premio chica2 O tempo se esgota para o desarmamento nuclear
Jayantha Dhanapala. Foto: CC BY-SA 23.0
Nações Unidas, 25/11/2014 – Um mundo livre de armas nucleares pode e deve se concretizar enquanto eu estiver vivo. Isso pode parecer uma declaração audaz e bastante otimista depois de ter dedicado minha vida a trabalhar pela paz e pelo desarmamento.
Porém, consideremos as atuais ameaças globais, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim, que simbolizou o fim da Guerra Fria, e com vistas ao 70º aniversário da Organização das Nações Unidas (ONU), o fórum criado para harmonizar as ações dos 193 Estados membros com mandato pela Carta para manter a paz e a segurança.
Temos o quinto Informe de Avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), que expressa a mensagem ambígua de que o fenômeno é consequência das atividades humanas e que se não for controlado derivará em uma catástrofe.
Temos o problema da desigualdade de renda em todo o mundo. Os 1,2 bilhão de pessoas mais pobres são responsáveis por 1% do consumo, enquanto o milhão mais rico responde por 72%. Isso aumenta a frustração e a tensão, em especial entre os jovens, que constituem 26% da população mundial.
Temos extremismo religioso, racismo e violência bestial do Exército Islâmico, do Boko Haram e outros grupos anárquicos, que desafiam nossas normas sociais civilizadas e os valores compartilhados.
Temos o terrorismo de Estado de Israel, que trava uma guerra desigual contra os palestinos, enquanto ocupam seu território privando-os de terem um Estado e violando o direito internacional.
Temos mais de 50 milhões de deslocados em razão de guerras e violência, 33,3 milhões em seus próprios países e cerca de 16,7 milhões de refugiados, o maior número desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Temos o problema de fome, enfermidades, pobreza e violações de direitos humanos que continuam desfigurando a condição humana.
As armas nucleares poderão dissuadir essas ameaças? Ou, dizendo de outra forma, servirão para resolver esses problemas? Não é mais provável que, em um mundo de abastados e despossuídos, se dê uma crescente proliferação, que inclui atores terroristas não estatais?
A evidência científica mostra que até uma guerra nuclear limitada, se é que algo assim é possível, derivará em uma irreversível mudança climática e na destruição sem precedentes de vidas humanas e da ecologia que a sustenta.
Nós, o povo, temos a “responsabilidade de proteger” o mundo das armas nucleares atômicas, proibindo-as mediante uma Convenção de Armas Nucleares verificável e anulando todas as outras autoproclamadas aplicações de “responsabilidade para proteger”.
Apesar dessas provas esmagadoras, o mundo ainda tem 16.300 ogivas nucleares em mãos de nove países, mas Estados Unidos e Rússia possuem 93% do total, e quatro mil destas estão em posição operacional. A possibilidade de uso por vontade política, ciberataque ou por acidente por parte de um Estado ou de um ator não estatal é mais real do que nós, em nosso casulo de complacência, decidimos reconhecer.
Em tempos de minguantes recursos para o desenvolvimento, destina-se a bagatela de US$ 1,7 trilhão a armas, em geral, e à modernização das atômicas, em particular. Só nos Estados Unidos, e em flagrante contradição com as promessas do presidente Barack Obama, a modernização das armas nucleares custará US$ 355 bilhões nos próximos dez anos.
Um general de visão de futuro e duas vezes presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower (1953-1961), alertou há 50 anos sobre a influência insidiosa do “complexo industrial militar” em seu país. Essa influência, reforçada por um desejo insaciável de lucro, se propagou por todo o mundo, avivando as chamas das guerras, mesmo com a ONU e outros defensores da paz tentando encontrar soluções pacíficas de acordo com sua Carta.
Estou orgulhoso de que a Conferências de Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais, que tenho o privilégio de encabeçar atualmente, esteja há mais de cinco décadas perseguindo a erradicação das armas nucleares com base no Manifesto de Londres, de 1955, assinado por Albert Einstein e Lord Bertrand Russell.
Joseph Rotblat, um dos pais-fundadores da Conferências de Pugwash, que abandonou o Projeto Manhattan como objetante de consciência, dividiu o prêmio Nobel da Paz com a Pugwash em 1995.
A Pugwash não é outra coisa que não um dos movimentos de cidadãos que desde 1945 reclamam a abolição das armas nucleares. Foi a pressão da sociedade civil que por fim possibilitou o Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares e outros significativos êxitos rumo à proscrição total desse armamento. O mundo já conseguiu a proibição de outras duas categorias de armas de destruição em massa, as biológicas e as químicas.
Duas organizações não governamentais, Ican e Pax, rastrearam minuciosamente o dinheiro por trás das armas nucleares e revelaram, em seu informe Don’t Bank on the Bomb (Não Financiem as Bombas), que, desde janeiro de 2011, 411 diferentes bancos, companhias de seguros e fundos de pensão investiram US$ 402 bilhões em 28 países na indústria de armas nucleares. As nações com armas atômicas gastam no total mais de US$ 100 bilhões por ano em suas forças nucleares.
Peço que façam suas próprias contribuições ao desarmamento nuclear unindo-se à campanha de desinvestimento. A débil retórica de Obama em seu célebre discurso de Praga, em abril de 2009, sobre um mundo livre de armas nucleares, tem pouco do que se orgulhar se a sociedade civil não atuar.
Vi o mundo superar muitos obstáculos, o colonialismo, o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, o fim do odioso apartheid na África do Sul, e, por fim, a Guerra Fria.
O desarmamento nuclear também é um objetivo alcançável e não uma miragem, como querem nos fazer crer os Estados nucleares. O êxito de um acordo final pelo programa nuclear do Irã e a próxima Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares em 2015 são oportunidades para evitarmos a proliferação erradicando essas armas.
É preciso felicitar a Inter Press Service (IPS) por seu 50º aniversário. Ao servir a causa do mundo em desenvolvimento, a agência mantém os importantes princípios de igualdade e justiça nas relações internacionais defendendo o fim do intercâmbio desigual em todas as suas formas.
Estou profundamente agradecido pelo prêmio, que honra as organizações com as quais trabalhei em uma longa luta para livrar o mundo das armas mais desumanas e destrutivas já inventadas. Envolverde/IPS
* Este artigo é parte do discurso pronunciado por Jayantha Dhanapala, no dia 17 deste mês, quando recebeu o Prêmio ao Êxito Internacional pelo Desarmamento Nuclear da agência de notícias Inter Press Service (IPS).
(IPS)