Jovens devem ocupar o mundo todo, e não só as escolas
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Jovens devem ocupar o mundo todo, e não só as escolas


Kailash Sayarthi. Foto: Agência Senado
Kailash Sayarthi. Foto: Agência Senado
O Nobel da Paz, Kailash Satyarthi, divide palco com estudantes que ocuparam escola em São Paulo e pede apoio a nova campanha contra o trabalho infantil
Por Vinícius de Oliveira, do Porvir –
Vencedor do Nobel da Paz em 2014, o indiano Kailash Satyarthi, de 62 anos, disse “tirar o chapéu” para os estudantes que lutaram contra a reorganização escolar planejada e suspensa pelo governo de São Paulo após série de protestos. Sentado no palco com um grupo de alunos da Escola Estadual Fernão Dias, o ativista que há 35 anos abandonou a engenharia para combater o trabalho infantil comparou o movimento com um episódio de sua juventude, quando foi preso e apanhou de policiais por não concordar com a imposição do inglês no currículo escolar. Em seguida, fez uma proposta: “Posso me juntar à luta de vocês? Vocês devem ocupar o mundo todo, e não só as escolas.”
Na palestra promovida pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e realizada no Senac Lapa Scipião, na zona oeste da cidade, Satyarthi pediu que os jovens voltem a se unir, desta vez em torno de uma nova campanha, denominada “Cem milhões por cem milhões”, em que a nova geração se tornaria voz contra a exploração de crianças ao redor do mundo.
Em mais de três décadas de atuação, a Bachpan Bachao Andolan (BBA, Movimento para Salvar a Infância), ONG comandada por Satyarthi, contabiliza o resgate de 84.711 de crianças, muitos deles com a presença do próprio ativista. Dentre essas centenas de milhares de casos, ele lembra um em especial, que mostra como analfabetismo e escravidão, particularmente a infantil, são dois lados de uma mesma moeda.
Logo no início das atividades da BBA, Satyarthi tomou conhecimento da história de homens, mulheres e crianças escravizados em uma fábrica de tijolos. Uma operação secreta para o resgate foi montada durante a noite e o grupo foi levado para Nova Déli (capital do país). Uma menina, que convivia há longo tempo com tuberculose não tratada, acabou morrendo no dia seguinte. Diante da papelada do hospital para liberar o corpo da filha, o pai respondeu ao médico. “Senhor, se pudesse ler alguma coisa, de fazer minha assinatura, minha filha nunca teria morrido”. O analfabetismo também serviria para explicar as razões que levaram a família a viver em situação de extrema vulnerabilidade. O contrato de trabalho profissional, assinado apenas com o polegar direito carimbado, impedia a família deixar o local de onde foram resgatados. “Se pudesse ler e escrever, nunca teria assinado aqueles papéis da mesma forma que não assinei hoje os papéis da morte da minha filha”, disse o pai, segundo relato do ativista.
Episódios como esse fizeram Satyarthi entender que seria impossível eliminar a escravidão sem que a educação se fizesse presente. “A educação é a chave para o futuro, é o direito humano fundamental e que abre a porta para todos outros direitos. Educação pode ajudá-lo a superar a pobreza, pode empoderá-lo, pode trazer justiça social, pode proporcionar equidade de gênero, ajudar a proteger o planeta. Portanto, educação é vital”.
Apesar de a ONU (Organização das Nações Unidas) desde 1990 colocar como meta a educação para todos, Satyarthi mostra números que assombram, mas que ainda assim foram reduzidos graças à Campanha Global pela Educação e pela Marcha Global contra o Trabalho Infantil, duas iniciativas que criadas por ele. Em 2015, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), 168 milhões de crianças estão trabalhando; 89 milhões são mantidas como escravas, na prostituição ou servindo a exércitos; 59 milhões nunca foram à escola, enquanto outras 120 milhões saem dela sem saber o básico. “O número de crianças que nunca foram à escola somado ao daquelas que abandonam os estudos é mais ou menos equivalente ao de crianças trabalhando. Mas há outro ângulo nessa relação triangular, que é a pobreza. Muita gente diz que a pobreza é a razão para a evasão, o analfabetismo ou acesso à educação. O mesmo argumento é usado para o trabalho infantil. Então, não surpreende o fato de 200 milhões de desempregados virem a ser pais de crianças que trabalham”, analisou.
Para virar o jogo, o Nobel da Paz vê a emancipação da sociedade civil como questão crucial. Ao dizer aos jovens da escola Fernão Dias que eles “têm toda a capacidade de lutar e de ganhar”, Satyarthi espera lançar o alicerce do que chama de “maior campanha da história humana” em defesa da educação. “Uma criança enterrada viva na Síria não é sua irmã ? Um grupo de meninas foi sequestrado pelo [grupo radical islâmico] Boko Haram e ninguém sabe o que aconteceu e outros milhões de crianças saíram das escolas por medo. Vocês querem fazer a diferença no mundo ou ficar sentados?” (Porvir/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Porvir.




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