Complexo hidrelétrico de Itaipu, um exemplo de integração energética bilateral que não pode transcender as fronteiras de Paraguai e Brasil. foto: Darío Montero/IPS
Santiago, Chile, 30/10/2013 – Os esforços de integração energética na América Latina são descontínuos, apesar de muitos terem claro que não há salvação, a não ser com todos. E, para esse horizonte é preciso avançar, segundo especialistas, para espantar o fantasma do déficit e dos altos custos, que afeta vários países. Especialistas consultados pela IPS coincidem quanto às dificuldades para concretizar a sonhada integração energética se centrarem, por exemplo, nas diferenças entre os programas de fornecimento de energia.
Há países com manejo estatal centralizado,
versus esquemas de participação público-privada. Também afetam a variabilidade dos preços dos combustíveis, a incerteza na disponibilidade de gás natural e os conflitos socioambientais no desenvolvimento de megaprojetos energéticos.
Os especialistas afirmam que para avançar é preciso adotar as regulamentações comerciais e técnicas necessárias para viabilizar o mercado internacional da eletricidade, operar os sistemas de interligação internacional, incluindo sua harmonização com as regulamentações nacionais, e coordenar um planejamento indicativo dos sistemas conectados da região que objetive o desenvolvimento do mercado regional dessa energia.
Também devem ser definidos critérios comuns de confiabilidade, prioridades em racionamentos e distribuição da renda da cogestão. O primeiro estudo sério sobre integração energética e interligação na América Latina foi feito em 1964, quando foi criada a Comissão de Integração Elétrica Regional (Cier), que hoje é formada por dez países, entre eles seus fundadores, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, além de sete empresas. Até o momento, o Cier desenvolveu cerca de 20 estudos segundo os quais existem possibilidades concretas de união entre os sistemas elétricos da região.
O uruguaio Oscar Ferreño, coordenador internacional de geração do Cier, se manifestou cauteloso à IPS. Apesar dos estudos realizados, a América Latina ainda está longe de concretizar uma integração energética, assegurou. Entre os fatores que impedem avançar mais nessa integração estão a falta de vontade política e as privatizações de grandes empresas públicas da área da produção e distribuição energética e companhias de petróleo e gás, que proliferaram na região na década de 1990.
Ferreño afirmou que existe uma área interligada que agrupa os países fundadores do Mercado Comum do Sul (Mercosul), Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, mas alertou que “há uma barreira natural difícil de vencer, que é a Cordilheira dos Andes”. Contudo, destacou, de todo modo hoje existem várias iniciativas de interligação bilateral ou multilateral em análise. Várias delas podem ser concretizadas.
Um exemplo é o projeto de interligação elétrica, impulsionado por Uruguai e Brasil, que contempla 500 quilovolts e uma estação transformadora de alta tensão de corrente contínua. A obra, cuja extensão é de 420 quilômetros com capacidade de 500 megawatts, deve estar pronta este ano e se estima estará operacional em meados de 2014.
Brasília também discute com Buenos Aires e Assunção a construção de uma linha de 500 quilovolts, de 321 quilômetros e capacidade de dois mil megawatts para interligar os complexos hidrelétricos binacionais de Yacyretá, compartilhado por Argentina e Paraguai, e Itaipu, de Brasil e Paraguai. O problema é que o contrato assinado por Itaipu proíbe a venda a um terceiro país.
Enquanto isso, na zona andina, dois projetos permanecem nos papéis. Um é derivado do estudo realizado em 2007 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que incentivou as complementaridades existentes nos recursos energéticos de Bolívia, Colômbia, Chile, Equador e Peru. O outro plano em estudo é o de Interligação Elétrica Andina, do qual participam esses cinco países e conta com aval do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Entretanto, a ideia de estabelecer uma rede energética regional tem o objetivo de utilizar o petróleo das enormes reservas de Argentina e Uruguai, o gás de Peru e Bolívia, o sistema elétrico presente em Chile e Brasil e todo o potencial eólico e solar da região. Para Ferreño, “a integração energética é fundamental”, principalmente pela variação produzida pelas energias renováveis não convencionais, cujo desenvolvimento tem um vasto potencial na América Latina.
“O vento pode soprar no sul em um momento e não no norte, ou pode estar nublado, então a integração facilita a homogeneização de todas as produções energéticas naturais. Isso é fundamental”, opinou Ferreño. Por sua vez, o diretor da consultoria TNS Latam, Fernando Meiter, concorda que “hoje estamos longe de uma integração energética regional”. É que “ela não pode existir se não houver um marco para que, se um país tem excedente, possa fornecê-lo a um vizinho. Esse é basicamente o problema”, pontuou.
Meiter assegurou que a interligação existente entre os países está muito longe de se transformar em uma integração concreta. “A Argentina tem vários gasodutos para o Chile e um para o Uruguai, que atualmente não são usados. No curto prazo não vejo” a concretização da integração, indicou. Esse país exportou regularmente gás natural para o Chile até 2006, quando passou a vender poucas quantidades porque precisou atender suas próprias necessidades.
O Chile, ainda sem resolver a diversificação de sua matriz energética, poderia recorrer à Bolívia, outro grande produtor. Porém, os dois países estão em constantes tensões diplomáticas pelas demandas históricas e sem sucesso de La Paz para obter uma saída soberana para o Oceano Pacífico. Atualmente, a Bolívia exporta grandes volumes de gás para a Argentina.
Segundo a Organização Latino-Americana de Energia, o consumo de eletricidade na região alcançou, em 2010, 1.073 terawatts/hora e altos preços, tanto no setor residencial quanto no industrial. Dados oficiais indicam que em 2011 o Chile se situou como o sexto país com preços mais altos para o setor industrial entre os membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos, com US$ 154 o megawatt/hora.
Meiter explicou que entre os benefícios da integração energética está o de poder negociar preços em bloco. “Por exemplo, se Argentina, Chile, Brasil e Uruguai pudessem comprar em conjunto o gás natural de qualquer produtor árabe, se fossem juntos negociar volumes, o preço baixaria”, sugeriu. Para esse consultor, a Cordilheira dos Andes, apesar do que se diz, não é uma dificuldade para a integração “porque a infraestrutura já está feita. Então, trata-se de vontade política”, ressaltou. Envolverde/IPS
(IPS)
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