Mapeamento constata ameaça a biomas em unidades de conservação
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Mapeamento constata ameaça a biomas em unidades de conservação


Grupo de pesquisa do IG aponta elevado estágio de fragilidade ambiental na Serra da Canastra e na APA Fernão Dias

O geógrafo Marcos César Ferreira e seus orientados Danilo e Cassiano apontam, nos mapas, as áreas em tom de vermelho de duas relevantes unidades de conservação do Cerrado e da Mata Atlântica brasileira. Quanto mais avermelhadas as áreas mapeadas, maior a suscetibilidade a fragilidades ambientais, explicam. Eles também mostram fotografias produzidas durante o trabalho de campo e esclarecem que a combinação entre baixo índice de vegetação, chuvas intensas, declividades elevadas, alta densidade de estradas rurais e presença de fraturas na superfície e nos rios, serve como uma espécie de alerta.
Baseados nestes indicadores, o grupo de pesquisa liderado pelo professor Marcos, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, desenvolveu uma metodologia inédita capaz de gerar um mapeamento da fragilidade ambiental a partir da análise espacial realizada em sistema de informação geográfica. As primeiras aplicações para o método foram feitas na área de proteção ambiental (APA) Fernão Dias e na região do Parque Nacional da Serra da Canastra, ambas localizadas no Estado de Minas Gerais.
“São áreas de conflitos, em que, ao mesmo tempo, há uma necessidade premente de conservação, mas um uso permitido do solo para a agricultura. A nossa proposta é criar um modelo mais preciso, capaz de permitir uma orientação técnica e cartográfica para a ocupação racional de APAs, além da detecção de áreas situadas em parques nacionais que necessitam de recuperação ambiental urgente”, recomenda o docente da Unicamp.
Ele informa que os mapas produzidos pelos pesquisadores Danilo Francisco Trovó Garófalo e Cassiano Gustavo Messias identificaram várias áreas que podem ser classificadas com alto grau de fragilidade ambiental. Danilo Garófalo defendeu recentemente dissertação sobre a APA Fernão Dias e Cassiano Messias está concluindo o mestrado sobre a Serra da Canastra.
“Na APA Fernão Dias constatamos elevado grau de fragilidade, sobretudo em áreas onde há maior concentração de culturas agrícolas, como a bataticultura, as plantações de morango e repolho. Muitas vezes, o cultivo é feito em terrenos com altas declividades e sob risco de sofrer escoamento superficial intenso durante as chuvas volumosas.”
Marcos Ferreira acrescenta que há também pressão turística no local, especialmente no distrito de Monte Verde e nos municípios de Gonçalves e Sapucaí Mirim. “Tem crescido o parcelamento do solo e a formação de pousadas e sítios de lazer em áreas mais naturais, próximo às nascentes de rios importantes como o Jaguari, Camanducaia e Sapucaí Mirim. O corredor da rodovia Fernão Dias, uma área de grande ocupação industrial e urbana, mostra-se também com altas chances de degradação ambiental dentro da APA”, expõe.

Conflito
O Brasil, conforme o docente da Unicamp, conta com 12 categorias de Unidades de Conservação, divididas em dois grupos: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. O Parque Nacional da Serra da Canastra pertence à primeira categoria e a APA Fernão Dias, à segunda. A diferença principal é que as Unidades de Uso Sustentável, como é o caso da APA Fernão Dias, permitem atividades econômicas consorciadas com a proteção ambiental. “Em função de haver essa possibilidade de uso do solo, principalmente o uso agrícola, as APAs se configuram como uma unidade de conservação conflituosa”, contextualiza.

