Foi uma vitória apertada dos movimentos de defesa dos povos e comunidades tradicionais e entidades socioambientalistas. Com apenas um voto de diferença, ficou mantida durante a sessão plenária desta terça-feira (14) no Senado uma das principais emendas do substitutivo do relator Jorge Viana (PT-AC) ao projeto de lei (02/2015) que define o novo marco legal da biodiversidade.
Trata-se da obrigatoriedade da repartição de benefícios sempre que o produto – um medicamento, por exemplo – resultar de uso de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, mesmo que não esteja entre os principais elementos de agregação de valor do produto final. Essa era a principal demanda dos povos e comunidades tradicionais. O texto original dizia que a repartição de benefício ocorreria somente quando o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional fosse um dos elementos “principais” de agregação de valor.
Ao final, os senadores definiram o pagamento de 1% da receita líquida anual obtida com a venda do produto acabado, com possibilidade de redução para até 0,1%, por acordos setoriais com o governo. Essa compensação também pode ser não monetária, na forma de transferência de tecnologia, quebra de patentes ou distribuição de produtos.
A repartição de benefícios simplesmente estava fora do texto que veio do Executivo e que passou pela Câmara dos Deputados no início deste ano. Foi graças sobretudo ao trabalho dos senadores João Capiberibe (PSB/AP), autor do projeto do Senado e Jorge Viana, relator da matéria, que as forças sociais se equilibraram um pouco mais no debate e na expressão textual da lei.
Foi apenas no Senado que as comunidades e povos tradicionais puderam se manifestar e defender seus direitos – muito embora tais direitos já estivessem previstos tanto na Constituição Federal quanto nos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, como a Convenção da Diversidade Biológica – CDB/ONU.
Na casa, houve também condições de a comunidade científica defender e garantir no texto da lei avanços como a obrigação de que instituições de pesquisa estrangeiras só poderem acessar a biodiversidade brasileira para fins de pesquisa se mantiverem em seus projetos a paridade com instituições nacionais. Isso garante transferência de conhecimento e tecnologia e ajuda a conter a apropriação indevida de genes e conhecimentos nativos.
Durante a votação da matéria, não houve acordo quanto à substituição do termo “populações indígenas” por “povos indígenas”. Por 10 votos de diferença, será mantido o texto original da Câmara, que fala em “populações”.
Os senadores que pediam a mudança argumentavam que a que a alteração para “povos indígenas” é necessária para unificar o texto da nova lei a acordos internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Contradição – Entre os que votaram contra essa emenda no texto, está o senador Aécio Neves (PSDB/MG) que havia indicado, no decorrer da discussão, que era favorável aos “povos indígenas”. O fato causou estranheza nos representantes da sociedade civil e dos indígenas que acompanhavam a votação, pois o senador sempre se mostrou como aliado.
Durante a campanha para presidente da República nas eleições passadas, Aécio comprometeu-se publicamente em defender direitos indígenas. Ao unir-se à então candidata Marina Silva, derrotada no primeiro turno da campanha presidencial, o presidenciável publicou uma carta de compromissos na qual destacou que daria “a merecida atenção aos indígenas, não dada pelo atual governo” e também “às reivindicações dos quilombolas e outras populações tradicionais”.
E mesmo os senadores da base do governo votando favoráveis às demandas dos povos tradicionais não se pode esquecer da construção equivocada desse projeto pelo Executivo. O texto originário da Casa Civil, já chegou ao parlamento com a chancela de regime de urgência, dando pouco tempo para a sociedade discutir o assunto. O texto do governo foi acordado a portas fechadas e teve forte influência da indústria de fármacos e cosméticos.
Outra contradição: Dilma Rousseff, durante a campanha à reeleição, também divulgou uma carta aberta aos indígenas do Brasil. No documento, a presidente destacou que faria “avançar a regulamentação e aplicação dos direitos de consulta livre, prévia e informada, nos termos da Convenção 169 OIT. Não foi o que se viu no trâmite do marco da biodiversidade.
Representantes da sociedade civil avaliam que o regresso do projeto de lei para a Câmara dos Deputados pode representar retrocessos no processo democrático que o Senado conseguiu imprimir à discussão. Ao receber o texto alterado pelos senadores, os deputados poderão aceita-lo ou mesmo rejeitá-lo integralmente. (WWF Brasil/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site WWF Brasil.
(WWF Brasil)