BORREGAARD: UM MARCO DA LUTA AMBIENTAL NO RIO GRANDE DO SUL - Lilian Dreyer
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BORREGAARD: UM MARCO DA LUTA AMBIENTAL NO RIO GRANDE DO SUL - Lilian Dreyer


Quando a fábrica de celulose Borregaard se instalou no Rio Grande do Sul, quase quarenta anos atrás, sem o pressentir, solidificou um dos mais combativos movimentos de resistência ecologista que o Brasil já conheceu e inaugurou um inédito processo de revisão de métodos produtivos. Esse processo viria a contar com a colaboração de ninguém menos que o ecologista-emblema dos gaúchos, José Lutzenberger.
Lutzenberger estava abandonando uma bem-sucedida carreira internacional, havia decidido demitir-se de uma conhecida empresa do ramo químico, com sede na Alemanha. A preocupação que ele demonstrara ao reunir-se pela primeira vez com os futuros companheiros da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a AGAPAN, em agosto de 1970, com relação à fábrica de celulose que então se instalava às margens do rio Guaíba, próximo a Porto Alegre, mostrou-se plenamente justificada. Ao entrar em operação, a Borregaard, de capital norueguês, em pouco tempo tornou-se uma espécie de “inimigo público número um”.

“Eles vieram para cá achando que estavam indo para o fim do mundo, e esse foi o seu grande erro”, constataria o professor Flávio Lewgoy, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, químico e geneticista que aderiu à AGAPAN.

Ironicamente, os despejos malcheirosos da Borregaard vieram a constituir o fermento que fez crescer a massa ambientalista. Seria difícil pensar em alguma campanha prédeliberada que rendesse tamanha exposição na mídia a um movimento emergente.

No fim de 1973, o secretário da Saúde do Estado foi pessoalmente interditar a fábrica, a partir de então jogada num ciclo de sanções que resultaram na efetivação de controles ambientais e, mais adiante, na nacionalização da empresa, que passou a se chamar Riocell.
Dez anos depois, 1983, a Riocell viria a convidar ambientalistas e imprensa a conhecerem o “sistema não convencional de branqueamento de celulose” que estava inaugurando. Poucos ecologistas acompanharam essa visita, mas Flávio Lewgoy e José Lutzenberger estavam lá. Mesmo depois que o cheiro desapareceu e o caso deixou de ser notícia, Lutzenberger mantivera a Riocell sob sua mira implacável. Ele continuou a criticar os processos da fábrica, lembrava o perigo do uso de cloro e não permitia que caíssem no esquecimento as toneladas de resíduos que, todavia iam parar no rio. Ele e Lewgoy não perderiam, portanto, a oportunidade de ver a toca do monstro por dentro. Acompanharam a comitiva de cerca de cinqüenta pessoas no giro pela nova planta, ouvindo as explicações dos técnicos e do diretor-superintendente da empresa, que havia investido 250 milhões de dólares na proposta de ser o oposto do que fora a Borregaard. Abrindo e demonstrando os seus processos e a nova estação de tratamento de efluentes, garantiram que a Riocell estava habilitada a produzir celulose branqueada – a parte final do processo produtivo, que antes se realizava no exterior – adotando a mais moderna tecnologia conhecida para evitar danos ambientais.
Os dois ecologistas mantiveram-se cautelosos nas declarações à imprensa, mas sentiam-se de certo modo gratificados, pois tinham sido líderes de um movimento que produzira uma notável mudança de atitude. A Borregaard não tivera a mínima preocupação com o ambiente e se colocara numa posição desrespeitosa para com a comunidade, enquanto a Riocell demonstrava querer aproximar-se do moderno conceito de produção em ciclos fechados, que interpreta como “desperdício” a liberação de resíduos no ambiente, e reconhecia que devia explicações à população sobre os aspectos pelos quais esta era afetada.
Lutzenberger aproveitou a oportunidade para deter-se na estação de tratamento de efluentes, cismando sobre que tipo de resíduo químico estaria presente no enorme volume de lodo de celulose que ali se depositava. Se esse lodo fosse analisado, seria possível determinar até que ponto os processos internos da fábrica estavam realmente conseguindo evitar a liberação de poluentes no rio. Ele solicitou, e a empresa lhe franqueou, acesso à estação de tratamento, onde o ecólogo e ecologista nos próximos três anos passaria a coletar amostras para pesquisa, por sua conta e às suas expensas. Teve início assim um trabalho de investigação, naquele tempo inédito, sem paralelo conhecido em atividade industrial do gênero.
Em uma de suas visitas para coleta de amostras, ainda em 1983, Lutzenberger manifestou sua desaprovação ao modo como estava sendo feito o plantio de árvores na área de aterro do entorno da estação de efluentes. Ofereceu-se para passar à equipe encarregada noções sobre como criar um bosque. Aliás, se desejavam criar um parque no local, por que não faziam logo um trabalho decente de paisagismo e reconstrução ecológica?




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