O novo ano começou com um cenário de continuidade de governo no Poder Executivo e com mudanças significativas no Congresso Nacional. Quase 40% dos deputados estão no seu primeiro mandato. Já os senadores de primeira viagem chegam a 20% dos eleitos.
As promessas de mudanças inspiram e mobilizam, mas também provocam desconfiança em setores da sociedade civil que estão acostumados com a baixa atuação do governo no que se refere às demandas socioambientais.
O destaque é o descaso com um dos biomas mais ameaçados no Brasil, a zona costeira e marinha. No País, essa área estende-se da foz do Rio Oiapoque à foz do Rio Chuí e dos limites dos municípios da faixa costeira, a oeste, até as 200 milhas náuticas, totalizando aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros quadrados. Com um enorme patrimônio natural que inclui diversos ecossistemas e berçários de vida marinha, essa é uma das áreas mais ricas em biodiversidade, porém uma das menos protegidas e mais críticas em termos de degradação.
Cerca de um quarto da população brasileira vive na zona costeira, representando um contingente de aproximadamente 42 milhões de habitantes. Tanto os estuários como a orla são áreas de forte atrativo para atividades produtivas, que aceleram a expansão urbana irregular e todos os problemas dela decorrentes, como o lançamento de esgotos e efluentes industriais. Estes últimos afetam diretamente todas as outras atividades realizadas na região costeira, como a agricultura, o turismo, o lazer, a pesca, a aquicultura e a atividade portuária. Os investimentos insuficientes em saneamento básico, tratamento de esgotos e de efluentes industriais acabam causando ao País prejuízos de bilhões de reais, além de enormes riscos para a saúde pública.
Toda essa região se tem tornado cada vez mais importante no cenário nacional dados a expansão portuária e o aumento da exploração de petróleo. A grande maioria (90%) do petróleo produzido no Brasil vem de campos offshore, ou seja, plataformas exploratórias no litoral brasileiro.
Para além disso, a atividade pesqueira no Brasil tem incontestável importância social, como provedora de proteína animal e também como geradora de estimados 800 mil empregos, mobilizando um contingente de cerca de 4 milhões de pessoas direta ou indiretamente ligadas à atividade.
As questões ambientais não podem mais ficar à margem. Meio ambiente precisa ser um eixo importante nas políticas públicas, para dar um passo a frente em relação às demais nações emergentes. Não à toa, o Congresso Nacional tem uma grande responsabilidade nos próximos anos.
Visando a contribuir e alterar o cenário atual, a Fundação SOS Mata Atlântica preparou, antes das eleições de 2014, algumas propostas que são fundamentais para que o Brasil possa começar a desenvolver-se de frente para o mar. E uma delas, em especial, depende da atuação de parlamentares comprometidos com o tema.
Desde dezembro de 2013 tramita pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 6.969/13, que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho (PNCMar). Ao longo de 2014 esse processo não avançou, mas espera-se que neste ano de 2015 lhe sejam dadas as devidas celeridade e prioridade. Afinal, toda a extensão territorial costeira e marinha ainda carece de um marco regulatório.
A construção desse instrumento de política pública, moderno e inovador, representa um grande avanço para as ações de conservação marinha no Brasil. É também uma oportunidade para o País discutir como compatibilizar os usos econômicos, sociais e ambientais dos oceanos de forma participativa e democrática.
A construção coletiva realizada até o momento contou com a participação de cientistas, parlamentares, profissionais e especialistas no tema, e assegurou que a lei proposta não fosse baseada apenas em princípios de conservação ambiental, mas apresentasse ferramentas inovadoras, como o planejamento espacial marinho, que considera as aptidões naturais das regiões e busca compatibilizar os diversos usos do mar. O projeto de lei traz ainda instrumentos que incentivam o uso de atividades não extrativas, como o turismo, por meio de subsídios – que até então o governo brasileiro oferece, principalmente, para atividades extrativas, como exploração de petróleo e pesca industrial.
O desafio não é pequeno, é do tamanho da nossa zona costeira. Para garantir que esse processo seja democrático é fundamental que o debate seja transparente, com base na melhor informação científica disponível e inclua o diálogo com o setor produtivo, não apenas com o setor extrativo, mas também com aqueles que geram emprego e renda com conservação marinha.
Hoje existem investimentos, projetos, ideias, pessoas comprometidas e experientes. Mas enquanto a gestão do território marinho não fizer parte do planejamento estratégico do País, será como remar contra a maré, além de ficar cada vez mais difícil avançar com as propostas positivas. O Congresso brasileiro pode ser o palco principal para debates de alto nível, com especialistas de diversos lugares do Brasil, com representantes da pesca industrial e artesanal, com os setores de turismo, de óleo e gás e com os setores governamentais engajados no tema.
Se o novo Congresso estiver disposto ao diálogo com a sociedade civil, não lhe faltarão propostas para melhorar a governança da zona costeira e marinha. É necessário ter vontade política para olhar para essa parte do Brasil, que vem sendo há anos abandonada do ponto de vista ambiental. Pela importância das águas costeiras e do oceano para a saúde, a segurança, a alimentação e o lazer da população brasileira, é fundamental que o Legislativo se comprometa com essa agenda.
* Pedro Luiz Passos e Roberto Klabin são, respectivamente, presidente da Fundação SOS Mata Atlântica e vice-presidente da Fundação para a área de Mar.
** Publicado originalmente no Estado de S.Paulo e retirado do site SOS Mata Atlântica.
(SOS Mata Atlântica)