gafanhotos Insetos entre a moda gastronômica e a fome
Gafanhotos vermelhos à venda no mercado Benito Járez da capital de Oaxaca, México. Foto: Nsaum75 CC BY-SA 3.0
 – A última proposta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de considerar os insetos como parte do cardápio para combater a fome, repercute com especial ênfase na Colômbia e no México, dois países com tradição de entomofagia e grande diversidade biológica. No México há mais de 300 espécies comestíveis destes invertebrados, segundo um estudo publicado este mês pelo Departamento de Entomologia da holandesa Universidade de Wageningen e pela FAO.
Porém, pesquisas nacionais apontam mais de 500 espécies no centro, sul e sudeste deste país megabiodiverso e com persistente pobreza que afeta 47% de seus habitantes. “Os insetos são uma fonte viável e econômica de alimento de qualidade que poderia, inclusive, ser melhor do que alimentos industrializados consumidos atualmente”, disse à IPS a pesquisadora Julieta Ramos-Elorduy, do Instituto de Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México.
Para esta especialista, o México “está preparado para um consumo maciço, mas é preciso educar as pessoas sobre técnicas e formas de comercializá-los. Não há preocupação em protegê-los. Não há medidas oficiais”, disse a pesquisadora, que desde a década de 1970 estuda os benefícios destes bichos de idade milenar e que encontrou 549 espécies comestíveis.
A questão ganha dimensões ambientais, especialmente no Dia Internacional da Diversidade Biológica, comemorado ontem. A ingestão de insetos, ou entomofagia, é uma tradição indígena no México, conforme consta do Código Florentino, escrito por frei Bernardino de Sahagún (1499-1590), que chegou a descobrir o consumo de 96 espécies. Alguns insetos têm até três vezes mais proteínas do que um quilo de carne e apresentam uma concentração de nutrientes superada apenas pelo pescado, segundo a Comissão Nacional para o Conhecimento e Uso da Biodiversidade.
O cardápio mexicano de insetos é composto por percevejos, mariposas, escaravelhos, borboletas, larvas de formigas e moscas, abelhas, vespas e gafanhotos, presentes em quase todo o território. São preparados fritos, assados ou em diferentes tipos de molhos. Nas últimas décadas, vários destes manjares saltaram das cozinhas de famílias rurais e pobres para as mesas de restaurantes da moda. Na cidade de Mitla, perto do sítio arqueológico zapoteco do Estado de Oaxaca, uma pequena empresa usa as mariposas (Hypopta agavis) da planta agave para elaborar um sal picante que acompanha o mescal, bebida alcoólica destilada desse mesmo vegetal.
“Nos baseamos em uma receita caseira. A moagem é feita à mão e usamos uma misturadora manual. Também empacotamos à mão”, disse à IPS a gerente comercial da firma Gran Mitla, Diana Coronal, que produz 300 quilos desse sal por mês. Um quilo exige 300 gramas de mariposas moídas, outros 300 de chili seco e 400 gramas de sal. As mariposas, recolhidas entre agosto e outubro, são congeladas para abastecer a produção, pois entre novembro e maio está proibida sua coleta em todo o país.
A publicação da FAO indica que mais de 1.900 espécies fazem parte de dietas tradicionais de pelo menos dois bilhões de pessoas em todo o mundo. Os preferidos são escaravelhos, lagartas, vespas, formigas, gafanhotos e grilos. A coleta e criação de insetos podem gerar empregos e renda e têm potencial industrial, segundo os autores do estudo.
“Isso pode ser conseguido se os insetos forem cultivados e comercializados em grandes quantidades. Mas os produtores devem ser conscientes de que estão perdendo recursos”, disse Ramos-Elorduy, que pesquisa a produtividade de espécies de insetos do milho e da abóbora e formas para aumentá-la. “A técnica de coleta é a mesma em todas as partes, mas não há legislação sobre técnicas adequadas. As pessoas as desconhecem. Além disso, paga-se muito pouco”, lamentou a pesquisadora.
Em um estudo, Ramos-Elorduy, Andrés Juárez e José Manuel Pino alertam que “este valioso recurso gastronômico, devido a diversos problemas ambientais e socioeconômicos, corre o risco de desaparecer”. O trabalho, publicado em dezembro, conclui que “o impacto ambiental, a mudança cultural e o uso da terra fazem com que o consumo de insetos diminua, principalmente entre os grupos de jovens”.
A gerente Coronal concorda que devem ser adotadas normas para proteger estas espécies. “São necessárias regulamentações sobre coleta e comercialização. É parte da gastronomia mexicana e é preciso cuidar desse recurso”, afirmou. Por esse motivo, muitos coletores evitam falar sobre como e onde pegam insetos. O documento da FAO recomenda infraestrutura automatizada e marcos regulatórios para uma produção estável, confiável e segura. Além disso, insiste na possibilidade de que a biomassa de insetos seja usada como matéria-prima da alimentação animal.
Na Colômbia, um manjar que pode ser comprado facilmente é a crocante formiga saúva cabeça de vidro (Atta laevigata), tostada e salgada. A origem deste e de outros pratos também é indígena. Contudo, “entrar na floresta para grandes coletas de insetos é muito delicado, porque estes ficam em áreas de vida silvestre”, afirmou à IPS o biólogo colombiano e planejador regional, Jaime Bernal Hadad.
A Colômbia tem uma pobreza que afeta 32,7% da população e é o segundo país mais megabiodiverso do mundo, depois do Brasil. “Nos ecossistemas tropicais, embora haja grande diversidade de espécies, a quantidade por espécie é pouca. Com grandes coletas pode-se extinguir espécies ou gerar desequilíbrio ambiental”, alertou Hadad. “Os besouros nas árvores caídas das florestas contribuem para sua decomposição e para o equilíbrio dessas matas. As vespas e abelhas têm um papel importante na polinização”, explicou Hadad.
E, “embora haja grupos indígenas que consomem esses insetos, que são apetitosos, são grupos minoritários que não chegam a causar problema”, acrescentou Hadad. Para o biólogo, criar insetos “é uma opção interessante, mas entram em jogo outros fatores, como a questão cultural de aceitação e consumo. Naturalmente que na Europa pode ser considerado exótico, mas, se falarmos de populações marginalizadas na América Latina, a questão é diferente e até surpreendente”.
Na luta contra a fome “não se pode descartar questões mais estruturais”, alertou Hadad. E, além disso, “vale a pena perguntar se a proposta poderia ser controlada ou se será outro meio de impactar a conservação, desta vez não pela pecuária ou pela madeira, mas pelos insetos”, argumentou. “Assim, continuaremos reproduzindo a destruição dos sistemas naturais, sem soluções reais”, ressaltou. Envolverde/IPS
* Com a colaboração de Helda Martínez (Bogotá).
(IPS)