O Senado aprovou nesta terça-feira (8/4) o texto base do novo marco legal da biodiversidade com pontos que passam a atender às reivindicações dos cientistas e dos povos e comunidades tradicionais. Nesse aspecto, a aprovação pode ser vista como um avanço, pois assegurou direitos ameaçados na versão aprovada na Câmara no início deste ano. Mas há ainda uma corrida de obstáculos antes que se possa comemorar. Pendências importantes ficaram para discussão na semana que vem. Depois, o projeto passa novamente pela Câmara – que pode fazer tudo retroceder –, e ainda vai à sanção presidencial.
Ao tramitar pela Câmara dos Deputados, em regime de urgência pedido pelo governo, não houve espaço para a manifestação de representantes dos tradicionais e da comunidade acadêmica – que também não foram consultados quando o projeto estava sendo gestado pelo Ministério do Meio Ambiente. E assim o projeto caminhou.
O texto que saiu da Câmara foi considerado uma afronta a direitos consagrados na Constituição e um descompasso com acordos internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), o Protocolo de Nagoya e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No Senado, o cenário começou a mudar. Embora com apenas um mês para fazer o projeto passar pelas comissões, os senadores foram mais hábeis. Um seminário realizado em Brasília na semana passada a pedido do senador João Capiberibe (PSB/AP) colocou na mesa governo, indústria, comunidades e pesquisadores. “Me senti resgatada como cidadã”, chegou a dizer na ocasião a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader.
Enquanto o seguiam as audiências públicas, o relator do projeto, senador Jorge Viana (PT/AC), costurava ponto a ponto os artigos do novo texto. “Precisamos de uma lei que coloque a biodiversidade como parte da economia, uma economia de baixo carbono e que respeite os aspectos sociais envolvidos”, afirmou Viana. Ao final, o Senado conseguiu refletir e equilibrar um pouco mais os interesses da sociedade, resgatando o processo político que marcou o trâmite da matéria no Congresso Nacional.
Em plenário, os senadores aprovaram significativas melhoras em relação ao texto original. Apesar dos avanços, alguns pontos considerados cruciais ficaram pendentes para votação até a semana que vem. Eles serão analisados separadamente.
É que não houve acordo em temas como o que prevê a repartição obrigatória de benefício apenas quando o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado for um dos elementos principais de agregação de valor do produto final; o que isenta de repartição de benefícios quando o produto acabado resultar de acesso ao patrimônio genético realizado antes de 29 de junho de 2000 e a adoção no texto da expressão “povo indígena”, conceito que engloba aspectos étnicos e culturais.
Entre os pontos aprovados, estão o que determina a consulta aos órgãos de defesa dos direitos de populações indígenas e de comunidades tradicionais, que “deverão” ser ouvidos para definição de acordos de repartição de benefícios.
Pela novo texto, caberá ao poder Executivo decretar uma Lista de Classificação de Repartição de Benefícios, com base na Nomenclatura Comum do Mercosul. Ele também inclui o termo “agricultor familiar” na definição de “agricultor tradicional”.
O Senado definiu ainda que as empresas estrangeiras precisarão estar associadas a instituições nacionais se quiserem acessar o patrimônio genético ou receber amostras para pesquisa.
As unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e áreas prioritárias para a conservação de biodiversidade poderão se beneficiar da repartição de benefícios na modalidade não monetária. O substitutivo deixa a cargo do fabricante do produto oriundo de acesso ao patrimônio genético a indicação do beneficiário da repartição.
Olho no Brasil
Os países megadiversos, que juntos guardam 70% da biodiversidade do planeta, estão de olho no parlamento brasileiro, pois a legislação que vigorar aqui servirá de parâmetro para as demais nações regularem o acesso ao patrimônio genético que detêm. “Poderemos ser uma espécie de farol a esses países na relação com sua biodiversidade, com o respeito e o reconhecimento das populações tradicionais”, lembrou Jorge Viana. Mas para que isso aconteça, será preciso vencer uma corrida com barreiras.
Depois de aprovadas as pendências no Senado, o projeto voltará à apreciação dos deputados, que podem rejeitar os reparos feitos até aqui. E tem ainda o poder de veto da presidente da República.
“Se o processo político retroceder e não incorporar o viés democrático que o projeto de lei adquiriu no Senado, haverá riscos para a sociedade e para o patrimônio, que é de todos e não apenas de um setor da sociedade”, afirmou o Superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Jean François Timmers. (WWF Brasil/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site WWF Brasil.
(WWF Brasil)