Viena, Áustria, 10/12/2014 – Ontem foi encerrada na capital austríaca a conferência sobre o impacto humanitário das armas nucleares. Mas antes a cidade recebeu ativistas de todo o mundo para um fórum da sociedade civil organizado pela Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (Ican).
Uma questão urgente discutida no fórum em Viena, realizado nos dias 6 e 7, foi a demanda judicial que as Ilhas Marshall apresentaram no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em abril deste ano, contra os Estados Unidos e mais oito países que possuem armas nucleares, por causa de mais de 60 testes atômicos realizados no território do pequeno Estado insular entre 1946 e 1958.
As Ilhas Marshall foram escolhidas por estarem em uma região isolada do mundo, mas também porque em seu momento era um Território em Fideicomisso das Ilhas do Pacífico governado pelos Estados Unidos. O país conseguiu a autodeterminação em 1979 e a plena soberania em 1986. Seus habitantes não foram informados sobre os testes nucleares, nem foi pedido seu consentimento, e por muito tempo não se deram conta do dano que sofreram.
As consequências foram graves, entre elas o deslocamento da população de ilhas que sofreram uma radiação severa e que não poderão ser novamente habitadas durante milhares de anos, além de anomalias congênitas e câncer. Os Estados responsáveis discordaram que os testes foram prejudiciais e se negaram a dar o atendimento médico necessário.
Castle Bravo era o nome em código que os Estados Unidos puseram em seu primeiro teste com uma bomba nuclear em 1954, que foi mil vezes mais potente do que a que esse país lançou sobre a cidade de Hiroxima em 1945.
No fórum da Ican, o chanceler das Ilhas Marshall, Tony de Brum, explicou que seu país decidiu levar o caso ao TIJ para tomar partido por um mundo sem armas nucleares. As Ilhas Marshall não buscam a indenização, porque os Estados Unidos já deram milhões de dólares ao território, mas querem que os países se responsabilizem por ações que violam o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e o direito internacional, afirmou.
O TNP, que entrou em vigor em 1970, compromete os Estados que possuem armas nucleares com o desarmamento e o uso pacífico da energia nuclear. Os nove países que atualmente têm arsenais nucleares são China, Coreia do Norte, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Israel, Paquistão e Rússia.
Embora ao fim da Guerra Fria, em 1989, tenha ocorrido certo grau de desarmamento, esses nove países ainda possuem 17 mil armas nucleares e gastam em conjunto US$ 100 bilhões ao ano em sua força nuclear. O caso das Ilhas Marshall, que muitas vezes se equipara à luta bíblica de David contra Golias, recebeu a atenção mundial e o apoio de numerosas organizações, entre elas a Fundação pela Paz na Era Nuclear (NAPF).
“As Ilhas Marshall são um país pequeno, com valentia. Não são um país que será intimidado e nem se dará por vencido. Sabe o que está em jogo com as armas nucleares e está lutando nos tribunais pela sobrevivência da humanidade”, declarou o presidente da NAPF, David Krieger. “Os habitantes das Ilhas Marshall merecem nosso apoio e agradecimento por levarem essa luta ao Tribunal Internacional de Justiça, a mais alta corte do mundo”, acrescentou.
Outra defensora da causa é a Soka Gakkai Internacional (SGI), uma organização budista que defende a paz, a cultura e a educação e tem uma rede de 12 milhões de pessoas em todo o mundo. O movimento juvenil da SGI conseguiu cinco milhões de assinaturas no Japão pedindo um mundo sem armas nucleares. Em 2015, os bombardeios sobre Hiroxima e Nagasaki completarão 70 anos, e será realizada uma conferência de exame do TNP.
No fórum da Ican, Brum exortou os participantes a apoiarem a causa de seu país. “Durante muito tempo, o povo das Ilhas Marshall não tinha uma voz com a força e o volume suficientes para que o mundo ouvisse o que lhes aconteceu e não querem, em absoluto, que isso ocorra com mais ninguém”, destacou.
Quando surgiu a oportunidade de apresentar uma demanda para deter a “loucura das armas nucleares”, as Ilhas Marshall decidiram dar esse passo. “Se não o fizermos, quem o fará? Se não é agora, quando será?”, questiona a demanda.
Brum reconheceu que muitos aconselharam seu país a não tomar essa medida porque seria ridículo e não teria sentido uma nação de 70 mil habitantes enfrentar os países mais poderosos do planeta em um tema tão discutido. “Porém, não há um só cidadão das Ilhas Marshall que não tenha sofrido uma ou outra consequência do período de testes: como experimentamos diretamente os efeitos das armas nucleares sentimos que tínhamos autoridade para fazê-lo”, acrescentou.
A Conferência de Viena sobre o Impacto Humanitário das Armas Nucleares foi a terceira de seu tipo. A primeira aconteceu em Oslo, na Noruega, em março de 2013, e a segunda em Nayarit, no México, em fevereiro de 2014. Envolverde/IPS
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