
Represa de Canoa Quebrada no Rio Verde, norte de Mato Grosso. Foto: Mario Osava/IPS
Esse processo já começou pelo Mercado Comum do Sul (Mercosul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai), com projetos binacionais e interconexões que “evitam conflitos” e proporcionam maior segurança energética e redução de custos, compensando com juros os investimentos em linhas de transmissão e unidades de conexão, segundo Ventura.
O Brasil prevê concluir uma integração plena com o Uruguai em 2013. Com a Argentina haverá um grande avanço com a construção de duas hidrelétricas binacionais, Garabí e Panambi, no fronteiriço e trinacional Rio Uruguai, que fornecerão 2.200 megawatts de capacidade antes do final desta década.
O Uruguai estará pronto para a conexão total em novembro de 2013, afirmou Gonzalo Casaravilla, presidente da estatal Administração Nacional de Usinas e Transmissões Elétricas desse país. Dessa forma se reduzirá a vulnerabilidade do sistema uruguaio que, ao depender da hidreletricidade gerada em solos dos rios, sofre duramente o impacto da escassez de chuvas, pois deve elevar sua importação de hidrocarbonos, acrescentou.
As conexões já existentes entre Brasil e Uruguai são parciais, e agora se trata de reforçá-las a ponto de unir os sistemas nacionais. “No inverno precisaremos de energia do Brasil e na primavera a ofereceremos”, explicou Casaravilla. Ele prevê uma boa redução de custos para fornecer eletricidade à população desse país, de 3,3 milhões de habitantes.
A América do Sul, “única região com autossuficiência energética”, por sua abundância de rios, petróleo, gás, ventos e sol, pode otimizar seus recursos, ao promover uma integração na eletricidade, a partir de dois “arcos” de interligação, afirmou Sinval Zaidan Gama, superintendente de Operações no Exterior da empresa estatal Eletrobras.
O Arco Norte compreende Guiana, Guiana Francesa e Suriname, pequenos territórios no extremo setentrional no Mar do Caribe. Trata-se de integrá-los à América do Sul, desenvolvendo suas grandes potencialidades hidrelétricas e interligando-os, segundo Gama. Como consomem pouca energia, gerariam muitos excedentes para exportar aos vizinhos. O Arco Virtual Sul teria maior peso na integração regional, pois incluiria grandes países, ricos em recursos hídricos, como os do Mercosul e os andinos.
Elevar o aproveitamento de rios no Peru poderia servir para alimentar sua região sul, menos desenvolvida e carente de energia, em lugar de atender o norte do vizinho Chile. Seria “um bom projeto para os dois países”, e também se trataria de ‘”limpar a matriz energética do Chile”, especialmente em sua zona norte, onde predominam combustíveis fósseis, detalhou Gama. Por seu lado, o Chile poderia exportar para a Argentina a hidreletricidade de seus rios austrais. A transmissão seria mais barata e eficiente, com linhas de 200 quilômetros de extensão, em lugar dos milhares de quilômetros que devem ser estendidos para chegar aos grandes centros consumidores nacionais, destaca o executivo da Eletrobras.
De fato, o Chile seria muito beneficiado por essas interligações, já que seu potencial hidrelétrico se concentra no sul e sua maior demanda está no centro, em torno da capital Santiago, a dois mil quilômetros de distância, e no norte mineiro, mais distante ainda, explicou à IPS o subgerente de estudos de novas tecnologias da empresa privada de transmissão Transelec, Gabriel Olguín. A transmissão constitui o grande déficit do sistema elétrico chileno, admitiu. Este país geograficamente singular, estreito e muito alongado de norte a sul, encarece essa atividade por exigir um tronco muito largo.
Entre os países do Mercosul, as interligações estão mais avançadas, com acordos de intercâmbios e centrais hidrelétricas binacionais como Itaipu, que o Brasil compartilha com o Paraguai, Yacireta, que é argentino-paraguaia, e Salto Grande, a primeira construída por dois países sul-americanos associados, Argentina e Uruguai, na década de 1970. Construir uma hidrelétrica já é difícil dentro de um país”, e mais ainda se exige um acordo entre dois países, o que requer respeitar regulações e autonomias nacionais, mas se trata de um “seguro natural” e de uma forma “inteligente” de fazer uso mais sustentável dos recursos, destacou Gama.
A Eletrobras coordena 117 empresas estatais brasileiras e ainda controla grande parte da geração, transmissão e distribuição de eletricidade no Brasil. Perdeu força no período de privatização da década de 1990, mas o governo decidiu fortalecê-la nos últimos anos para atuar no exterior, entre outros objetivos. Está presente com 42 projetos em 16 países, mas “muitos são embrionários”, e somente entre 30% e 40% se concretizariam, admitiu Gama.
O Brasil desenvolveu um sistema integrado nacional que interliga suas geradoras e distribuidoras de eletricidade em todo o país, com exceção de umas poucas áreas isoladas, como o norte amazônico, em parte abastecido pela Venezuela. Isto permite economizar 20% em geração, disse o secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia. Esses benefícios se estenderiam à América do Sul, cuja “vocação natural” é atender entre 65% e 70% de sua demanda elétrica por fontes hídricas, afirmou.
A hidreletricidade tem uma vantagem pouco mencionada: seus investimentos são amortizados durante o período de concessão de uma central, que no caso do Brasil é de 30 anos. Depois, nos muitos anos restantes de vida útil, os gastos com operação e manutenção são muito baixos, o que barateia a energia para toda a sociedade durante décadas, enfatizou Ventura. Há centrais que operam há mais de um século. Entretanto, os projetos binacionais não necessariamente beneficiam os dois sócios. Itaipu, a maior central da região, fez do Paraguai um país rico em uma hidreletricidade que, no entanto, quase não usufrui, 28 anos depois da inauguração dessa gigantesca central.
Ainda agora a participação dessa fonte na matriz elétrica paraguaia limita-se a 14%, informou Carlos Colombo Cuevas, coordenador do Comitê Gestor do Sistema de Transmissão, que está sendo construído para levar eletricidade de Itaipu até a Grande Assunção por um linhão de 348 quilômetros, que estará pronto em 2013. Esta obra, de US$ 555 milhões financiados por um fundo do Mercosul e da própria Itaipu, inaugurará uma “nova era” no Paraguai, pois permitirá sua industrialização, melhorar a qualidade de vida da população e sustentar o crescimento econômico do país, que em 2010 foi de 15%. Esta linha não foi construída antes por “falta de uma política de Estado”, indicou Colombo à IPS, e isso impediu o país de aproveitar sua melhor parte, a metade dos 14 mil megawatts de capacidade de Itaipu, para impulsionar seu desenvolvimento. Envolverde/IPS
(IPS)