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Lei de acesso ao patrimônio genético: entre incógnitas e críticas
Governo vem adiando sucessivamente a divulgação da minuta do decreto que pretende regulamentar a nova lei. Em artigo de opinião, a assessora do ISA analisa o processo de consulta a povos indígenas e comunidades tradicionais sobre o assunto
Nurit Bensusan
Por Nurit Bensusan*
Apesar do processo de regulamentação da Lei 13.123/2015, que trata do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, já estar em curso, ainda não se sabe ao certo qual será o destino dos vetos da presidente Dilma Rousseff (saiba mais no box abaixo). Até o momento, sua votação pelo Congresso tem sido adiada sucessivamente e é arriscado apostar sobre o que acontecerá quando, por fim, os vetos forem apreciados pelos parlamentares. Vale lembrar que os vetos contribuem para diminuir os impactos negativos da lei e que seria muito positivo se fossem mantidos (saiba mais).
Na semana passada, aconteceu a oficina regional de Belém (PA) para a consulta aos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares, detentores de conhecimento tradicional sobre a regulamentação da lei. Os detentores reunidos foram povos indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, povos de terreiro, entre outros.
Essa oficina foi a segunda realizada no âmbito do processo que o Ministério do Meio Ambiente concebeu para a participação dos detentores de conhecimento tradicional na regulamentação. A primeira aconteceu em Rio Branco, Acre, no final de agosto. Há, ainda, mais quatro oficinas regionais programadas e uma oficina nacional (veja box abaixo).
O processo é alvo de inúmeras críticas. Boa parte dos detentores de conhecimento tradicional não o reconhece como consulta e, sim, como um processo de informação e de capacitação. Como o assunto é complexo, essas oficinas talvez não sejam suficientes sequer para informar os detentores de conhecimento tradicional sobre a lei e a possibilidade de que elas funcionem como instrumentos reais de consulta para a regulamentação é remota. Ainda assim, a Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) formou um grupo de trabalho expandido, com a participação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e dos agricultores familiares, que assumiu a coordenação do processo.
O processo também é uma mea culpa do Ministério do Meio Ambiente. A concepção, discussão e tramitação da lei aconteceram com quase nenhuma participação dos detentores de conhecimentos tradicionais. E parte da desinformação dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares é consequência desse alijamento. A pergunta que não quer calar é quanto disso é absolutamente proposital? Ou ainda, a quem convém assegurar que os detentores do conhecimento tradicional não participem efetivamente da construção do novo marco legal sobre acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional?
As dificuldades enfrentadas nas oficinas são aumentadas pelo contínuo adiamento, por parte do governo, da divulgação de uma primeira minuta de decreto de regulamentação. O cronograma original previa uma consulta na internet, para colher subsídios, até meados de agosto e a apresentação de uma primeira minuta no dia 14 de agosto. Houve um primeiro adiamento e a data para a divulgação do documento foi transferida para 31 de agosto. E, agora, o governo adiou, mais uma vez, sua divulgação para 15 de setembro. Ora, é muito mais difícil discutir a regulamentação da lei sem um rascunho de decreto. O tema, já intangível, torna-se ainda mais fluido. E o resultado das oficinas, evidentemente, fica comprometido.
Os sucessivos adiamentos da apresentação da minuta de decreto também fomentam perguntas: o Ministério do Meio Ambiente está com medo de divulgar uma minuta de decreto e ser criticado? Existe um interesse em encurtar o período de consulta da minuta para minimizar as pressões dos diversos setores, principalmente dos detentores de conhecimento tradicional? A quem interessa tais adiamentos?
Para ajudar nesse processo, o ISA preparou um guia para a regulamentação.
Por fim, cabe destacar que como a lei entrará em vigor no dia 17 de novembro e como ela não funciona sem uma regulamentação mínima, pois inúmeros assuntos foram remetidos para regulamentação, o processo está sendo, mais uma vez, como na construção da lei, conduzido de forma açodada, atropelada e pouco democrática.
Oficinas regionais e nacional sobre a regulamentação da nova lei
Montes Claros (MG): 9 a 11 de setembro
Porto Alegre: 16 a 18 de setembro
Campo Grande: 24 a 26 de setembro
Salvador: 6 a 8 de outubro
Oficina Nacional: Brasília, 14 a 16 de outubro
O que são os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais?
Os recursos genéticos da biodiversidade são encontrados em animais, vegetais ou micro-organismos, por exemplo, em óleos, resinas e tecidos, encontrados em florestas e outros ambientes naturais. Já os recursos genéticos da agrobiodiversidade estão contidos em espécies agrícolas e pastoris. Comunidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares, entre outros, desenvolvem e conservam, por décadas e até séculos, informações e práticas sobre o uso desses recursos.
Tanto o patrimônio genético quanto esses conhecimentos tradicionais servem de base para pesquisas e produtos da indústria de remédios, sementes, gêneros alimentícios, cosméticos e produtos de higiene. Por isso, podem valer milhões em investimentos. O Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, por isso é alvo histórico de ações ilegais de biopirataria, crime que a nova lei deveria coibir e punir. (ISA/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Instituto Socioambiental.
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