DegustacaoInsetos TERRAMÉRICA   Barreiras ao mercado de insetos
O curso “Investigando a biodiversidade: presente e futuro”, organizado em maio pela Universidade de Alicante, terminou com uma degustação de vermes e aracnídeos. Foto: Cortesia Universidade de Alicante/Jesús Ordoñez
A venda e o consumo de insetos, que segundo a FAO ajudará a combater a fome no mundo, carecem de regulamentação na Espanha e na maioria dos demais países da Europa.
Málaga, Espanha, 1º de julho de 2013 (Terramérica).- Um galpão de 280 metros quadrados em Coín, município da província espanhola de Málaga, abriga uma granja que cria insetos para consumo humano e para elaboração de farinha para animais. Uma atividade que, apesar do apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), enfrenta travas para seu desenvolvimento.
“Desidratamos grilos e gafanhotos, e os convertemos em uma farinha que conserva quase todas as suas proteínas e qualidades nutricionais, para agregar a bolachas, cereais ou barras energéticas”, disse ao Terramérica a francesa Laetitia Giroud, encarregada do desenvolvimento de vendas e produto da Insagri, empresa promotora da granja.
Na granja de Coín, que conta com um controle de qualidade para cada tipo de inseto, se reproduzem milhares de larvas de mosca-soldado e vermes da farinha para a indústria da alimentação de répteis, gado e peixes. Os gafanhotos e grilos processados se destinam ao consumo humano. “Os vermes da farinha também podem ser comidos, desidratados como chips com um pouco de sal, e são um excelente tira-gosto”, disse Giroud.
A Insagri, que começará a comercializar seus produtos em agosto, já conta com restaurantes como clientes para sua farinha de insetos na Grã-Bretanha, França e Bélgica, onde também há interesse de empresas especializadas em produção de molho de tomate e outros. Isto porque esses três países mais a Holanda são os únicos da Europa que contam com a regulamentação correspondente para “a comercialização de insetos para a alimentação humana”, explicou Eduardo Galante, presidente da Sociedade Espanhola de Entomologia e diretor do Centro Ibero-Americano da Biodiversidade da Universidade de Alicante, no sudeste da Espanha.
Na Espanha, onde a Insagri visa o mercado da alimentação de gado, cães e gatos, existe “um vazio legal que permite que se coma insetos em restaurantes (que compram de fornecedores estrangeiros), mas não autoriza sua venda direta para consumo”, apontou Galante ao Terramérica. Este especialista recordou como em 2008 as autoridades sanitárias vetaram uma loja de insetos comestíveis no Mercado de La Boquería, em Barcelona.
Essas travas vão na contramão da recomendação da FAO de apelar a insetos e derivados para combater a fome no mundo. Em seu informe, divulgado no dia 13 de maio, Edible Insects: Future Prospects for Food and Feed Security (Insetos Comestíveis: Perspectivas de Futuro para a Segurança Alimentar e Alimentação), aconselha seu consumo pelo grande valor “nutritivo”, determinado por “seu alto conteúdo de proteínas, vitaminas, fibras e minerais”.
Segundo Giroud, além da falta de regulamentação, existe uma “barreira cultural” à ingestão de insetos, uma prática que ocorre mais em alguns países da América Latina, África e Ásia. “É repugnante comer insetos”, disse ao Terramérica Marisa, de Málaga, mãe de uma menina de oito anos, embora considere “interessante” a ideia de consumi-los processados em forma de farinha, “porque pelo menos não os vemos”, argumentou.
A FAO calcula que estes animais fazem parte da dieta de pelo menos dois bilhões de pessoas no mundo e que há mais de 1.900 espécies comestíveis. Entre as mais consumidas estão besouros, lagartas, abelhas, vespas, formigas, gafanhotos e grilos. O sul espanhol reúne “condições climáticas adequadas para a criação de insetos, que precisam de temperaturas entre 28 e 35 graus”, pontuou Giroud, ressaltando que é uma produção “mais barata e ecológica” do que a pecuária, por sua maior concentração de proteínas em menos espaço, com uma alimentação mais sustentável e que requer menos água.
“Para obter um quilo de proteína bovina são necessários 13 quilos de verduras, já para conseguir a mesma quantidade de proteínas dos grilos precisamos de apenas 1,5 quilo de vegetais”, afirmou a representante da Insagri, destacando que a empresa “é a única na Europa que usa alimentação ecológica para os insetos”. Por exemplo, nutre vermes com uma farinha ecológica entregue por um fornecedor próximo. Giroud acrescentou que “os insetos são mais saudáveis porque seu consumo implica um risco mínimo de transmissão de doenças”, atribuindo isso à sua morfologia diferente, pois são de sangue frio, ao contrário de bovinos e suínos.
O conceito de criação de insetos em grande escala para consumo humano é relativamente novo, embora haja exemplos de granjas de grilos no Laos, Vietnã e Tailândia, afirma a FAO em seu estudo, que despertou opiniões contrárias. “A proposta da FAO, de combater a fome no mundo com a ingestão de insetos, não ataca a raiz do problema”, afirmou Esther Vivas, pesquisadora em políticas alimentares e agrícolas, convencida de que a questão “não é encontrar novos insumos, mas abordar as causas da fome”.
Vivas, licenciada em jornalismo, com mestrado em sociologia e integrante do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, afirmou ao Terramérica que se deve “tornar mais acessível a comida para a população mundial, porque existe produção suficiente para alimentá-la”. Dados da FAO indicam que a cada dia se produz comida para 12 bilhões de pessoas, quando no planeta habitam sete bilhões.
Entretanto, esta agência da Organização das Nações Unidas (ONU) indica, em seu informe, que a sobrepesca, a mudança climática e os decrescentes recursos de água constituirão um desafio à produção de alimentos para os nove bilhões de habitantes da Terra em 2050. “Precisamente, é nestes tempos de crise, quando é necessário o consumo responsável e o cuidado com o meio ambiente, que fica mais fácil romper as barreiras culturais do consumo de insetos”, destacou Giroud.
“Estes são a melhor alternativa para encarar a mudança de dieta”, acrescentou a empresária, que embarcou com o também francês Julien Foucher neste projeto, cujo investimento inicial foi de 24 mil euros (US$ 31.494), dos quais cinco mil euros (US$ 6.561) entregues pela organização sem fins lucrativos Valle del Guadalhorce Grupo de Desenvolvimento Rural, que gerencia o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader).
“Nós comemos crustáceos e os insetos são um grupo aparentado com eles. Comemos camarões, que são parecidos com os gafanhotos, além de mexilhões, polvos e caracóis”, detalhou Galante. Este entomologista espanhol observou que há insetos que estão presentes há muito tempo em nossa vida cotidiana, talvez sem sabermos, como a cochonilha-do-carmim, um aditivo natural que dá a cor vermelha aos batons, doces e embutidos, e que aparece nos rótulos sob o nome de carmim ou E-120.
Catedrático de zoologia na Universidade de Alicante, Galante assegura que já comeu “todo tipo de inseto, alguns com sabor rico para o paladar”, embora reconheça a grande rejeição que gera na cultura anglo-saxã. Ele também não acredita que seu uso na alimentação humana ajude a acabar com a fome, mas opina que é “um caminho que abre novos mercados”. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.