Tal conflito acontece, muitas vezes, por conta de ausência ou má elaboração de planos de manejos, aponta o geógrafo. “Em geral, o que se tem são planos muitos subjetivos e genéricos. Isso gera uma dificuldade de implantação, basicamente pela ausência de documentação técnica específica da cartografia. Ou seja, não há um mapeamento que indique quais áreas seriam mais ou menos frágeis dentro de uma APA.”
Marcos Ferreira assinala que a Serra da Canastra difere-se da APA Fernão Dias por se tratar de um parque nacional, onde não são permitidas áreas particulares. Entretanto, este parque foi criado após intenso período de atividade pecuária, com áreas de risco, localizadas na nascente do rio São Francisco e na área não regularizada, conhecida como Chapadão da Babilônia.
“A Serra da Canastra é uma das principais áreas de preservação do Cerrado brasileiro, bioma que está sob o risco de extinção, sendo, atualmente, um dos mais condenados no país, em razão da expansão agrícola no Centro-Oeste. Existem poucas áreas de Cerrado original, assim como a Caatinga. A topografia relativamente suave e as terras de menor custo, além de outros fatores espaciais, têm possibilitado forte expansão agrícola em direção a estes biomas”, evidencia o geógrafo da Unicamp.
Ademais, salienta, a Serra da Canastra possui também formações vegetais raras no Brasil, como campos de altitude, além de fauna específica do Cerrado, como lobo-guará, tamanduá-bandeira, entre outros. Também está localizada no parque a nascente do rio Araguari, que corta parte do triângulo mineiro. Criada em 1972, esta unidade de conservação se estende por seis municípios mineiros: Delfinópolis, Sacramento, Capitólio, Vargem Bonita, São João Batista do Glória e São Roque de Minas. São cerca de 200 mil hectares de área, dos quais apenas 70 mil estão regulamentados.
A APA Fernão Dias possui, por sua vez, considerável quantidade de fragmentos de Mata Atlântica, em 180 mil hectares de área, abrangendo oito municípios mineiros: Brazópolis, Camanducaia, Extrema, Gonçalves, Itapeva, Paraisópolis, Sapucaí Mirim e Toledo. Criada como compensação ambiental pela duplicação da rodovia BR-381 entre 1995 e 2005, a APA está situada nas nascentes de rios relevantes, como o Jaguari, Camanducaia e Sapucaí-Mirim.
“Na área de proteção estão localizados mananciais responsáveis pela perenidade hídrica dos rios Piracicaba e Sapucaí Mirim, este último uma das principais fontes para o reservatório de Furnas, em Minas Gerais. Já o rio Piracicaba, um dos maiores afluentes do Tietê, é fundamental para o abastecimento do Estado de São Paulo. Além disso, a APA possui fragmentos florestais importantes, sobretudo, nas áreas das nascentes mais elevadas, em Gonçalves, Camanducaia e Sapucaí Mirim. No entanto, ela está perdendo vegetação nativa para a silvicultura, no caso, pinus e eucaliptos”, lamenta o docente.
Cobertura vegetal

Uma das principais vantagens da metodologia aplicada na APA Fernão Dias e na região da Serra da Canastra é a possibilidade de se utilizar imagens de satélites para estimar a quantidade de vegetação na superfície. Muitos processos que originam a degradação ambiental são potencializados a partir da baixa cobertura vegetal do solo.
“Nesta metodologia o mapa já mostra um coeficiente de cobertura vegetal, ou seja, o quanto protegido está o solo. Os métodos convencionais fazem apenas uma classificação qualitativa, identificando, por exemplo, se há ou não florestas, se existem ou não plantações de cana-de-açúcar, laranja, etc. Além disso, a técnica considera as variáveis de transição da cobertura vegetal. Nos métodos convencionais estas transições possuem limites muito rígidos”, compara Marcos Ferreira.
Para o pesquisador Danilo Garófalo, a baixa densidade de cobertura de vegetação pode acelerar os processos erosivos, levando a um empobrecimento do solo e assoreamento de leitos de rios e lagos. “No caso da APA, o mapa de fragilidade aponta para a ocorrência de escorregamentos, processos de ravina, rastejo e a geração de anfiteatros de erosão degradados. Escorregamentos e rastejos são movimentos de massas, e ravinas são feições erosivas lineares”, descreve o estudioso da Unicamp.

Densidade de estradas rurais
A segunda diferença em relação aos processos tradicionais é a quantificação da densidade de estradas rurais. “Os outros métodos não utilizam isso. Levamos em conta que, quanto maior a densidade de estradas na zona rural, maior o escoamento superficial e maior a possibilidade de remoção de solo, de formação de erosão e assoreamento dos rios. Portanto, pelo sistema de informação geográfica e a partir das imagens de satélite, mapeamos a densidade de estradas rurais por quilômetro quadrado”, fundamenta o professor Marcos Ferreira.

Neste ponto, Cassiano Messias exemplifica citando que no mapa de fragilidade da região da Serra da Canastra houve a constatação de alto adensamento de vias de circulação. “A área não regularizada se apresenta bastante frágil: ela tem alto adensamento de estradas e locais de maior declividade. Ocorrem também muitas queimadas. As matas são pouco densas e os lineamentos geológicos seguem o sentido noroeste sudeste, levando à ocorrência de processos erosivos”, detalha.

Precipitações
Outro ponto significativo na metodologia desenvolvida envolve a medição dos índices de precipitações. Segundo o orientador das pesquisas a chuva é um fator indicativo para se entender a fragilidade ambiental, sobretudo a chuva mais intensa, que provoca retirada de material e escoamento superficial.
“Geralmente os métodos convencionais utilizam mapas de chuvas que levam em conta apenas a média anual de precipitações. E isso não significa muita coisa. Em dois anos, por exemplo, pode-se constatar a mesma média anual das chuvas. Só que, em um ano, 60% desta chuva caiu em poucos meses e, no outro ano, ela foi mais bem distribuída ao longo dos meses. O nosso método utiliza a probabilidade de ocorrência de chuvas intensas, baseados em evidências de uma série histórica, ao invés do mapa das chuvas médias.”

