e17 300x225 Integração energética à brasileira para a América do Sul
Represa de Canoa Quebrada no Rio Verde, norte de Mato Grosso. Foto: Mario Osava/IPS
São Paulo, Brasil, 15/5/2012 – A integração energética da América do Sul será uma realidade “no médio ou longo prazos”, impulsionada pela hidreletricidade e aproveitando a experiência do Brasil, prevê Altino Ventura Filho, secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia. A promoção do sistema integrado regional, que seria “um exemplo para o mundo”, faz parte da política brasileira, afirmou Ventura na Segunda Cúpula Latino-Americana de Hidreletricidade, realizada em São Paulo nos dias 9 e 10 deste mês pela Business News Americas, uma empresa de informação econômica com sede em Santiago, no Chile.
Esse processo já começou pelo Mercado Comum do Sul (Mercosul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai), com projetos binacionais e interconexões que “evitam conflitos” e proporcionam maior segurança energética e redução de custos, compensando com juros os investimentos em linhas de transmissão e unidades de conexão, segundo Ventura.
O Brasil prevê concluir uma integração plena com o Uruguai em 2013. Com a Argentina haverá um grande avanço com a construção de duas hidrelétricas binacionais, Garabí e Panambi, no fronteiriço e trinacional Rio Uruguai, que fornecerão 2.200 megawatts de capacidade antes do final desta década.
O Uruguai estará pronto para a conexão total em novembro de 2013, afirmou Gonzalo Casaravilla, presidente da estatal Administração Nacional de Usinas e Transmissões Elétricas desse país. Dessa forma se reduzirá a vulnerabilidade do sistema uruguaio que, ao depender da hidreletricidade gerada em solos dos rios, sofre duramente o impacto da escassez de chuvas, pois deve elevar sua importação de hidrocarbonos, acrescentou.
As conexões já existentes entre Brasil e Uruguai são parciais, e agora se trata de reforçá-las a ponto de unir os sistemas nacionais. “No inverno precisaremos de energia do Brasil e na primavera a ofereceremos”, explicou Casaravilla. Ele prevê uma boa redução de custos para fornecer eletricidade à população desse país, de 3,3 milhões de habitantes.
A América do Sul, “única região com autossuficiência energética”, por sua abundância de rios, petróleo, gás, ventos e sol, pode otimizar seus recursos, ao promover uma integração na eletricidade, a partir de dois “arcos” de interligação, afirmou Sinval Zaidan Gama, superintendente de Operações no Exterior da empresa estatal Eletrobras.
O Arco Norte compreende Guiana, Guiana Francesa e Suriname, pequenos territórios no extremo setentrional no Mar do Caribe. Trata-se de integrá-los à América do Sul, desenvolvendo suas grandes potencialidades hidrelétricas e interligando-os, segundo Gama. Como consomem pouca energia, gerariam muitos excedentes para exportar aos vizinhos. O Arco Virtual Sul teria maior peso na integração regional, pois incluiria grandes países, ricos em recursos hídricos, como os do Mercosul e os andinos.
Elevar o aproveitamento de rios no Peru poderia servir para alimentar sua região sul, menos desenvolvida e carente de energia, em lugar de atender o norte do vizinho Chile. Seria “um bom projeto para os dois países”, e também se trataria de ‘”limpar a matriz energética do Chile”, especialmente em sua zona norte, onde predominam combustíveis fósseis, detalhou Gama. Por seu lado, o Chile poderia exportar para a Argentina a hidreletricidade de seus rios austrais. A transmissão seria mais barata e eficiente, com linhas de 200 quilômetros de extensão, em lugar dos milhares de quilômetros que devem ser estendidos para chegar aos grandes centros consumidores nacionais, destaca o executivo da Eletrobras.
De fato, o Chile seria muito beneficiado por essas interligações, já que seu potencial hidrelétrico se concentra no sul e sua maior demanda está no centro, em torno da capital Santiago, a dois mil quilômetros de distância, e no norte mineiro, mais distante ainda, explicou à IPS o subgerente de estudos de novas tecnologias da empresa privada de transmissão Transelec, Gabriel Olguín. A transmissão constitui o grande déficit do sistema elétrico chileno, admitiu. Este país geograficamente singular, estreito e muito alongado de norte a sul, encarece essa atividade por exigir um tronco muito largo.
Entre os países do Mercosul, as interligações estão mais avançadas, com acordos de intercâmbios e centrais hidrelétricas binacionais como Itaipu, que o Brasil compartilha com o Paraguai, Yacireta, que é argentino-paraguaia, e Salto Grande, a primeira construída por dois países sul-americanos associados, Argentina e Uruguai, na década de 1970. Construir uma hidrelétrica já é difícil dentro de um país”, e mais ainda se exige um acordo entre dois países, o que requer respeitar regulações e autonomias nacionais, mas se trata de um “seguro natural” e de uma forma “inteligente” de fazer uso mais sustentável dos recursos, destacou Gama.
A Eletrobras coordena 117 empresas estatais brasileiras e ainda controla grande parte da geração, transmissão e distribuição de eletricidade no Brasil. Perdeu força no período de privatização da década de 1990, mas o governo decidiu fortalecê-la nos últimos anos para atuar no exterior, entre outros objetivos. Está presente com 42 projetos em 16 países, mas “muitos são embrionários”, e somente entre 30% e 40% se concretizariam, admitiu Gama.
O Brasil desenvolveu um sistema integrado nacional que interliga suas geradoras e distribuidoras de eletricidade em todo o país, com exceção de umas poucas áreas isoladas, como o norte amazônico, em parte abastecido pela Venezuela. Isto permite economizar 20% em geração, disse o secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia. Esses benefícios se estenderiam à América do Sul, cuja “vocação natural” é atender entre 65% e 70% de sua demanda elétrica por fontes hídricas, afirmou.
A hidreletricidade tem uma vantagem pouco mencionada: seus investimentos são amortizados durante o período de concessão de uma central, que no caso do Brasil é de 30 anos. Depois, nos muitos anos restantes de vida útil, os gastos com operação e manutenção são muito baixos, o que barateia a energia para toda a sociedade durante décadas, enfatizou Ventura. Há centrais que operam há mais de um século. Entretanto, os projetos binacionais não necessariamente beneficiam os dois sócios. Itaipu, a maior central da região, fez do Paraguai um país rico em uma hidreletricidade que, no entanto, quase não usufrui, 28 anos depois da inauguração dessa gigantesca central.
Ainda agora a participação dessa fonte na matriz elétrica paraguaia limita-se a 14%, informou Carlos Colombo Cuevas, coordenador do Comitê Gestor do Sistema de Transmissão, que está sendo construído para levar eletricidade de Itaipu até a Grande Assunção por um linhão de 348 quilômetros, que estará pronto em 2013. Esta obra, de US$ 555 milhões financiados por um fundo do Mercosul e da própria Itaipu, inaugurará uma “nova era” no Paraguai, pois permitirá sua industrialização, melhorar a qualidade de vida da população e sustentar o crescimento econômico do país, que em 2010 foi de 15%. Esta linha não foi construída antes por “falta de uma política de Estado”, indicou Colombo à IPS, e isso impediu o país de aproveitar sua melhor parte, a metade dos 14 mil megawatts de capacidade de Itaipu, para impulsionar seu desenvolvimento. Envolverde/IPS
(IPS)