Praia deserta em Punta Canoa. Foto: Helda Martínez/IPS
Um ambicioso plano de obras de infraestrutura, para enfrentar as contingências do clima em Cartagena das Índias, se debate entre os benefícios projetados e críticas por parte da população envolvida.Cartagena das Índias, Colômbia, 21 de janeiro de 2013 (Terramérica).- O plano de adaptação à mudança climática para esta caribenha cidade colombiana, cujas diretrizes datam de 2004, mostra avanços de peso sem calar as vozes contrárias. Enquanto as autoridades aplaudem, muitos moradores não param de apresentar questionamentos. O ponto comum é o interesse em diminuir os efeitos negativos da mudança climática, que, segundo se estima, provoca elevação do nível do mar entre dois e cinco milímetros por ano.Especialistas calculam que as águas na costa de Cartagena das Índias aumentaram entre 15 e 22 centímetros nos últimos cem anos e que até 2100 aumentarão mais 80 centímetros, ou mesmo um metro. “As mudanças mais bruscas acontecerão dentro de aproximadamente oito anos, com maior intensidade das chuvas, aumento anormal da altura das ondas, recorrência de furacões, inundações e ondas de calor, com as consequentes alterações ambientais”, explicou ao Terramérica o biólogo marinho Francisco Castillo, assessor da Secretaria de Planejamento de Cartagena das Índias.
Sob o nome oficial de
Integração da adaptação à mudança climática no planejamento territorial e gestão setorial de Cartagena das Índias, este plano para mitigar os eventos extremos conta com apoio da prefeitura local e é coordenado pelo Ministério de Meio Ambiente, Habitação e Desenvolvimento Territorial, pelo Instituto de Pesquisas Marinhas e Costeiras, e pelo Programa Aliança Clima e Desenvolvimento (CDKN).
Nesse contexto, já começaram a ser vistos avanços em obras de infraestrutura para proteger a cidade dos efeitos negativos da variação do clima, entre as quais a construção, perto de começar, de nove diques, cinco quebra-ondas e dois muros de contenção. Contudo, o capítulo mais significativo inclui a ampliação da avenida Santander, que cruza a cidade, e a instalação de um grande emissário submarino, que substituirá 30 tubulações atualmente em uso.
Capital do departamento de Bolívar, esta cidade abriga quase um milhão de pessoas em seus 709 quilômetros quadrados, tem 48,7 quilômetros de costas no Mar do Caribe e sua economia se sustenta na indústria química, zonas francas, no comércio e muito especialmente no turismo. Precisamente, a ampla e variada oferta hoteleira, o contraste entre a zona colonial, com sua muralha defensiva, e a moderna, com grandes edifícios, e personalidades que a evocam, como o escritor Gabriel García Márquez e o pintor Alejandro Obregón, são alguns elementos que fazem desta cidade um local privilegiado para milhares de visitantes do resto da Colômbia e do exterior.
Entretanto, essa auréola de centro turístico internacional oculta em parte sua nada privilegiada colocação entre as cidades colombianas com maior contraste socioeconômico. A profunda pobreza de boa parte de seus habitantes bate de frente com o esbanjamento de riqueza de uma minoria. “Nas fases de construção e operação dos projetos, há oferta de trabalho para as comunidades mais pobres, o que representa melhor qualidade de vida”, declarou Castillo a esse respeito.
Agora é preciso pessoal para essas obras do plano de adaptação climática. Em muitos casos, estes postos de trabalho serão ocupados por pescadores, que aprendem as artes da construção em troca de um salário fixo, previsto inicialmente por quatro anos, uma segurança que seu ofício artesanal habitual não proporciona.
Um emissário que divideAs contradições entre trabalho seguro e questionamentos ambientais são evidentes na Vila de Punta Canoa, a 21 quilômetros do centro urbano de Cartagena, onde desembocará o Emissário Submarino com água de esgoto da cidade. “Durante sete anos a maioria de nós protestou, porque não queríamos a instalação do emissário aqui, e eu continuo não querendo”, disse ao Terramérica, em sua casa de Punta Canoa, Ramiro Ramírez, um pescador de 54 anos.
Ramírez afirmou que protesta “porque conheço o mar e sei como as correntes devolvem material fecal. O cheiro é insuportável. Porém, muitos que foram até violentos com os trabalhadores da Acuacar (Águas de Cartagena) se beneficiaram com trabalho ou com uma das 12 lanchas que entregaram. Agora, ninguém diz nada”. O Terramérica comprovou a queixa do pescador: não encontrou respostas à exceção da sua.
O porteiro da Acuacar, um morador uniformizado, foi direto: “Não posso falar porque agora trabalho aqui”. Também não quiseram falar dois pescadores que se preparavam para entrar em uma lancha a motor. A instalação do emissário submarino foi parte do Plano Diretor de Aqueduto, Esgoto e Saneamento Básico de Cartagena, iniciado em 1996, mas que, devido à sua relevância e efeitos atuais, foi incluído no plano de adaptação à mudança climática para garantir sua realização.
A tubulação, de dois metros de diâmetro, terá 4.321 metros de comprimento, dos quais 2.566 estarão sob o leito marinho, segundo informação da Acuacar. A construção deste emissário beneficiará a população instalada nas imediações do Pântano de La Virgen, que recebia 60% do esgoto da cidade, com a consequente mortandade maciça de peixes até 2000, quando para oxigená-lo foi inaugurado o Canal de La Bocana. “Isso está certo, mas a recuperação do pântano não é imediata. É preciso dragar para retirar resíduos de mais de 30 anos”, disse ao Terramérica o pescador Eduardo Jiménez, para quem “agora o problema será em Punta Canoa”.
Ramírez entende que “já não há nada para fazer, porque não há diálogo com as autoridades”, acrescentando que “não será visual. Será porcaria tratada com componentes químicos que diminuem” a reprodução dos peixes. “Além disso, teremos problema de pele, porque aqui também chegarão os dejetos do hospital e de quase 30 pequenos emissários que há em Cartagena”, concluiu o pescador, com tristeza, olhando seu neto de três anos.
Ele tem razão em parte, segundo Castillo. “O tratamento do esgoto não é primário, secundário e terciário, como seria o ideal, mas a 1,8 quilômetro expulsará a matéria pré-tratada, que se dissolve pela temperatura e salubridade do mar. Isto é, agora a Acuacar entrega ao mar os resíduos para que biologicamente este acabe com eles”, opinou. “A Acuacar tem prazo fixo para terminar o processo completamente”, prosseguiu o biólogo. “Por isso, agora sonho com a Cartagena de 2015: terá o emissário trabalhando em sua totalidade, uma proteção costeira funcionando, o Pântano de La Virgen totalmente despoluído e uma oferta de praias em toda sua potencialidade”, concluiu, entusiasmado. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS. LINKSCartagena se desnuda, em espanhol
Clima: Extremo e perigoso – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Prefeitura de Cartagena de Índias, em espanhol
Águas de Cartagena, em espanhol
Aliança Clima e Desenvolvimento, em espanhol e inglês
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FONTE : Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
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