Densidade de lineamentos
Conceito específico do campo da geologia, os lineamentos estruturais indicam a presença de fraturas ou falhas geológicas em uma determinada área. São fatores ligados ao tipo de rocha que podem causar processos erosivos e movimentos gravitacionais de massas. Os movimentos de massa são alterações no solo potencializadas pela ação da gravidade, como os deslizamentos em encostas e morros, responsáveis pelos desastres ambientais.

O pesquisador Danilo Garófalo explica que o mapeamento da densidade dos lineamentos, relacionados à rede hidrográfica, é uma técnica que pode ser utilizada para associar à predisposição geológica do terreno à deflagração dos processos erosivos. “Além da densidade, outro fator que consideramos na metodologia é a declividade do terreno. A declividade tem influência decisiva na intensidade da erosão. O aumento da declividade de uma vertente provoca o aumento da velocidade do escoamento superficial e, consequentemente, cresce também a sua capacidade erosiva”, complementa.

Modelos
O mapeamento da fragilidade ambiental foi realizado a partir de modelos de análise geoespacial, usando conceitos da lógica fuzzy, também conhecida como raciocínio aproximado ou difuso. O emprego da técnica fuzzy pode reduzir a propagação de erros através de modelos lógicos, fornecendo informações mais confiáveis, garantem os pesquisadores.
“A utilização desta lógica possibilita a avaliação do espaço como variável contínua e não por meio de limites rígidos. Isso torna a modelagem de dados mais flexível, trazendo maior proximidade aos dados reais observados em campo”, especifica Danilo Garófalo.
Os pesos das variáveis ambientais no modelo (índice de vegetação, probabilidade de chuvas intensas, declividades, densidade de lineamentos e de estradas rurais) foram determinados por meio da aplicação do teste estatístico proposto pelos matemáticos russos Andrey Kolmogorov e Vladimir Ivanovich Smirnov (teste Kolmogorov-Smirnov).

Verdade terrestre
A metodologia foi confrontada com o que os pesquisadores denominaram de “verdade terrestre”, ou seja, a identificação real, no campo, dos processos de degradação apontados pelo estudo. A verificação demostrou que os resultados apresentados pelo mapeamento refletem a realidade vigente.
“Estes mapas podem ser utilizados no prognóstico de situações futuras, inclusive nos planos de manejos das unidades de conservação. Eles mostram, por exemplo, que determinadas áreas devem ser monitoradas e fiscalizadas, a fim de evitar o uso intensivo agrícola e a expansão urbana desordenada”, conclui o professor Marcos Ferreira.
Ele sinaliza que os procedimentos metodológicos apresentados devem contribuir também como instrumentos de planejamento ambiental de bacias hidrográficas e municípios situados em outras áreas de proteção ambiental. As pesquisas foram financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Publicações
Artigos
GARÓFALO, D.F.T.; FERREIRA, M. C. ; FERREIRA, M. F. M. ; MESSIAS, C. G. . Mapeamento da densidade de processos erosivos e de movimentos de massa, a partir de imagens do Google Earth georreferenciadas, utilizando estimador kernel: uma aplicação na APA Fernão Dias (MG). In: IX Simpósio Nacional de Geomorfologia, 2012, Rio de Janeiro. IX Simpósio Nacional de Geomorfologia, 2012.
MESSIAS, C. G. ; FERREIRA, M. C. ; FERREIRA, M. F. M. ; GARÓFALO, D. F. T. . Mapeamento de Processos Erosivos no Parque Nacional da Serra da Canastra, Alta Bacia do São Francisco, a partir de Imagens Google Earth Georreferenciadas e Técnicas de Análise Espacial. In: XV Simpósio Brasileiro de Geografia Física e Aplicada, 2013, Vitória, ES. Anais do XV Simpósio Brasileiro de Geografia Física e Aplicada, 2013.

Dissertação: “Mapeamento de fragilidade ambiental por meio de análise espacial: um exemplo da alta bacia dos rios Piracicaba e Sapucaí Mirim – APA Fernão Dias – MG”
Autor: Danilo Francisco Trovó Garófalo
Orientador: Marcos César Ferreira
Dissertação: “Mapeamento das áreas suscetíveis à fragilidade ambiental na alta bacia do rio São Francisco, Parque Nacional da Serra da Canastra – MG”
Autor: Cassiano Gustavo Messias
Orientador: Marcos César Ferreira
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Financiamento: Fapesp
  • Texto:
    SILVIO ANUNCIAÇÃO
  • Fotos:
    Divulgação
    Antonio Scarpinetti
    Antoninho Perri
  • Edição de Imagens:
    Diana Melo

Matéria no Jornal da Unicamp Nº 581, publicada pelo EcoDebate, 31/10/2013




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