Lima, Peru, 15/12/2014 – Os picos nevados agonizam no Peru, que concentra 70% das geleiras tropicais no mundo, e os agricultores desses ecossistemas vivem peripécias para se adaptarem ao aumento da temperatura, enquanto em Lima governos de 195 países realizavam negociações climáticas sem atender essa realidade próxima.
A cerca de cem quilômetros de uma geleira que resiste a morrer, a Salkantay, no departamento de Cusco, há um monumento ao cultivo da granadilha, fruto do qual dependem centenas de moradores da região e que em mais 20 anos, segundo as projeções, não poderá mais ser plantado.
O monumento, que fica na praça do município de Santa Teresa, localidade próxima a Machu Picchu, pereniza a produção desse cultivo: uma mulher colhe os frutos, um camponês os carrega em um cesto às costas, outro corta o mato enquanto um agricultor acompanhado de um cachorro remove a terra.
Essa cena congelada é rotineira em Santa Teresa, onde a granadilha (Passiflora ligularis) é produzida entre dois mil e 2.800 metros acima do nível do mar. Mas a previsão é que esse cultivo deverá ser deslocado até os três mil metros por causa da elevação da temperatura. Ao chegar a esse ponto, não se poderá mais plantar granadilha.
“O impacto nessa região é forte porque os moradores vivem dessa produção”, destacou à IPS a engenheira ambiental Karim Quevedo, que percorreu a minibacia Santa Teresa como responsável pela Direção de Agrometeorologia do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia do Peru (Senhami).
Essa microbacia é uma das regiões estudadas pelo Senhami como parte de um projeto de adaptação das populações locais pelo impacto do retrocesso de geleiras. Em Santa Teresa a geleira que agoniza ao seu lado é a Salkantay, que em quéchua significa “montanha selvagem”.
Salkantay, que é o coração velho e indomável da cordilheira de Vilcabamba, abastece de água doce os rios da região. Mas nos últimos 40 anos perdeu 63,6% de sua superfície de gelo, equivalente a cerca de 22 quilômetros quadrados, segundo a Autoridade Nacional da Água (ANA).
“É importante medir de que maneira esse retrocesso afeta os moradores, para saber como podem se adaptar, já que a perda desse gelo é irreversível”, explicou à IPS o responsável da Área de Mudança Climática da ANA, Fernando Chiock.
Tanto ele quanto Quevedo asseguraram que é crucial considerar o impacto direto nos moradores locais e dar prioridade aos fundos destinados a mitigar esses impactos, durante o encerramento da 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMUCC), cuja fase final teve as presenças de governantes e altos representantes dos 195 países.
“Está pendente saber como encadear o resultado dessa cúpula do clima com o que ocorre nessas localidades. Um dos desafios é conectar os grandes acordos”, afirmou Quevedo à IPS no espaço Vozes pelo Clima, da COP 20, a poucos metros de onde aconteciam as negociações oficiais, no recinto militar de El Pentagonito.
O panorama é preocupante, segundo os especialistas: desde a década de 1970 até hoje a superfície das 2.679 geleiras que existem nos Andes do Peru retrocedeu mais de 40%, segundo Chiok. De mais de dois mil quilômetros quadrados de superfície de gelo nos anos 1970 passou-se a cerca de 1.300.
A situação de emergência já provocou a morte de geleiras, como a de Broggi, que fazia parte da Cordilheira Branca, a cadeia montanhosa tropical com maior densidade de geleiras do mundo, que como Vilcabamba integra os Andes peruanos. Há cerca de 50 anos o retrocesso de Broggi era de dois metros anuais, mas nas décadas de 1980 e 1990 aumentou para 20 metros por ano. Em 2005, sua superfície de gelo desapareceu completamente e essa geleira não foi mais monitorada.
Atualmente, o retrocesso glacial oscila entre nove e 20 metros por ano, segundo a ANA. Paralelamente, formaram-se cerca de 900 lagoas novas com a água do degelo, contou Chiock. De imediato, o surgimento de novas lagoas pode parecer uma boa notícia para os moradores locais, mas, segundo o especialista da ANA, deve ser considerado o manejo adequado dessas fontes de água para não gerar falsas expectativas nas comunidades e poder lidar com os riscos dessas lagoas pelo rompimento dos diques. O funcionário da ANA explicou que atualmente há 35 lagoas com obras de segurança por causa do risco que apresentam.
A incerteza instalou-se no campo. Lagoas que surgem, geleiras que morrem. Granizos que caem sobre os cultivos de milho. Chuvas imprecisas e violentas que afetam a plantação de batata, o sol incandescente que apodrece os frutos, os insetos que parecem borbulhas de uma panela fervendo. “A variabilidade climática das localidades está alterada. Não se pode generalizar o que acontece, cada povoado enfrenta seu próprio problema. Mas o que é inegável são essas mudanças do clima”, destacou Quevedo à IPS.
Nesse cenário, há cultivos mais afetados do que outros. Com as temperaturas altas, os cultivos de batata devem ser transferidos para altitudes maiores, porque precisam de noites de frio para sua produção. Em algumas regiões, a plantação de café com um sol fortíssimo pode ser positiva, mas em outras nem tanto, porque também precisa de sombra.
O clima influi em 61% na produção dos cultivos, segundo a Organização Meteorológica Mundial. “Esses eventos do menores clima são os que mais prejudicam a população, e são os mais invisíveis perante a comunidade internacional”, disse à IPS o diretor do Centro do Clima da Cruz Vermelha Internacional, Maarten Van Aalts, que participou das atividades da COP 20.
Segundo Aalts, não é necessário um furacão que leve tudo de um só golpe, como ocorreu no Haiti em janeiro de 2010, para os governos que participam de negociações climáticas reagirem. Mas as esperanças de que o fizessem na COP 20 derreteram. Envolverde/IPS
(IPS)