São 6 horas da manhã em Extrema (MG), cidade de 32 mil habitantes do sul do estado, à beira da rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte. Independentemente de sol ou de chuva, é nesse horário que a equipe de 30 pessoas da Secretaria de Meio Ambiente do município parte para um dos maiores desafios da atual realidade: preservar o ouro azul do planeta.
Munidos de enxadas, mudas e mourões, os soldados verdes marcham para mais uma batalha diária a fim de manter preservadas as milhares de nascentes da região, cujas águas, desembocadas no caudaloso rio Jaguari, ajudam a formar o principal veio que alimenta o Sistema Cantareira, um dos maiores do mundo, o qual sustenta 55% da região metropolitana de São Paulo.
A equipe sobe cedo as ribanceiras da serra e trabalha nas nascentes mapeadas e controladas por outros quatro funcionários da Prefeitura. E o que eles fazem? Basicamente plantam árvores nativas e fincam cercas em volta dos mananciais e dos cursos d’água. Este é o projeto Conservador das Águas.
A ideia é tão simples e antiga quanto ambiciosa: restaurar ou preservar as matas que circundam as nascentes, cabeceiras e aquíferos, ajudando assim a estocar os líquidos na própria natureza, formando bolsões freáticos que irão liberar água na medida das necessidades.
Até o final da jornada diária, às 16h, a equipe terá cumprido a meta de levar ao solo entre 800 e mil mudas. Quase todas as árvores são plantadas em propriedades privadas. Os produtores, por sua vez, ao abrirem mão de uma área que poderia ser explorada com pastagens ou agricultura, recebem dinheiro da Prefeitura como compensação pelos serviços ambientais prestados.
O programa é pioneiro na regulação e aplicação efetiva do chamado Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), conceito surgido em 1990, na França, inicialmente para preservar a qualidade da fonte da água mineral Perrier.
“A ideia subjacente é: se pelo princípio do usuário-pagador, os usuários de água devem pagar pelo seu uso, pelo mesmo princípio, visto agora do lado dos produtores de serviços ambientais como provedor-recebedor, aqueles que contribuem para melhoria da qualidade da água ou ampliação de sua oferta devem receber por isso, por aportarem benefícios sociais às bacias hidrográficas”, afirma o gerente de Uso Sustentável da Água e do Solo da Agência Nacional de Águas (ANA), Devanir Garcia dos Santos.
O Conservador das Águas é resultado da parceria entre ANA, Prefeitura Municipal de Extrema (MG), The Nature Conservancy (TNC), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Governo do Estado de Minas Gerais.
Pagamento por serviços ambientais (PSA)
O projeto é pautado pelo princípio do “Pagamento por Serviços Ambientais” (PSA), no qual o proprietário das terras em que se localizam mananciais de abastecimento recebe um pagamento pela preservação do local, se tornando um “produtor de água”.
“A utilização do PSA como ferramenta para a adequação hidro ambiental das propriedades rurais no Brasil iniciou-se em 2001 com os estudos da Agência Nacional de Águas”, afirma o gerente de Uso Sustentável da Água e do Solo da ANA.
Recebe pelo serviço ambiental aquele que recupera e protege áreas próximas a nascentes e cursos d’água, de acordo com a extensão da área preservada, cujo valor total está relacionado à recuperação do solo, à cobertura vegetal e ao saneamento ambiental. As fontes dos recursos são: “cobrança pelo uso da água”, convênios com entidades públicas e outras instituições e o plano plurianual do município.
O acompanhamento dos resultados indiretos do projeto se dá pelo diagnóstico e monitoramento das características bióticas e abióticas (meio biótico, sub-bacias, perfis topográficos, cobertura vegetal, saneamento ambiental, conservação do solo) presentes do território. Já houve a implantação de microcorredores ecológicos, redução da poluição, pela redução dos processos erosivos e pela promoção do saneamento ambiental, e a proteção dos recursos hídricos.
Reconhecimento
O projeto Conservador das Águas é considerado pelos especialistas uma iniciativa ambiental audaciosa e a mais bem-sucedida do Brasil no campo da preservação de nascentes e produção de água potável. Por essa razão, já coleciona uma dezena de prêmios – fora menções honrosas, teses acadêmicas, livros e reportagens nacionais e internacionais.
Entre as honrarias mais relevantes, ganhou o Prêmio Caixa de Melhores Práticas em Gestão Local 2011/2012, que conta com o apoio do Ipea, e o prêmio internacional Greenvana Greenbest 2012, na categoria Iniciativas Governamentais.
No ano passado, em meio a 360 projetos concorrentes, sendo 30 do Brasil, o Conservador das Águas recebeu o Prêmio Internacional por Melhores Práticas para a Melhoria das Condições de Vida, concedido pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, o ONU-Habitat, em uma grande festa promovida em Dubai. A iniciativa concorreu ao Prêmio com aproximadamente 400 projetos de todo o mundo, que foram analisados pelo Comitê Técnico do evento.
Resultados
Desde que o programa foi instituído, em 2007, foram plantadas quase 510 mil árvores e restauradas 250 nascentes, em um total de 7,2 mil hectares protegidos por 187,5 mil metros lineares de cercas. Foram investidos R$ 1,6 milhão, beneficiando 161 propriedades rurais pelos serviços de preservação das nascentes. No ano passado, Extrema investiu R$ 632 mil.
“Os resultados alcançados mostram o quanto pode fazer, pela proteção da natureza, a vontade política esclarecida e uma população motivada e cheia de entusiasmo pela construção de um futuro ecologicamente mais positivo para todos”, afirmou José Carlos Carvalho, Secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
O projeto buscou associar a educação ambiental às suas ações, para o município e para visitantes, recebendo mais de 500 representantes, de dentro e fora do Brasil, de prefeituras, órgãos dos Estados e da União, Ministério Público, agentes políticos, vereadores, prefeitos, deputados, representantes de ONGs, comitês de bacias e empresários.
Em 2010, Extrema foi classificada como o melhor município em Minas Gerais no quesito Meio Ambiente pela Fundação João Pinheiro, que classifica os 853 municípios do estado.
Atualmente o projeto conta com 150 propriedades, totalizando 7,3 mil hectares e o plantio médio de 700 mudas por dia. O projeto envolve um total de beneficiários de aproximadamente 9 milhões de pessoas na Grande São Paulo, que consomem a água proveniente do Sistema Cantareira
Fontes:
Agência Nacional de Águas
Programa Cidades Sustentáveis
Ipea
Projeto Conservador das Águas
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