Quanto maior a concentração de riqueza e maior a desigualdade dentro dos países, menores são as chances de se alcançar a sustentabilidade mundial. Os mais conceituados ambientalistas já entenderam essa conexão, chegou a vez de nossas sociedades
O que será necessário para salvar o planeta da devastação ambiental? Apenas o poder do povo? Nós certamente vimos isso na véspera da Cúpula do Clima da ONU em Nova York. Quase 400 mil pessoas marcharam pelas ruas de Manhattan. Outras milhões se manifestaram no mesmo dia com mais de 2.600 ações em 162 países.
Ou simplesmente constranger os líderes mundiais a responderem mais seriamente aos desafios da mudança climática? Nós vimos um pouco desse constrangimento na semana passada também. A poeta Kathy Jetnil-Kijiner, das Ilhas Marshall – um dos países-arquipélago mais ameaçados pelas mudanças climáticas –, que ajudou a abrir a reunião da ONU, leu o poema que fez à sua filha de 7 meses, levando alguns líderes mundiais presentes às lágrimas.
Mas isso, infelizmente, não é o bastante para estimular o bom senso de tais líderes. Como aponta artigo da Christian Science Monitor, a Cúpula deixou a comunidade internacional “sem uma estratégia ampla para combater a mudança climática”, apenas com a esperança de que, talvez, a próxima reunião “possa estabelecer um plano que poderia, lenta e eventualmente, reverter a crescente emissão global de carbonos”.
As pessoas têm alimentado tais esperanças há muito tempo, como o colunista George Monbiot observou, desde que os líderes mundiais se reuniram pela primeira vez em cúpulas ambientais, em 1992. “Essas reuniões falharam pela mesma razão que os bancos falharam”, explica Monbiot. “Os sistemas políticos, que deveriam representar a todos, agora têm governos para os milionários, financiados para agir em nome dos bilionários.”
Esperar que tais governos protejam a biosfera faz tanto sentido quanto “esperar que um leão viva de comida vegetariana”, compara Monbiot.
Por que deveria ser esse o caso? Ao longo das décadas recentes, analistas e ativistas fizeram todo o tipo de ligaçõesentre a crescente degradação do meio-ambiente no mundo e o aumento da concentração da riqueza mundial.
Os super-ricos, para começar, deixoaram um enorme rastro de carbono no planeta. O maior símbolo desse “pisoteamento”? Provavelmente seus jatos particulares.
Esses brinquedinhos superpoderosos da elite global emitem seis vezes mais carbonos por passageiro do que os aviões comerciais comuns. Entre 1970 e 2006, o número de aviões particulares cresceu dez vezes mais no mundo inteiro. Os super-ricos não apenas consumem em níveis que tornam insignificante o consumo dos “meros mortais”, seus gastos devassos estimulam um consumo infinito que se estende por todas as classes econômicas.
“Grandes abismos de renda”, como Rob Dietz e Dan O´Neill apontam seu livro Enough is Enough (algo como “já deu”, traduzindo livremente), “levam a um nada saudável status de competição e consumo de materiais e energia, além do que é necessário para satisfazer as necessidades das pessoas”. Em sociedades mais iguais, os analistas sugerem, a maioria das pessoas pode adquirir as mesmas coisas. Nesse tipo de ambiente, as coisas materiais não significam tanto assim.
Mas as “coisas” se tornaram um poderoso transformador de status social em sociedades desiguais nas quais a maioria das pessoas não tem o mesmo poder de compra. Nessas sociedades, ou você acumula mais e mais coisas ou se encontra rotulado como um fracassado.
Como conseguimos reverter esse ciclo de consumo infinito? Nós podemos superar “o status de competição destrutiva, tanto socialmente, quanto ambientalmente, se trabalharmos para estender a democracia para a esfera econômica”. Pelo menos é o que afirmam os cientistas sociais Richard Wilkinson e Kate Pickett, em seu recente A Convenient Truth (Uma verdade conveniente). Empresas com representantes dos trabalhadores em sua junta de diretores, companhias com funcionários- proprietários e cooperativas “geralmente têm uma diferença de salários bem pequena entre eles”, apontam Wilkinson e Pickett, autores também do best-seller “O Nível Espiritual: Porque sociedades mais igualitárias quase sempre vão melhor”. Nós também precisamos trabalhar juntos, sugere a socióloga Juliet Schor, para começarmos criar uma “comunidade que sustente nossas necessidades básicas”, através de, por exemplo, serviços de propriedade pública como energia para as casas a um preço razoavelmente sustentável.
Tudo isso funcionando ao mesmo tempo não será fácil. As pessoas, em algum ponto, terão que confiar uma nas outras, aponta Bill Kerry, do Equality Trust, no Reino Unido. De acordo com uma pesquisa da instituição, quanto mais desigual é uma sociedade, mais desconfiança é gerada dentro dela. Assim como as menos democráticas. Em países onde a renda e a riqueza são mais concentradas, os ricos podem usar de seu poder político gritantemente desproporcional para evitar as reformas ambientais que ameaçam suas minas de ouro. Por exemplo, executivos em empresas energéticas podem alterar os limites de emissões de carbonos, que eventualmente ameaçariam os lucros de suas empresas, assim com benefícios pessoais.
Esses executivos estão agora usando “seus consideráveis poderes político e financeiro”, aponta o ativista veterano Chuck Collins, “para bloquear políticas energéticas sensatas, conseguir subsídios através de impostos, difamar matrizes renováveis e limitar o poder de escolha dos consumidores”.
Os “prósperos” podem usar de sua riqueza para acabar com políticas para recursos naturais que de fato funcionariam. Na Califórnia sofrendo com a seca, por exemplo, os proprietários ricos em Montecito têm “pago 10 vezes mais que o valor da taxa de água” para contornar os limites de uso para a água local. Esses ricos proprietários tem “importado” de caminhão, água de poços particulares em outros locais do estado “em uma tentativa desesperada para salvar seus gramados bem cuidados e a topiaria decorativa”. Esses caminhões estão destruindo as estradas locais.
Outros prósperos de Montecito estão correndo para cavar poços em suas propriedades – cerca de 100 mil dólares por cada – que poderiam eventualmente secar os aquíferos locais. “Se o mundo não encontrar uma maneira coletiva de coibir emissões por esses ‘gastões’ entre países ricos, assim como os ricos nesses países, nós iremos pagar pelo alívio que os pobres entre nós não poderão arcar”, afirma o analista político Jim Tankersley.
As lutas contra a degradação ambiental e por uma sociedade mais igualitária precisam, em resumo, andar de mãos dadas. Um planeta profundamente desigual não pode nunca ser sustentável. A cidade “mais verde” do mundo, Oslo, não está por acaso em um dos países mais igualitários do planeta, a Noruega.
Ativistas ambientais estão cada vez mais compreendendo essa conexão. Espalhar essa consciência – e agir em cima dela – se tornou agora nosso maior desafio. Nós podemos resolver tanto os problemas ambientais como os sociais, mas “apenas se enxergamos ambas as lutas como apenas uma”.
* Tradução: Vinicius Gomes.
** Publicado originalmente pelo Too Much e retirado do site Revista Fórum.
(Revista Fórum)