Cidade do Panamá, Panamá, 20 de outubro de 2014 (Terramérica).- Para os indígenas, a floresta que habitam no Panamá não é apenas seu habitat, mas um entorno espiritual e um dos modos com que se relacionam com a natureza e com seus ancestrais. O ambiente florestal guarda parte de sua essência e sua identidade. “O valor que damos às florestas está em função dos benefícios que elas nos dão. E não é somente oxigênio”, afirmou ao Terramérica o emberá Cándido Mezúa, presidente da Coordenadoria Nacional dos Povos Indígenas do Panamá (Coonapip).
“Basta ver matéria orgânica, recursos minerais no subsolo, formas de vida relacionadas com os costumes dos povos indígenas”, acrescentou o grande cacique de um dos sete povos originários panamenhos, que vivem em cinco territórios delimitados sob a figura de comarcas, que funcionam como propriedade coletiva que não pode ser doada nem vendida.
Neste país centro-americano e tropical com grande riqueza florestal, os indígenas a gerenciam mediante Empresas Florestais Comunitárias (EFC). Mas Mezúa se queixou das dificuldades para criá-las, o que prejudica s saúde de suas áreas florestais e o bem-estar de seus guardiões, os habitantes originários. Dos 3,8 milhões de habitantes do Panamá, 417 mil são indígenas, que ocupam 16.634 quilômetros quadrados, equivalentes a 20% do território nacional.
Segundo um mapa divulgado em abril pela Autoridade Nacional do Ambiente (Anam), elaborado com apoio de agências da Organização das Nações Unidas (ONU), 61,9% da superfície panamenha, 46.800 quilômetros quadrados, contam com cobertura florestal. Mas a cada ano há uma preocupante perda de 200 quilômetros quadrados, alerta a Anam, em um país com 104 áreas protegidas que incluem 35% dos 75.517 quilômetros quadrados do território.
As EFC “são um esforço que não está bem desenvolvido. Só se extrai madeira, não se desenvolve a cadeia de valor, o valor agregado fica fora da comarca”, apontou Mezúa, cacique-geral da Comarca Emberá-Wounaan, na fronteira com a Colômbia, onde também habita seu povo, bem como no Equador.
Para o líder indígena, as EFC ajudam a manter a floresta por longo prazo, com sistemas de rotação que permitem conhecer seu valor e o de sua madeira na área de manejo. Mas “os que ficam com os benefícios são os grandes industriais. As comarcas não são sujeito de crédito e não podem colocar as terras como garantia, dependem da cooperação”, criticou Mezúa. Atualmente, operam apenas cinco EFC, cuja atividade principal é o processamento de madeira.
Em 2010, duas comarcas indígenas assinaram um acordo comercial de dez anos com a empresa panamenha Green Life Investment para fornecer matéria-prima. Mas extrai apenas cerca de 2.755 metros cúbicos anuais de madeira. Em média, o rendimento nessas comarcas é de 25 metros cúbicos de madeira por quilômetro quadrado, e a extração total nas comarcas indígenas fica em aproximadamente oito mil metros cúbicos por ano, com renda aproximada de US$ 275 mil. Em cinco anos, o plano é ter dois mil quilômetros quadrados sob manejo, explicou o líder indígena.
O governamental Programa de Desenvolvimento Empresarial Indígena do Panamá entregou a esses projetos pouco mais de US$ 900 mil. O aproveitamento florestal em terras indígenas é baixo. Em 2013, a Anam concedeu 9.944 permissões florestais, das quais apenas 732 para as comarcas.
O olhar na REDD
Mezúa pontuou que a esperança dos povos originários é que as EFC se potencializem com o REDD+, o mecanismo do Programa Conjunto da ONU para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (ONU REDD), destinado a mitigar a mudança climática.
“Queremos pagar pela conservação e pelo aproveitamento sustentável da floresta. É crítico encontrar o balanço entre a conservação e o desenvolvimento. Mas a REDD+ não resolverá sozinha a crise florestal”, afirmou ao Terramérica o coordenador do mecanismo no Panamá, Gabriel Labbate.
Atualmente, a REDD+ Panamá se concentra em preparar o país para o período 2014-2017 e desenhar a plataforma de divulgação da iniciativa, o canal de transparência e mecanismo de reclamações e prestação de contas, a revisão das estruturas de governo e os primeiros passos para a fase operacional, que deve começar em junho de 2015.
A ONU REDD foi lançada em 2007 e seu instrumento conta com 56 países do Sul em desenvolvimento como sócios. Destes, 21 criam planos nacionais, para os quais receberam em conjunto US$ 67,8 milhões. Além do Panamá, da América Latina estão neste grupo Argentina, Bolívia, Equador e Paraguai.
As florestas captam o carbono da atmosfera e o armazenam em seus troncos e no solo. Daí a importância de frear o desmatamento e evitar a liberação do carbono na atmosfera. Além disso, as árvores controlam o ciclo hidrológico, ao evaporar a água e alimentar a chuva.
Os indígenas panamenhos creem que, pelo papel que as florestas representam para sua cosmovisão, não há ninguém como eles para participar da REDD+, que incorpora elementos como conservação e melhoria do carbono florestal e o manejo sustentável das florestas.
Mas, em fevereiro de 2013, seus representantes se retiraram do programa-piloto, por considerarem que desrespeitava a consulta livre, prévia e informada, feria os direitos coletivos sobre a terra e também a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Só retornaram a essa instância em dezembro, após a promessa do governo de corrigir as falhas denunciadas.
Na REDD+ deve-se debater “as salvaguardas, os benefícios, o preço do carbono, as leis sobre manejo do carbono e a segurança legal do território”, explicou Mezúa. “Queremos que seja criado um fundo climático territorial indígena, que nos permitirá definir como nós, indígenas, daremos um valor a partir do nosso ponto de vista e como se traduz a valorização econômica”, ressaltou o cacique-geral.
“A ideia é que o dinheiro vá para as comunidades, mas é uma questão de volume e de financiamento”, destacou Labbate, que também responde no país pela iniciativa de Pobreza e Ambiente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Pobreza e ambiente são intrínsecos nos povos originários panamenhos. Dados divulgados pelo governo e pela ONU em 28 de setembro destacam que a pobreza no Panamá afeta 27,6% da população, mas entre 70% e 90% das famílias indígenas são pobres.
Os representantes indígenas pedem sua inclusão na divisão do financiamento internacional que o Panamá obterá por conservar suas florestas. Além disso, querem que a compensação não seja vinculada apenas com a proteção florestal e a captação de carbono nas comarcas indígenas, mas que alimente uma política ambiental que lhes permita desenvolver atividades econômicas e combater sua miséria.
Os caciques acreditam que a ferramenta para reduzir sua desigualdade em relação aos demais panamenhos está em suas florestas. “Mas é preciso que nos apoiem para que assim seja. A REDD+ é só parte da estratégia de ajuda, pois o mais importante é que se legisle para garantir na prática nossos direitos territoriais”, ressaltou Mazúa. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Terramérica)