ativista Peter Hartmann, membro do Conselho de Defesa da Patagônia, criador do conceito Aysén Reserva de Vida. Segundo ele, em Aysén, esse combustível custa o dobro do cobrado no centro do país, o que faz os custos da eletricidade quase duplicar em relação a Santiago.
A região de Aysén, cuja capital fica 1.629 quilômetros ao sul da capital, é o coração da Patagônia chilena. Possui superfície de 108.494 quilômetros quadrados, nos quais há numerosos glaciais, áreas de massa de gelo, florestas sempre verdes, fiordes, ilhas, canais, lagos e caudalosos rios.
“Além de assuntos estruturais que se deve resolver, esta região tem apenas coisas boas”, afirmou à IPS a líder social Miriam Chible. “Aysén tem recursos naturais e sua gente é muito empreendedora. Possui um clima bem acentuado, que apesar de adverso nos permite planejar. E também está ao lado da Argentina, o que é um tremendo potencial, porque nos converte em uma zona patagônia binacional”, acrescentou.
Coyhaique, seu epicentro executivo e comercial, está rodeado por montanhas, quase sempre nevadas, mas, contraditoriamente, é a cidade mais poluída do Chile. O motivo é que seus 56 mil habitantes, submetidos boa parte do ano a temperaturas abaixo de zero, utilizam principalmente lenha úmida em calefações e fogões.
“Em Aysén, as pessoas se aquecem e cozinham com lenha, o que gera uma poluição tremenda na floresta e provoca os altos índices de poluição de Coyhaique”, afirmou Hartmann. Porém, acrescentou, “se alguém colocar um aquecedor elétrico pequeno em sua casa no inverno, será cobrada uma multa por excesso de consumo. São essas coisas que ninguém compreende”.
A isto se soma o precário isolamento térmico das casas da região, que possui uma taxa de pobreza de 9,97%, abaixo da média nacional de 11,7%, mas sua indigência de 4,22% supera a média nacional de 3,7%. Hartmann detalhou que metade das casas da cidade carece de isolamento térmico e por isso é necessária tanta calefação. São as casas subvencionadas pelo Estado, e que chamam de “antissociais”.
Mas a lenha é parte da cultura da população da Patagônia, que pode pagar até US$ 7 mil ao ano para aquecer suas casas com paus verdes, úmidos e com musgos, cujo metro cúbico é vendido por US$ 32. A lenha seca chega a US$ 56, o que quase duplica o custo para quem a usa.
A líder social Miriam Chible aplica a autonomia energética em seu restaurante familiar em Coyhaique, na Patagônica chilena, com o uso de painéis fotovoltaicos. Foto: Marianela Jarroud/IPS
O Chile tem 17,6 milhões de habitantes e 18.278 megawatts de capacidade bruta instalada. Importa 97% dos hidrocarbonos que precisa e sua matriz energética é composta por 40% de hidreletricidade e o restante por combustíveis fósseis e contaminantes das centrais termoelétricas.
A carência de fontes energéticas situa o custo da produção de um megawatt/hora entre os mais caros da América latina, ficando em US$ 160, enquanto no Peru é de US$ 55, na Colômbia US$ 40 e na Argentina US$ 10. Em Aysén, o valor desse megawatt/hora duplica a média nacional.
Atualmente, a empresa Edelaysen, operadora da empresa privada Saesa, controla geração, transmissão e distribuição de energia elétrica na região. O sistema de Aysén possui capacidade instalada de 37,65 megawatts, dos quais 54,2% provêm de fonte termoelétrica, 41,7% de hidrelétrica e 4,1% de eólica.
Os que se opuseram ao projeto HidroAysén, agora impulsionam uma meta ainda mais ambiciosa: a soberania energética regional, um projeto apoiado, entre outras pessoas, por Miriam Chible. Esta mulher, viúva e mãe de quatro filhos, que nasceu e se criou em Coyhaique, faz parte da Comissão Assessora Presidencial para o Desenvolvimento Regional e a Descentralização, criada em abril, de onde pretende impulsionar a soberania energética com uma matriz diferente, apostando nas energias renováveis não convencionais e na autonomia alimentar.
“Buscamos um modelo diferente de desenvolvimento econômico para Aysén. A ideia é que Aysén estruture seu próprio projeto energético para depois impulsionar seu próprio projeto de desenvolvimento. A líder destacou que o movimento ambiental acredita que se pode explorar a energia hidráulica de Aysén mediante minicentrais de baixo impacto, além de impulsionar as energias eólica e geotérmica.
Existem avanços. Há seis meses, 120 pessoas integram a Cooperativa Solar que no dia 2 fez o primeiro seminário sobre experiências locais de energias renováveis não convencionais. Chible tem 24 painéis fotovoltaicos instalados em seu restaurante Histórico Ricer, que há 33 anos se localiza no centro de Coyhaique. Assim como ela, há dezenas de famílias que fazem tentativas para diversificar sua fonte de energia.
O passo seguinte será uma compra em massa de lâmpadas LED para que cada sócio instale em sua casa. “Também temos medidores que nos permitem saber quanta energia consumimos a cada dia, e fazemos oficinas de ecoalfabetização energética”, afirmou Chible.
O secretário regional de Energia de Aysén, Juan Atonio Bijit, disse à IPS que a região possui capacidade geradora de energia bem importante, com potencial hidrelétrico, mas também eólico. Inclusive, “incorporamos soluções fotovoltaicas com resultados muito bons”, afirmou. A Agenda Energética, lançada no dia 15 de junho por Bachelet, considera o aumento da oferta de geração elétrica na região para reduzir as tarifas e “melhorar ou apoiar padrões de vida das pessoas”, ressaltou.
Bijit acrescentou que no momento se projeta a subvenção da energia em Aysén, mas antecipou que todas as etapas futuras serão analisadas com a comunidade. “Não podemos fazer coisas entre quatro paredes, por isso é importante conversar com as pessoas antes de decidir. A ideia é que participem do que se deve fazer na área energética e em Aysén a população está bastante sensibilizada em torno do assunto”, acrescentou. Envolverde/IPS
(IPS)
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