Roma, Itália, novembro/2014 – Depois de alguns dias durante os quais todos celebraram o acordo histórico entre Estados Unidos e China sobre a redução das emissões de CO2, assinado no dia 12 deste mês, uma ducha muito fria chegou da Índia.
O ministro indiano de Energia, Piyush Goyal, declarou: “Os imperativos de desenvolvimento da Índia não podem ser sacrificados no altar de uma potencial mudança climática futura que demorará muitos anos. O Ocidente terá que reconhecer que nós enfrentamos as necessidades da pobreza”.
Trata-se de um duro golpe para o presidente norte-americano, Barack Obama, que após a assinatura de Pequim no acordo sobre redução de emissões de CO2 (dióxido de carbono) voltou para casa alardeando seu sucesso em estabelecer a política na região asiática.
Porém, mais importante ainda é que a posição de Nova Délhi fornece abundante munição ao Congresso norte-americano, controlado pela oposição republicana, que argumenta que os Estados Unidos não podem participar do controle climático, a menos que outros grandes contaminadores assumam compromissos semelhantes.
Este argumento se referia principalmente à China, que se recusava a qualquer tipo de compromisso até que seu presidente, Xi Jinping, para surpresa de todos, assinou o acordo com Obama.
A Índia é um país contaminador importante. Não chega aos níveis da China, que soma 9.900 toneladas métricas de CO2, contra 6.826 dos Estados Unidos, mas aumenta suas emissões rapidamente.
Goyal anunciou que o uso de carvão nacional na Índia passará dos 565 milhões de toneladas registrados no ano passado para mais de um bilhão de toneladas em 2019, e está entregando concessões para extração de carvão em grande velocidade.
Entretanto, o novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, proclamou que realizará um amplo programa de desenvolvimento de fontes renováveis de energia.
Há um aparente paradoxo no fato de muitos cientistas que integram o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) serem indianos, como seu diretor, Rajendra K. Pachauri, que também é diretor-executivo do Instituto de Recursos Energéticos da Índia.
O último informe do IPCC é muito mais dramático do que os anteriores: afirma de maneira concludente que a mudança climática se deve à ação do homem, e expõe uma extensa revisão sobre os danos que afetarão o setor agrícola, sobretudo em países pobres como a Índia. O documento prevê que ao menos 37 milhões de pessoas serão deslocadas pela elevação do nível dos mares.
Metade dos agricultores indianos depende da água das geleiras do Himalaia, que estão derretendo pelo aquecimento global. As cidades da Índia são as mais contaminadas do mundo, e várias vezes ao ano se supera o pior dia de contaminação na China.
Porém, o mais preocupante é que os governos estão reagindo com extrema lentidão. Seria necessário um grande esforço, que não figura na agenda climática, para impedir que a temperatura global aumente mais do que dois graus centígrados, para depois começar a diminuir as emissões até 2020.
Estima-se que em 2014 as emissões serão as mais altas da história e chegarão a 40 bilhões toneladas, contra 32 bilhões de toneladas em 2010.
Existe consenso de que, para limitar o aquecimento do planeta a não mais do que dois graus centígrados acima do nível pré-industrial, os governos deveriam limitar as emissões adicionais procedentes de combustíveis fósseis a não mais de um trilhão de toneladas de dióxido de carbono.
Mas, segundo a investigação do IPCC, as companhias de energia já programaram reservas de carbono e petróleo que igualam várias vezes essa quantidade e estão investindo cerca de US$ 600 bilhões por ano em novas explorações.
Em contraste, gasta-se menos de US$ 400 bilhões por ano para reduzir as emissões. Essa quantidade é menor do que a renda de uma única corporação petroleira norte-americana, a ExxonMobil.
A última reunião do Grupo dos 20 (G20) países ricos e emergentes, realizada na cidade australiana de Brisbane, nos dias 15 e 16 deste mês, deu ao clima uma atenção inesperada.
Mas as nações do G20 gastam US$ 88 bilhões anuais em subsídios para a exploração de hidrocarbonos, que é o dobro do que investem para esse fim as 20 empresas privadas mais importantes do planeta.
Outro bom exemplo da falta de coerência dos governos ocidentais é que prometeram US$ 10 bilhões para o Fundo Verde para o Clima, cuja tarefa é apoiar os países do Sul em desenvolvimento na mitigação e adaptação à mudança climática.
Essa quantia é apenas dois terços do previsto para a criação do Fundo em 1999, que ainda está longe de ser operacional.
E agora a discussão passa para a 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá nos 12 primeiros dias de dezembro em Lima, onde é previsível que, novamente, os governos serão incapazes de conseguir um acordo satisfatório sobre os problemas climáticos.
Se isso acontecer, diminuirá ainda mais o tempo disponível para a salvação do planeta.
Além da anunciada resistência por parte do Congresso norte-americano, se prevê a oposição de várias nações dependentes dos combustíveis fósseis, como Rússia, Austrália, Índia, Venezuela, Irã, Arábia Saudita e os países do Golfo.
Essas atitudes demonstram a ausência de coerência e de responsabilidade por parte dos governos.
E, quanto à opinião pública, se for feito um referendo perguntando à sociedade se prefere pagar US$ 800 bilhões a menos de impostos, retirando os subsídios contra a contaminação, há pouquíssimas dúvidas de que sairia ganhadora a redução tributária.
O mesmo resultado se obteria se lhe fosse perguntado se prefere gastar esses US$ 800 bilhões em energia limpa ou deixar as coisas como estão.
Uma agravante é que as corporações energéticas e os governos têm uma relação incestuosa, que está fora da vista do público.
Tudo isso prova que, quando estão em jogo a sobrevivência das ilhas, das costas, da agricultura e dos pobres, os governos não são capazes, ou não desejam, ver além de sua existência imediata.
A conclusão é que nossa geração precisa urgente e desesperadamente de uma governança global que seja capaz de enfrentar esse catastrófico tipo de globalização. Envolverde/IPS
* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS) e editor do boletim Other News.
(IPS)