Mulheres plantam arroz no Nepal. Mais de 2,4 bilhões de pessoas obtêm nutrientes essenciais com o consumo de arroz, trigo, milho, soja ou sorgo. Foto: Mallika Aryal/IPS
Uxbridge, Canadá, 9/5/2014 – Os crescentes níveis de dióxido de carbono (CO2) deixarão muito menos nutritivos os cultivos de alimentos básicos, como arroz e milho, de acordo com um estudo feito pela Universidade de Harvard. Importantes cultivos terão níveis menores de zinco e ferro em meados deste século, sem não forem reduzidas as emissões de CO2 procedentes da queima de combustíveis fósseis, afirma uma análise sobre os experimentos de campo realizados em três continentes.
“Dois bilhões de pessoas já sofrem de baixos níveis de zinco e ferro. É uma carga enorme para a saúde mundial”, disse Samuel Myers, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo
O Aumento de CO2 Ameaça a Nutrição Humana, publicado na edição do dia 7 da revista científica Nature.
As deficiências de zinco e ferro têm uma ampla gama de repercussões na saúde humana, como aumento da vulnerabilidade diante das doenças infecciosas, anemia, níveis maiores de mortalidade materna e queda do coeficiente intelectual. Mais de 2,4 bilhões de pessoas recebem esses nutrientes essenciais por meio do consumo de arroz, trigo, milho, soja, forragens e sorgo, explicou Myers à IPS.
O cientista e seus colegas de Harvard avaliaram os dados obtidos de 143 cultivos experimentais com níveis de CO2 que são 100% superiores à média pré-industrial, já que, no ritmo atual, as emissões industriais de CO2 duplicará até 2060. O trigo cultivado nessas condições tem 9,3% menos zinco e 5,1% menos ferro do que as plantas com a concentração atual de CO2. “Encontramos efeitos significativos de CO2 alto para todos esses cultivos, mas algumas variedades de sementes tiveram melhores resultados do que outras”, afirmou Myers.
O conteúdo nutricional de muitos cultivos de alimentos caiu nos últimos cem anos, segundo o cientista. Uma razão é que os agricultores favoreceram o crescimento rápido e o rendimento sem levar em conta o aspecto da nutrição. A isso se soma o fato de os atuais níveis de CO2 serem 42% mais elevados do que há 150 anos.
“Os níveis maiores de CO2 ajudam as plantas a crescerem mais rapidamente, mas isso acontece sobretudo com o aumento do amido e dos açúcares”, afirmou David Wolfe, professor de ecologia das plantas e do solo na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. “Há mais hidratos de carbono”, ou seja, amido e açúcar, “e menos proteínas e nutrientes”, acrescentou o professor, que participou do estudo de Harvard.
Essa situação provoca o que alguns chamam de “alimentos ocos”, ou seja, com insuficiente nutrição, que poderiam ser uma das causas do rápido aumento da obesidade. É possível que as pessoas comam mais para obter a nutrição necessária, pontuou Ken Warren, porta-voz do The Land Institute, um centro de pesquisa agrícola dos Estados Unidos.
Os cultivos retiram minerais, oligoelementos e outras propriedades da terra a cada ano. A agricultura moderna devolve à terra alguns fertilizantes químicos que não substituem tudo o que foi retirado, explicou Warren à IPS. Uma análise de 2006 do governo britânico, sobre os nutrientes na carne e nos produtos lácteos, revelou que o conteúdo mineral do leite, do queijo e da carne bovina diminuiu até 70% em comparação com os níveis registrados na década de 1930.
O queijo parmesão tinha 70% menos magnésio e cálcio, as costelas de carne continham 55% menos ferro, o frango 31% menos cálcio e 69% menos ferro, enquanto o leite também revelou uma forte redução na quantidade de ferro e 21% menos magnésio. O cobre, um oligoelemento importante e um nutriente essencial que é consumido em pequenas quantidades, também teve queda de 60% nas carnes e de 90% nos produtos lácteos, segundo o estudo britânico. Acredita-se que os cultivos de alto rendimento e os métodos de agricultura intensiva são os fatores responsáveis por esta situação, de acordo com a The Food Commission, a organização independente que publicou o estudo.
Os impactos medidos dos altos níveis de CO2 nos cultivos de alimentos incluídos no estudo de Harvard não replicam as temperaturas mais altas e as condições climáticas extremas esperadas para meados deste século. Outras pesquisas revelam que o aumento do calor estressa as plantas e, embora o maior nível de CO2 gere plantas maiores, seu rendimento é muito menor, destacou Wolfe.
O cultivo de alimentos nos Estados Unidos será mais problemático com a mudança climática, especialmente no Estado da Califórnia, no sudoeste do país e em partes das Grandes Planícies, segundo a Avaliação do Clima Nacional que o governo norte-americano divulgou no dia 6.
O estudo, que durou quatro anos, é uma declaração científica concludente sobre as repercussões atuais e futuras da contaminação de carbono nos Estados Unidos. O aumento previsto das temperaturas secará as terras, por isso será impossível cultivar alimentos sem irrigação extensiva. A região já sofre uma seca há dez anos, que seguramente se agravará.
As temperaturas mais altas também aumentam a evaporação, o que seca ainda mais os solos e tira efetividade da irrigação. Os recursos hídricos subterrâneos também estão em todas as regiões indicadas. “A Califórnia e o sudoeste enfrentam enormes problemas de água”, destacou Wolfe, um dos 300 cientistas que contribuíram para a avaliação. “A Califórnia tem o clima perfeito para o cultivo de alimentos nesse momento, mas não o terá se o clima esquentar mais”, advertiu.
Há poucas dúvidas de que a Califórnia e o resto dos Estados Unidos terão temperaturas mais altas se as emissões de CO2 não baixarem nesse país e no resto do mundo. Enquanto a metade ocidental do pais norte-americano é cada vez mais seca, a metade oriental, e em particular o nordeste, receberá chuvas mais intensas e com maiores inundações. O nordeste experimentará mais secas nos verões, mas, quando chegarem as chuvas, estas virão como dilúvios, segundo Wolfe.
Na última década a região experimentou um clima de inverno extremamente errático. Em 2012, o calor extremo do inverno permitiu que os cultivos de frutas florescessem quatro semanas antes, mas depois houve uma forte geada que gerou perdas de centenas de milhões de dólares. “A imprevisibilidade é o maior desafio para os agricultores”, enfatizou Wolfe.
O cientista acrescentou que é otimista, mas para o futuro prevê alimentos com preços mais altos, acima do que pode pagar a população pobre, e uma grande quantidade de transtornos para as comunidades agrícolas. Os produtores de alimentos dos Estados Unidos vão precisar de ajuda em educação e financiamento para se adaptarem. “Temos de ir além dos seguros para as colheitas. A mudança climática é arriscada para os agricultores e muitos não têm fundos para se adaptarem ao que vem por aí”, alertou Wolfe. Envolverde/IPS
(IPS)
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