A água é fundamental para a manutenção das sociedades pelo singelo motivo de que é um insumo primordial em todos os processos produtivos e atividades humanas. Mas, antes disso, a água é parte de todos os organismos vivos no planeta e uma substância indissociável do funcionamento dos ecossistemas. Dessa forma, a qualidade e a disponibilidade desse recurso vital devem ser asseguradas para que as sociedades continuem a se desenvolver em seus capítulos sociais, econômicos e culturais.
Ocorre que o cenário é de demandas múltiplas e crescentes em função das exigências típicas do crescimento econômico, da expansão demográfica e da mobilidade social. Os usos industriais, domésticos, comerciais, recreativos, agrícolas, energéticos e no transporte são concorrenciais. Ao mesmo tempo, diversos mananciais estão ameaçados ou degradados mediante os impactos desses usos – ao passo que o atendimento pleno das necessidades mais básicas de água ainda está distante em muitos países, não sendo diferente no Brasil.
De fato, o Brasil possui a maior reserva hídrica e a segunda maior cobertura florestal do Planeta, atributos que, em princípio, favorecem os recursos hídricos. As águas utilizadas nos variados processos e tipos de usos invariavelmente retornam aos rios, mares, solo e subsolo, dado o ciclo hidrológico.
Contudo, não se pode falar que seja um recurso inesgotável, tampouco abundante em termos absolutos. Apenas 3% de toda a reserva hídrica do mundo são de água doce. Os mananciais estão distribuídos heterogeneamente entre os países e em suas regiões, por vezes distantes dos pontos de demanda. Os ecossistemas aquáticos acham-se sob estresse ambiental. O desmatamento impacta negativamente os corpos hídricos. Os sistemas de captação, tratamento e distribuição ainda não são capazes de levar água a todos, além de enfrentarem sazonalidades, e nem todas as pessoas podem arcar com os custos da água tratada. Em termos relativos, pode-se falar em escassez na abundância porque há questões de qualidade e acesso à água.
Em tal quadro, o crescimento desejado da economia brasileira e a ampliação do comércio internacional continuarão a demandar mais água, energia e alimentos. Destaque-se que parte das exportações brasileiras é, na prática, importação de externalidades ambientais hídricas negativas, pois os maiores importadores de commodities intensivas em água deixam de impactar seus próprios recursos hídricos. Portanto, a água condiciona a economia e a produção de modo bastante abrangente, consideração fundamental na abordagem da segurança hídrica em relação às seguranças energética e alimentar.
Nesse sentido, é simplesmente urgente superar questões irresolutas da água, como o saneamento insuficiente e a ausência de manejo abrangente de resíduos sólidos, pois os efluentes e a interação das chuvas com o lixo urbano são problemas sérios. Restaurar e conservar as áreas de recarga mediante a recuperação da vegetação ciliar favorece os serviços ecossistêmicos prestados pela água. Os instrumentos legais e as soluções de engenharia devem ser acompanhados da melhora no resultado da gestão, de modo a promover o uso responsável da água, que incorpora aspectos de governança, de relevância dos ecossistemas aquáticos, de qualidade e quantidade e do acesso à água com vistas à sustentabilidade.
O governo deve exercer a gestão eficiente da água e promover o uso responsável, elevando a qualidade da administração pública e da resposta à sociedade também nesse aspecto. As pessoas devem buscar saber a origem dos produtos que consomem e como foram produzidos, trazendo a realidade da água ao seu cotidiano. Os setores produtivos precisam compreender melhor o seu papel dentro da governança da água e utilizar os recursos hídricos com responsabilidade em seus processos, internalizando nos negócios os serviços prestados pela água.
Os desafios amplificados que o Brasil enfrenta em matéria da conjugação desse contexto com as mudanças globais que já se avizinham – demográficas, econômicas, sociais e climáticas – impõem a segurança hídrica como item prioritário na agenda da sustentabilidade, pois somente assim se poderá assegurar a produção de alimentos e a geração de energia, tão essenciais ao desenvolvimento do país.
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FONTE : * Silneiton Favero é consultor sênior da Green Domus Desenvolvimento Sustentável Ltda.
** Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.