O tanque de armazenamento de gás natural inaugurado pela presidente Michelle Bachelet em 14 de maio, que completa o terminal de gás natural de Mejillones. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Mejillones, Chile (Terramérica).- Em abril de 2004, a Argentina começou a reduzir o envio de gás natural para o Chile, o que desatou uma crise energética de grandes proporções e trouxe à tona problemas estruturais no vital setor, que persistem até agora.
Dez anos depois, um terminal de regasificação de gás liquefeito para reconvertê-lo em gás natural, localizado no porto de Mejillones, 1.400 quilômetros ao norte de Santiago, parece fornecer boa parte da solução para os problemas energéticos do norte do país, epicentro da escassez hídrica e de milionárias atividades de mineração.
A presidente Michelle Bachelet se mostrou confiante de que, junto com as energias renováveis, o gás natural contribuirá para a diversificação da matriz energética e ressaltou que “o que fizermos, ou não fizermos, agora terá consequências no futuro”.
Em 14 de maio, Bachelet inaugurou o tanque de armazenamento em terra do terminal de regasificação de Gás Natural Liquefeito Mejillones (GNLM), o maior da América Latina e o segundo do mundo, depois do existente no Japão. O terminal é propriedade do grupo francês GDF Suez, com 63% das ações, e da estatal Corporação do Cobre do Chile (Codelco), que tem o restante das ações.
Foi Bachelet quem, em 2008, colocou a pedra fundamental do tanque, durante seu primeiro mandato (2006-2010), e em fevereiro de 2010 assistiu à chegada do primeiro navio transportando metano. Desta vez, a presidente inaugurou um enorme tanque de armazenamento com capacidade aproximada de 187 mil metros cúbicos, do tipo de “contenção total”, com tanque de aço niquelado dentro de outro e recoberto por fora com concreto.
O presidente do Grupo GDF Suez, Gerard Mestrallet, explicou que foi construído com o mais alto padrão de segurança, por isso é antiterremoto e fica acima da cota de eventuais tsunamis. O tanque possui 501 isoladores elastômeros que lhe permitem resistir às forças provocadas por um terremoto de grande magnitude. Também conta com sofisticados sistemas de monitoramento e proteção.
A ampliação do GNLM significou investimento adicional de US$ 200 milhões, que se somaram aos US$ 550 milhões iniciais do projeto. A estrutura consolida a unidade da empresa que funcionou durante quatro anos com o navio BW GDF Brussels, que esteve ancorado na baía e servia como local de armazenamento das cargas de gás que chegavam à área.
Sua capacidade equivale a, aproximadamente, 110 milhões de metros cúbicos de gás natural depois do processo de regasificação, que é enviado aos clientes, majoritariamente empresas mineradoras, através dos gasodutos Nor Andino e GasAtacama.
Os clientes da empresa são os encarregados de importar o gás. Até agora as mineradoras que assinaram contrato são a anglo-australiana BHP Billiton, a Codelco e a Geradora E-CL, propriedade da GDF Suez. No dia 15 de maio, Bachelet apresentou a Agenda de Energia de seu governo, que aposta nas energias limpas e incentiva o uso de GNL na geração elétrica em substituição ao diesel, junto com o uso industrial e residencial.
A Agenda conta com medidas de curto prazo para maximizar o uso da infraestrutura de geração elétrica atual e os terminais GNL. Apresenta outras iniciativas que, no médio e longo prazos, “permitam aumentar a capacidade de GNL e instalar novas centrais de ciclo combinado a gás natural na matriz energética, dentro do possível mediante novos atores”. Além de Mejillones, o Chile possui outro terminal GNL, na baía de Quintero, 154 quilômetros ao norte de Santiago, propriedade de uma sociedade que tem participação da Empresa Nacional do Petróleo.
Vista aérea do terminal de regasificação de Gás Natural Liquefeito Mejillones, no norte do Chile, o maior de seu tipo na América Latina e o terceiro do mundo. Foto: Cortesia do GNLM
Para o diretor do Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais (Olca), Lucio Cuenca, a proposta do governo deve ser olhada criticamente. Ele disse ao Terramérica que o país comete o erro de não pensar no gás natural de grande qualidade que seus vizinhos Bolívia ou Argentina poderiam fornecer, mas no tipo não convencional, principalmente o de xisto, extraído das rochas subterrâneas mediante fratura hidráulica, conhecida pelo termo inglês
fracking.
Segundo Cuenca, atualmente o Chile importa o gás principalmente de Trinidad e Tobago e do Catar, mas acredita-se que o governo negociará com os Estados Unidos o fornecimento de gás de xisto. Ele afirmou que, embora no caso do GNL as emissões na atmosfera sejam menos contaminantes, “de todo modo provêm dos hidrocarbonos, por isso também gera gases-estufa” e que “o GNL é considerado como uma fonte de energia de transição, isto é, é um pouco melhor do que o carvão, mas não significa que seja ótimo do ponto de vista da energia limpa”.
No Chile há três tipos de geração termoelétricas: a diesel, que é a mais cara e contaminante; carvão, que também é contaminante, mas abundante e barato; e o gás, que é menos contaminante, mas custa cerca de 30% mais do que o carvão.
Em 1991, um ano depois do retorno da democracia ao Chile, os governos chileno e da Argentina assinaram um acordo de complementação econômica que estabeleceu as bases da interligação gasífera entre os dois países. Mas o falecido Néstor Kirchner, ao assumir a Presidência da Argentina em 2003, priorizou o abastecimento interno, diante de uma evidente escassez do hidrocarbono, que então era suficiente apenas para abastecer a demanda nacional.
O corte significou forte impacto econômico para o Chile, porque obrigou as geradoras de eletricidade a recorrerem ao petróleo, cujo preço no mercado internacional havia subido fortemente. No momento do corte, quase 90% das indústrias de Santiago usavam gás natural argentino, que também abastecia a rede domiciliar de boa parte do país.
“A decisão de Kirchner (2003-2007) se deveu à trajetória política que tem a Argentina, que sempre vai privilegiar os interesses nacionais e estar disposta, seja qual for seu governante, a assumir o custo do ponto de vista da agenda de cooperação internacional”, pontuou ao Terramérica a especialista em política, Francisca Quiroga.
Ela recordou que, após os cortes no envio de gás, “houve um debate sobre a desconfiança que deveria existir em relação à Argentina nos termos internacionais e que esse era um país que não cumpria seus compromissos”. Mas o crédito obtido por Kirchner foi maior do que qualquer crítica externa, acrescentou.
Quiroga ressaltou que a questão energética “é altamente sensível, ideológica e estratégica, e tem alto valor nos debates de política interna”, acrescentando que, no contexto latino-americano atual, “é um dos temas da agenda multilateral mais importantes de abordar em relação aos desafios do século 21”.
Contudo, o Chile avança para a construção de um terceiro terminal de GNL no centro-sul do país, no qual estará presente a empresa de energia estatal Enap. Para Cuenca, trata-se de uma estratégia que convém aos grandes empresários da mineração que precisam de energia barata e abundante, pois, a seu ver, se buscaria oferecer no mercado interno preços mais convenientes. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.(Terramérica)
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