Roma, Itália, dezembro/2014 – Já é oficial: o sistema intergovernamental não consegue atuar em beneficio da humanidade. A 20ª Conferência das Partes (COP 20) sobre mudança climática, concluída no dia 14 deste mês, em Lima, no Peru, produziu um projeto de acordo que foi adotado por todos, simplesmente porque não implica nenhuma obrigação.
É uma espécie de acordo de cavalheiros global, onde se supõe que o mundo é habitado apenas por cavalheiros, incluindo as corporações petroleiras. Na verdade, é um ato de irresponsabilidade colossal, pelo qual, em nome de um acordo, evita-se uma solução.
Lima foi a última etapa antes da COP 21, que acontecerá em Paris em dezembro do próximo ano, quando, supõe-se, se deveria conseguir um novo tratado global sobre a mudança climática. Em Lima, milhares de delegados de 195 países mais a União Europeia negociaram para tentar encontrar uma posição comum para o encontro final na capital francesa.
A COP da capital peruana foi precedida de uma reunião histórica entre os presidentes Barack Obama, dos Estados Unidos, e Xi Jinping, da China, na qual os chefes de Estado dos dois principais países contaminadores acordaram um plano de ação para reduzir as emissões.
A ideia principal que saiu de Lima é permitir que cada país decida suas reduções das emissões de dióxido de carbono segundo seus próprios critérios. Mas todo o mundo está consciente de que isso é um desastre para o planeta.
“É um avanço, já que dá sentido à ideia de que cada país fará reduções”, apontou o diplomata holandês Yvo de Boer, ex-secretário executivo da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática. “Mas as grandes esperanças sobre o processo se desfizeram”, acrescentou.
Todos os delegados sabem que, sem um tratado vinculante para reduzir as emissões, não há maneira de um plano a respeito ser colocado em prática. Mas aceitam o possível, inclusive se não se solucionar o problema. É como um hospital onde o cirurgião-chefe anuncia que a boa notícia é que o paciente ficará paralisado.
O projeto de acordo se baseia em que todos os países se comprometem publicamente a adotar seu próprio plano para reduzir as emissões, mediante critérios estabelecidos pelos governos nacionais, com base em sua política interna, em lugar de adotar as medidas que os cientistas indicam como absolutamente necessárias.
Naturalmente, isto faz com que nenhum país se oponha a esse tipo de tratado. O documento só poderia ser válido se o sistema intergovernamental fosse capaz de atuar unido e assumir compromissos comuns.
Esse ato de irresponsabilidade é evidente quando observamos que em países produtores de combustíveis fósseis, como Arábia Saudita, Equador, Irã, Nigéria, Catar ou Venezuela, os governos estão interessados em utilizar as exportações de petróleo para se manterem no poder.
Podemos imaginar como interpretará a Índia, terceiro maior emissor, o espírito do tratado de Lima. Sob o lema “Gostamos da Índia limpa, mas precisamos de postos de trabalho”, o governo do primeiro-ministro Narendra Modi se move a uma velocidade notável para eliminar qualquer norma regulatória para a indústria, a mineração, projetos de energia, forças armadas, etc.
Segundo o comitê encarregado de reformar a legislação ambiental da Índia, o sistema de regulamentação “serve apenas para os propósitos de uma administração corrupta”.
Em vez disso, o comitê apresenta um novo paradigma: “o conceito de máxima boa fé”. Os empresários vigiarão a si mesmos quanto à contaminação gerada por suas atividades.
A recém-criada Direção Nacional para a Vida Silvestre da Índia, responsável pelas áreas protegidas, aprovou 140 projetos pendentes em dois dias. As pequenas minas de carvão contam com uma autorização para se ampliarem e agora não é necessária a aprovação dos povos tribais para os projetos florestais.
O ministro de Ambiente, Florestas e Mudança Climática, Shri Prakash Javadekar, se orgulhou de na Índia “termos decidido descentralizar a tomada de decisões, e 90% das solicitações não precisarão da minha aprovação”.
Naturalmente se trata de uma total coincidência a conferência de Lima ter acontecido em meio à maior redução de preços do petróleo em cinco anos.
O barril caiu para menos de US$ 60, contra os US$ 100, ou mais, de alguns meses atrás. Este nível de preço foi decidido especialmente pela Arábia Saudita, que não aceitou reduzir a produção para defender o preço do petróleo.
A explicação mais frequente é que o baixo custo prejudicaria a exploração de gás e petróleo de xisto que estão convertendo os Estados Unidos em autossuficiente e dentro de pouco tempo em exportador de hidrocarbonos.
Mas também é preciso considerar o futuro das energias renováveis. A eólica e a solar, que têm custos relativamente elevados, seriam abandonadas se houver petróleo barato.
Sempre por coincidência, essa situação está criando sérios problemas para países como Rússia e Venezuela (em conflito com Washington) e Irã (inimigo direto), já que estão enfrentando graves déficit em suas contas.
Também casualmente, o uso da barateada energia de origem fóssil está se perfilando mais tentador, em momentos em que todo o mundo finalmente admite que existe um problema de mudança climática.
A partir de março, os países terão que apresentar seus planos nacionais. Então ficará claro que os governos estão ignorando a muito simples tarefa de deter a mudança climática, o que se traduzirá em danos irreversíveis ao se chegar à última data-limite de 2020, ano em que o novo tratado deveria entrar em vigor.
Dessa forma, o exercício de irresponsabilidade de Lima também se converterá em um exercício de futilidade.
Existe alguma dúvida de que, se as pessoas, e não os governos, fossem os responsáveis por salvar o planeta, a resposta teria sido mais rápida e eficiente?
Os jovens em todo o mundo têm prioridades muito diferentes das empresas e indústrias. Lamentavelmente, sua influência política é muito inferior… Envolverde/IPS
* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor da Newsletter Other News.
(IPS)