Na Costa Rica, 7% da geração elétrica já provém de fonte eólica, graças a campos como o das montanhas de La Paz e Casamata, a 50 quilômetros da capital São José. Mas o setor automotor coloca pedras no sonho do país de uma matriz energética limpa. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
Na Costa Rica, 7% da geração elétrica já provém de fonte eólica, graças a campos como o das montanhas de La Paz e Casamata, a 50 quilômetros da capital São José. Mas o setor automotor coloca pedras no sonho do país de uma matriz energética limpa. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
São José, Costa Rica, 27 de maio de 2015 (Terramérica)- Apoiada na potência do sol, do vento, dos rios e do calor interno da Terra, a Costa Rica entra no século 21 com o desafio de se superar em matéria de energias limpas e chegar a uma matriz elétrica abastecida unicamente com fontes renováveis.
Este mês, o estatal Instituto Costarriquenho de Eletricidade (ICE) anunciou que em 2015 o país produzirá 97% de sua energia a partir de fontes limpas. “O país como tal, junto com suas políticas energéticas e ambientais, decidiu que quer fazer um desenvolvimento energético baseado em fontes renováveis”, explicou ao Terramérica o chefe do Processo de Expansão do Sistema do ICE, Javier Orozco.
Ainda assim, esse país centro-americano de 4,5 milhões de habitantes ainda depende parcialmente dos combustíveis fósseis, e Orozco apontou que o país utiliza “a geração térmica como complemento porque as renováveis dependem do clima e não se pode garantir que sempre haverá vento ou água”.
Com uma matriz que se alimenta quase totalmente com energias limpas, o ICE anunciou, em março, que durante os primeiros 75 dias do ano não foi preciso queimar um só litro de petróleo ou um quilo de carvão na área elétrica. “Em nosso país construímos usinas térmicas para que fiquem desligadas a maior parte do tempo”, explicou  Orozco.
Esse objetivo nem sempre é cumprido, principalmente pela instabilidade na geração das usinas hidrelétricas, que varia segundo o clima. Em 2014, um ano seco, o país teve gasto recorde em combustíveis fósseis para gerar 10,3% de sua eletricidade. Desde meados do século 20, a Costa Rica apostou em uma matriz energética apoiada na hidroeletricidade, mas paulatinamente decidiu reduzir sua dependência dessa fonte que, em 2014, forneceu apenas 63% da demanda, de 2.800 megawatts (MW), enquanto a fonte geotérmica representou 15% e a eólica 7%.
A alta fatura petroleira do ano passado teve origem no fenômeno meteorológico El Niño/Oscilação do Sul (Enos), que atingiu a área centro-americana e provocou uma das piores secas em mais de meio século. As projeções do impacto futuro da mudança climática têm um duplo papel: enquanto o mundo deve buscar energias mais limpas para evitar o aquecimento do planeta, a Costa Rica deve ampliar sua matriz energética por causa das mudanças nos padrões hidrológicos.
Por isso o país explora os limites dessas energias renováveis e se propõe a possibilidade de gerar 100% de eletricidade limpa, em uma estratégia que aposta particularmente na geotermia. Esse recurso se esconde sob os vulcões do noroeste do país e os cientistas e engenheiros locais aperfeiçoam a técnica de utilizar o calor da terra para gerar eletricidade.
“Temos prevista a construção da nova usina geotérmica, a Pailas II, e estamos com os estudos de viabilidade de um novo campo. A geotermia é importante porque não está sujeita à variabilidade climática, sendo constante”, argumentou Orozco. Essa usina teria 50 megawatts de capacidade instalada e se somaria às que já estão em operação: Pailas, com 35  de capacidade, e Miralles, com 165 megawatts. Isso significa que atualmente se explora, segundo dados do ICE, apenas 23% do potencial geotérmico, de 865 megawatts.
