Falta bom senso e sobra oportunismo político nesta crise que abastecimento de água que atinge a região mais populosa e economicamente importante do Brasil. A Bacia do rio Paraíba do Sul reúne aproximadamente 4 mil grandes usuários de água (indústrias, companhias de abastecimento, agricultores, etc) caprichosamente distribuídos nos 3 estados mais ricos da Federação. A falta de chuvas expôs a falta de planejamento para lidar com situações de crise – algo impedoável na Engenharia e na Hidrologia – agravadas pelo ano eleitoral.
No Brasil, a água das torneiras é a mesma que faz acender a lâmpada da sala. Desde o apagão de 2001 (durante o governo FHC) a palavra “racionamento” está associada a incompetência administrativa, razão pela qual nenhum governo do PSDB ou do PT se empenha em promover o uso racional de água, eficiência energética, ou qualquer outra medida que conspire em favor de uma cidadania consciente dos riscos dessa “aquadependência” extrema. Se algo dá errado – como deu – a culpa é de São Pedro.
Em campanha para a reeleição, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin evita a todo o custo aplicar o racionamento de água ou punir quem desperdiça. Em campanha para a reeleição a presidente Dilma tampouco promove campanhas do gênero, mesmo quando os custos crescentes de produção de energia a partir das térmicas (ligadas para dar cobertura às hidrelétricas que não conseguem operar a plena carga por falta de chuvas) castigam as contas públicas.
Pra complicar a situação, o próprio diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, critica a Política Nacional de Recursos Hídricos por uma lacuna que o impede de agir como gostaria em momentos de crise. Foi o que aconteceu no último capítulo dessa novela (até o momento) na disputa pelas águas de um importante rio da Bacia do Paraíba do Sul.
O reservatório do Jaguari virou notícia depois que o Governo do Estado de São Paulo determinou a redução da vazão para assegurar o abastecimento de água aos 50 mil habitantes do município de Santa Izabel. Segundo o presidente da ANA, “foi uma medida desproporcional. Bastaria mudar o ponto de captação da água no reservatório (num lugar mais produndo) para assegurar o abastecimento da cidade. O reservatório do Jaguari é o que está em melhor situação em São Paulo, com 40% do volume de água preservados. Não precisa reduzir a vazão”, diz Vicente Andreu.
Mas porque a ANA deixou que o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) atuasse em defesa da calibragem mais adequada das águas em uma bacia hidrográfica estratégica para o país? O que explicaria o silêncio – para não dizer a passividade – da ANA em um momento tão importante?
Foi o ONS quem alertou, em nota, “para o colapso no abastecimento de água” em todas as cidades ao longo do Paraíba do Sul nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, e notificou o governo paulista a apresentar até a próxima sexta-feira uma justificativa (embasada tecnicamente) para a redução unilateral da vazão.
Com a palavra, o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas: “A ANA não tem autonomia sobre rios estaduais. O rio Jaguari é estadual. O ONS pode se manifestar porque tem autoridade sobre todas as hidrelétricas do país. Energia é assunto federal”. Perguntamos se não é contraditório que uma agência reguladora federal, que foi criada para assegurar “o uso múltiplo das águas”, não tenha poderes para agir em uma crise dessas proporções. Segundo Vicente Andreu, há um “zona cinza” no texto da Lei justamente na parte que define a “situação dos rios estaduais que contribuem para a vazão dos rios federais. Rio federal (que atravessa mais de um estado da federação) é assunto da ANA. Rio estadual não”.
Lembra um pouco aquela história do mosquito da dengue. Há alguns anos, no auge da epidemia, quando a opinião pública acompanhava estarrecida a multiplicação do número de casos da doença sem que as autoridades dessem a devida resposta no combate ao mosquito transmissor, a grande questão a ser resolvida era: “Mas o mosquisto é federal, estadual ou municipal?”.
A dengue, como se sabe, segue sem controle em algumas regiões do país. Acontecerá o mesmo com a falta d’água?
* André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.
** Publicado originalmente no site Mundo Sustentável.
(Mundo Sustentável)