“Vai chegar o momento que talvez eu pegue o ônibus ou o metrô e tenha alguém lendo um relatório de sustentabilidade”. Este é o sonho de Glaucia Terreo, representante da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil.
A prática de produzir relatórios de sustentabilidade vem ganhando espaço no Brasil e no mundo, com um crescimento expressivo na última década, e as grandes corporações estão entre as principais adeptas desta ferramenta de comunicação. Elas utilizam os relatórios para informar seus clientes, investidores e demais stakeholders sobre os desempenhos econômico, social e ambiental da empresa.
Para garantir que as informações sejam seguras e que sigam determinados critérios, foram criadas algumas metodologias. A principal delas foi desenvolvida pela Global Reporting Initiative (GRI) e é composta de indicadores e diretrizes que norteiam a elaboração do relatório e garantem transparência ao seu resultado final.
Neste entrevista concedida à repórter da Envolverde, Alice Marcondes, a representante da GRI no Brasil, Gláucia Terreo, fala do panorama atual e da evolução da prática de relatar.
Confira a íntegra da conversa.
Como surgiu dentro das empresas a prática de produzir relatórios de sustentabilidade? Eles são uma evolução dos relatórios de responsabilidade social?
Eu não costumo definir assim. O que aconteceu aqui no Brasil foi que, na Eco 92, foram apontados alguns princípios, inclusive a criação de ferramentas para que as empresas conseguissem incorporar a questão da sustentabilidade, ou pelo menos a perspectiva ambiental, na gestão. Isso incentivou as pessoas a discutirem maneiras de incluir a sustentabilidade nos negócios. Em 1997, Betinho criou a metodologia do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), que era bastante simples, mas também interessante. Era um sistema que tinha como base uma tabela, que abordava muitos pontos que hoje em dia são as bases do que nós chamamos de sustentabilidade. Com isso, aqui no Brasil, algumas empresas começaram a fazer relatórios a partir da metodologia do Ibase.
No contexto internacional, a discussão começou em Boston, quando alguns ativistas ambientais, que atuavam também na área de finanças, começaram a buscar caminhos para incorporar a questão da sustentabilidade em seus investimentos. Eles queriam conseguir analisar, além dos resultados econômicos, também as questões ambientais e sociais. Esse conflito começou quando houve acidentes com empresas petrolíferas. Eles não queriam compactuar com esses acidentes. As bases deles eram os relatórios financeiros, mas eles queriam mais do que isso. Assim surgiu a ideia de inserir as outras dimensões nesse relatório, para que a empresa pudesse então incorporar na sua gestão as questões de sustentabilidade. Algumas grandes corporações, principalmente as de maior impacto, começaram a desenvolver metodologias próprias de relatórios. Em paralelo, vinha nascendo a semente da GRI (Global Reporting Initiative), que surgiu em 1997 e em 2002 se estabeleceu em Amsterdam com sede própria.
No Brasil, a Natura foi a primeira a produzir relatório utilizando a metodologia GRI. Essa ainda era a versão G1 da metodologia. Desde então, foram empreendidas melhorias. Foi lançada a G2, e em 2006 surgiu a G3, que foi quando realmente houve um crescimento expressivo na utilização da metodologia no Brasil.
Qual a versão utilizada atualmente?
A gente está ainda na versão G3. A G4 está sendo elaborada e deve ser lançada em breve.
O que mudou na G3 para que houvesse esse crescimento?
A linguagem é mais amigável do que nas versões anteriores. É mais enxuta, mas com uma quantidade maior de explicações. Cada indicador vem com uma espécie de receita para trabalhar. Além disso, ela foi traduzida para o português. As anteriores foram lançadas somente em inglês.
Na sua opinião, o GRI, além de ser uma metodologia para relatar, é também um termômetro que mede onde a empresa está bem e em que setores precisa melhorar?
Eu acho que realmente isso acontece. Uma empresa ter um relatório de sustentabilidade não significa que ela é sustentável. Significa que ela está tentando fazer algo, algumas em um nível mais avançado, outras não. Porém, quando uma empresa faz o relatório, isso quer dizer, no mínimo, que existe um interesse da gestão em incorporar a questão da sustentabilidade.
É possível enxergar a evolução da empresa de um relatório para outro. Em alguns casos, o primeiro relatório só citava coisas boas, relatava praticamente só os projetos sociais. Os relatórios seguintes já começam a abordar temas relativos ao negócio da empresa, mais inerentes à gestão. Por exemplo, uma empresa do ramo da alimentação, que no primeiro relatório só contava sobre projetos sociais, hoje fala de transgênicos, do uso do solo, da valorização da cadeia produtiva, da cadeia de fornecedores. Isto demonstra uma evolução do conceito dentro da empresa.
Costumo dizer que o ótimo é inimigo do bom. Em minha opinião, o importante é começar, dar o primeiro passo. A evolução vem naturalmente.
Quais são os entraves existentes no Brasil para as empresas que querem produzir o relatório de sustentabilidade?
O principal, eu acho que é o desconhecimento da função do relatório. Muita gente, principalmente pessoas de decisão dentro das instituições, confunde com propaganda. Esta visão está evoluindo, mas ainda precisa chegar lá em cima, nas lideranças. Pensando nisso, a GRI certificou algumas organizações no Brasil para ensinar sobre relatório.
Qual o primeiro passo na construção de um relatório de sustentabilidade?
Existem perguntas que são básicas para a produção do relatório de sustentabilidade. Porém, são perguntas que nem sempre a empresa fica feliz em responder. A primeira é qual é o negócio da empresa e quais são as estratégias para os próximos anos. A segunda é quais são os impactos positivos que o negócio e as estratégias estão gerando. Quando a empresa responde esta segunda pergunta, ela já é obrigada a avaliar o modo como ela gerencia seus impactos negativos, como é possível minimizá-los. Uma empresa que trabalha em prol do desenvolvimento sustentável busca sempre crescer minimizando impactos negativos e potencializando os positivos. Se a empresa ainda não fez o exercício de medir esses impactos, o relatório vem para ajudar. A pessoa que fica responsável por fazer o relatório mergulha em todos os cantos da empresa, ela passa a conhecer todos os setores pelo menos um pouco.
Em sua opinião, os principais gestores, como os presidentes das empresas, deveriam ter uma participação mais ativa na construção dos relatórios de sustentabilidade?
O relatório tem muitas fases. O presidente precisa sempre estar observando lá de cima. Frequentemente as empresas cometem um erro grave, que é achar que o relatório é só de uma área, como sustentabilidade, ou recursos humanos, quando, na verdade, ele é da empresa como um todo, por isto a gestão tem que ser multidisciplinar. É preciso saber aonde a empresa quer chegar, quais os objetivos que ela quer atingir com o relatório. Ela pode querer prestar contas para clientes, atrair investidores, são muitos ideais possíveis.
Os relatórios de sustentabilidade ainda estão muito restritos no sentido de que se dirigem apenas aos stakeholders da empresa. Você acredita que eles podem se tornar uma ferramenta de comunicação com o público em geral?
Acredito que esse é um grande desafio aqui no Brasil. As pessoas não perguntam. Além disso, o brasileiro não gosta muito de ler. Eu acho importante, mas antes é preciso haver uma mudança cultural. Os relatórios precisam também ter uma linguagem mais amigável. Muitos deles são chatos. Conseguir atingir esse grande público seria um avanço enorme na discussão da sustentabilidade. Sou otimista, acredito que ainda vai chegar o momento que talvez eu pegue o ônibus ou o metrô e tenha alguém lendo um relatório de sustentabilidade. (Envolverde)
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FONTE : (Agência Envolverde)