No entanto, seu desenvolvimento apresenta o inconveniente de que o resto do recurso está localizado em parques nacionais, onde por lei não se pode fazer esse tipo de exploração. Isso traz a pergunta sobre qual é a definição de energia verde que o país aceitará.
Especialistas como o ex-ministro de Ambiente e Energia, René Castro (2011-2014), consideram viável o desenvolvimento geotérmico. “É possível. São necessárias duas mudanças: que o ICE amplie a geotermia e seja autorizada a extração em parques nacionais, com pagamento de direitos a esses parques e reposição em dobro da terra que for usada. Se fossem usados 50 hectares (de parques nacionais) deveriam ser repostos cem de valor ecológico equivalente”, explicou Castro ao Terramérica.
A outra medida que Castro propõe é “autorizar o setor privado a gerar eletricidade com biomassa de resíduos de abacaxi, banana ou serragem” e depois vendê-la ao ICE, que administra o setor e também é o principal explorador elétrico. Os operadores privados representam 14,5% da geração total e um quarto da capacidade instalada, mas legalmente têm limitações para expandir sua participação.
O investimento necessário seria semelhante ao projetado pelo ICE, pontuou o ex-ministro, que está próximo de 1% do produto interno bruto. “O que mudaria é que em lugar de um único investidor, o ICE, este seria o dominante, mas estaria acompanhado de, aproximadamente, 30 empresas e cooperativas”, acrescentou Castro.
Essa discussão é urgente no país, que adentra lentamente nela por múltiplos canais. Em julho de 2014, a Assembleia Legislativa aprovou um empréstimo do Banco Europeu de Investimentos e da Cooperação Japonesa para construir o projeto geotérmico Pailas II. Por sua vez, o ICE tem em marcha projetos para aumentar em 800 megawatts sua capacidade instalada de 2.880 megawatts.
Em paralelo, o governo abriu uma Mesa de Diálogo Nacional de Energia Elétrica, que discutirá esses temas, e um Diálogo Nacional de Transporte e Combustíveis, que abordará o ponto mais fraco do sonho verde costarriquenho: o gasto energético em transporte.
Transporte, o elo mais débil
Esse setor “é o maior consumidor energético em nível nacional e responde por 67% do total das emissões de gases-estufa do país”, disse, ao inaugurar o diálogo, o ministro atual de Ambiente e Energia, Édgar Gutiérrez. Por isso, para o governo, “atender os desafios que esse setor apresenta é uma prioridade”, ressaltou.
Por mais limpa que a Costa Rica consiga fazer sua matriz energética, o país manterá suas emissões e seu modelo de desenvolvimento “sujo” por causa do transporte terrestre. Uma solução poderia vir das mãos do cientista e ex-astronauta de origem costarriquenha Franklin Chang, que trabalha em um sistema de transporte com hidrogênio.
“O problema não está na eletricidade, mas no transporte. É aí que temos de ganhar e nos desligarmos do uso do petróleo, introduzir nosso próprio combustível em nosso próprio país com tecnologias baseadas no hidrogênio”, explicou Chang ao Terramérica.
De seu laboratório em Guancasta, na costa ocidental, no litoral do Oceano Pacífico, Chang aliou-se à estatal Refinadora Costarriquenha de Petróleo (Recope) para criar um plano-piloto com vários veículos movidos a hidrogênio e conseguiu chegar à fase de testes, mas um tecnicismo freou o projeto de US$ 2,3 milhões.
Em outubro, sua empresa, a Ad Astra, anunciou que “estava pronta para iniciar a última fase”. “Seria o fecho de ouro com o qual instalaríamos e criaríamos um pequeno ecossistema de veículos a hidrogênio”, mas a Recope não conseguiu eliminar seu impedimento legal para operar esse tipo de energia. “Em março anunciei que estava totalmente cansado disso”, acrescentou Chang.
O parlamento estuda atualmente uma solução para permitir à Recope investir em energias limpas, mas até agora o projeto está parado. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)