Lei da Biodiversidade: povos tradicionais poderão negar acesso a plantas e animais
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Lei da Biodiversidade: povos tradicionais poderão negar acesso a plantas e animais



Na Aldeia Mata Verde Bonita, 20 famílias Guarani Mbyá se comunicam na língua materna, um idioma indígena do tronco tupi-guarani (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Povos indígenas e tradicionais poderão decidir como e se determinado conhecimento tradicional poderá ser usado. Na foto, a aldeia guarani Mata Verde Bonita. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
A Lei da Biodiversidade, sancionada em maio, prevê que comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares possam negar o acesso de pesquisadores e representantes de indústrias ao conhecimento e a elementos da biodiversidade brasileira. De acordo com o gerente de projetos do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Henry Novion, o consentimento prévio informado será o instrumento usado para condicionar os acessos e no documento constarão todas as regras a serem seguidas pelos setores acadêmicos e produtivos.
“A lei reconhece quem vai dizer como determinado conhecimento vai ser usado e não é o governo, não é universidade, não é a empresa. A lei diz que quem vai dizer como, segundo usos, costumes e tradições, o conhecimento pode ou não ser usado é o povo que detém aquele conhecimento. É o povo que dá o consentimento”, explicou Novion.
O gerente acrescentou que, na regulamentação da lei, estará previsto o responsável legal por dar esse consentimento, se será uma associação local, por exemplo, ou uma organização ou federação que represente as comunidades e povos. A regulamentação tem prazo de 180 dias para ficar pronta, a partir da sanção da lei.
Manoel da Silva Cunha é extrativista na Reserva Extrativista do Médio Juruá e diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas e, de acordo com ele, a comunidade já discute alguns conhecimentos que não tem interesse em compartilhar com a indústria e a academia. “Temos alguns tipos de uso de plantas, que têm rituais que o poder não é só nosso, foi o espírito que ensinou e não temos interesse de repassar. Mas têm muitos conhecimentos e muito patrimônio genético que estão aí para ter uma função social e ambiental e não estão tendo. A pesquisa e as empresas precisam chegar e a comunidade precisa abrir esse conhecimento. Eu não tenho dúvida de que a cura do câncer está aí, que a cura da aids está aí, só precisa pesquisar.”

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Para ele, entretanto, as comunidades tradicionais e povos indígenas precisam ter autonomia e soberania sobre esse conhecimento. “Se ela [a comunidade] não quer abrir, que não sofra nenhum tipo de represália ou pressão nenhuma, que sejamos soberanos nessa decisão. Que não seja o governo que diga o que a gente abre ou não, que a lei não dê esse privilégio às empresas.”
O procurador da República no Distrito Federal Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, representante do Ministério Público no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), destaca que aregulamentação da lei deve garantir a paridade na composição do conselho, a conformação do comitê gestor do Fundo de Repartição de Benefícios. Entretanto, segundo ele, o conceito de consentimento prévio informado deve ser muito bem apropriado pelos povos e comunidades tradicionais.
“Ele [o consentimento] é que condicionará o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, dando aval para pesquisa, desenvolvimento tecnológico e exploração comercial e industrial. Se as comunidades não souberem o que é o consentimento prévio informado, não saberão qual o seu principal direito, direito de ser consultado e poder de dizer sim ou não, de forma bem esclarecida e que seja o melhor para a comunidade”, disse Lopes.
O índio Alberto Terena, da Aldeia Buriti, de Mato Grosso do Sul, explica que será um processo muito complexo para seu povo dividir seus conhecimentos de forma comercial, mas espera que possam assegurar o direito de negar esse acesso. “Há algumas coisas para nós que não se mede em valor. Qualquer medicamento não envolve só o remédio em si, mas toda uma espiritualidade de um povo, uma crença. A lei, às vezes, não vem pra dar uma segurança, ela vem pra ser infringida, burlada. E, a partir de agora, vamos lidar com influências muito poderosas, da indústria de cosméticos e farmacêutica. Queremos, com a regulamentação, que aquilo venha em nosso benefício, mas percebemos que vamos entrar na briga do mercado.”
Segundo o diretor do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Rafael Marques, o estado deve trabalhar na fiscalização para que o consentimento seja respeitado. “A legislação não foi feita pautada pelas empresas, o direito deles [dos povos e comunidades] está assegurado, de ser consultado antes que o acesso seja feito.”
Representantes de comunidades tradicionais e povos indígenas estiveram reunidos, na última semana, em uma oficina de capacitação para a regulamentação da Lei da Biodiversidade, em Rio Branco, no Acre. O próximo dos seis encontros regionais ocorre esta semana em Belém, no Pará, de 2 a 4 de setembro, e uma oficina nacional está programada para em Brasília, em outubro. Os eventos são organizados por um grupo de trabalho da Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e, conduzidos pelo Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente.
Desde o dia 12 de junho está aberta, na página do ministério, a consulta pública sobre a regulamentação da lei e, a partir da primeira semana de setembro até 16 de outubro, a minuta do texto do decreto será inserida para críticas e sugestões.
*A repórter viajou a convite do Ministério do Meio Ambiente.
Por Andreia Verdélio*, da Agência Brasil, in EcoDebate, 01/09/2015





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