Enrique “A integração não é um luxo, mas uma necessidade da América Latina”
Enrique García: A CAF é a principal fonte de financiamento multilateral da América Latina. Foto: Cortesia da CAF
Rio de Janeiro, Brasil, 3/9/2012 – Basear a economia em matérias-primas “não é sustentável no longo prazo”, alerta o economista boliviano Enrique García diante da tendência atual de vários países da América Latina de apostar na expansão da mineração em detrimento de um maior desenvolvimento industrial. O desenvolvimento regional necessita de uma “transformação produtiva”, com inclusão social, educação, inovação tecnológica e diversificação, além da total atenção às questões ambientais, destacou García, presidente-executivo da CAF, em entrevista à IPS. A infraestrutura de integração, cuja construção conta com crescente financiamento dessa instituição multilateral, que García dirige desde 1991, é fundamental para esse processo.
A CAF conserva as siglas de seu nome original, Corporação Andina de Fomento, mas identifica-se como Banco de Desenvolvimento da América Latina desde seu informe anual de 2010, quando já contava entre seus membros com 16 países da região mais Espanha e Portugal. Os setores de transporte, armazenamento e comunicações constituem o item mais financiado pela CAF, com US$ 5,325 bilhões em 2011. O segundo, com US$ 5,018 bilhões, compreende os setores de energia elétrica, gás e água, enquanto o da mineração ficou limitado a US$ 50 milhões.
IPS: Quais mudanças reflete o novo nome da instituição?
Enrique García: A CAF nasceu subrregional, limitada à Comunidade Andina de Nações (hoje formada por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru), mas nos últimos 20 anos ampliou sua dimensão, alcançando 18 países-membros e se convertendo no banco de desenvolvimento da América Latina para a América Latina. É hoje a principal fonte de financiamento multilateral da região, com uma carteira superior a US$ 10 bilhões ao ano. Sua visão é de uma agenda integral de desenvolvimento, atendendo países de diferentes modelos e relações Estado-setor privado, buscando um crescimento elevado, sustentado e de boa qualidade. Isto é, eficiente economicamente e inclusivo, cujos resultados cheguem às pessoas. Além disso, com respeito pela diversidade cultural e o ambiente.
IPS: Por que a prioridade dada à infraestrutura de integração?
EG: Nosso êxito está vinculado com a infraestrutura, que é um fator fundamental para uma economia mais produtiva e para a inclusão social. Foi fundamental em atrair para a CAF países não andinos, como o Brasil. Quando Fernando Henrique Cardoso presidia o Brasil (1995-2003), manifestou interesse em que a CAF financiasse projetos de integração, como a interligação viária entre seu país e a Venezuela e um gasoduto a partir da Bolívia. Respondi que a CAF não poderia, mas deveria fazê-lo. Recentemente, e após uma modificação em seus estatutos, permitiu-se à entidade incorporar como membros plenos Brasil, Argentina, Panamá, Paraguai e Uruguai. Assim, nos últimos anos foi possível financiar aproximadamente 60 projetos de infraestrutura para a integração regional, como estradas, portos, gasodutos e interligações elétricas.
IPS: Mas muitos desses projetos enfrentam resistências de indígenas e de outras populações afetadas, além de travas ambientais e judiciais que provocam atrasos.
EG: Os grandes projetos devem ser manejados com cuidado, com estudos integrais e análises técnicas prévias, já na fase de pré-viabilidade, pois não se pode esperar que os engenheiros definam tecnologias para depois fazer os estudos de impacto ambiental e social. Dessa forma apenas mitigam impactos, não os resolvem. A CAF tem fundos não reembolsáveis para complexos estudos preliminares. Hoje é importante preparar tudo com antecedência. Atrasos acontecem em geral, mas em muitos de nossos países a decisão ainda é apenas técnica, deixada em mãos de engenheiros e dos ministérios, sem levar em conta os elementos sociais e ambientais. Em obras como estradas e complexos hidrelétricos, por exemplo, uma opção mais barata pode se mostrar mais cara, pelo desmatamento e outros impactos, que a alternativa mais cara pode resolver melhor. A comunicação com as comunidades, informando sobre custos e benefícios de uma realidade que não será como antes, também é necessária. Há grupos territoriais que, devido à má informação, reagem negativamente.
IPS: A mineração quase não aparece na carteira de empréstimos da CAF, pois a ela, no ano passado, foram destinados apenas 0,33% do total, mas é uma atividade em forte expansão na América do Sul. Como vê esse crescimento do setor que gera tantos conflitos e exige uma infraestrutura própria?
EG: A América Latina é rica em recursos naturais e precisa estudar como explorá-los com sustentabilidade. Entretanto, também precisa promover uma transformação produtiva, não depender tanto de matérias-primas, que não asseguram uma economia sustentável no longo prazo. A alta dos preços das commodities (matérias-primas) gerou uma bonança econômica na região, e também um retrocesso na transformação produtiva. A agenda de longo prazo exige que se dê prioridade à educação e à inovação e melhor conectividade para diversificar sua produção, o maior desafio. A Finlândia é um exemplo de país que a partir de uma base de recursos naturais desenvolveu tecnologias avançadas, com empresas como a Nokia. Às vezes se exagera nas críticas, por isso é preciso um grande esforço para mostrar os benefícios da atividade mineradora com princípios ambientais e sociais, e transparência nas decisões.
IPS: E a integração, que papel tem nisso tudo?
EG: Se a América Latina quer ser um ator global importante, sua integração é uma necessidade, não um luxo. Nem mesmo o Brasil, com a força que tem, pode pesar internacionalmente sem fortalecer um papel conjunto na região. Além de uma saída para o Oceano Pacífico, para a economia brasileira é fundamental integrar os mercados regionais para uma transformação produtiva. É lamentável, por exemplo, que o comércio intrarregional represente apenas 15% do total na América do Sul, enquanto supera os 60% na União Europeia.
IPS: Mas as reações que acusam o Brasil de “imperialista”, pela expansão de suas empresas transnacionais em países vizinhos, não dificulta essa integração?
EG: As críticas não são justas. Os países latino-americanos necessitam muitos investimentos e esse mercado abre oportunidades para grandes empresas de nível internacional. É parte do processo. Oxalá surjam outras empresas com essa capacidade.
IPS: Como explicar a escassa participação das hidrovias nessa integração física?
EG: Sou crente do sistema dos rios. A CAF publicou, há 14 anos, o livro Rios que nos Unem: Integração Fluvial Sul-Americana, mostrando como o centro do continente pode se integrar pelos rios. Proximamente publicará Rios de Integração: o Caminho Fluvial da América Latina. Não demos o peso merecido a esse recurso de enorme capacidade. É preciso revisá-lo, pensar os rios em sua dimensão real, olhar o exemplo da Europa no uso intenso dessa via de transporte. Envolverde/IPS
(IPS)