O rio Purus é um dos grandes rios amazônicos: ele nasce no Peru e deságua no rio Solimões. Possui grande beleza e riqueza de espécies. Foto: © WWF- Brasil / Jorge Eduardo Dantas
“O que sobremaneira impressiona no Alto Purus, demarcado oficialmente a partir da boca do Acre, é o espetáculo da terra profundamente trabalhada pelo indefinido e incomensurável esforço dos formadores do rio…” – Euclides da Cunha – “Um Paraíso Perdido: reunião de ensaios amazônicos” (1976).Boca do Acre (AM) – Entre os anos de 1904 e 1905, a fantástica viagem do sociólogo e escritor Euclides da Cunha pelo Rio Purus, chefiando a comissão mista brasileiro-peruana de reconhecimento do Alto Purus, resultou em sua obra póstuma “À margem da História”, onde denunciou a exploração dos seringueiros durante o Ciclo da Borracha.
Passaram-se 110 anos daquela histórica expedição e a vida das comunidades ribeirinhas no Purus, hoje, segue por um rumo bem diferente.
Para conhecer esta nova realidade, o WWF-Brasil organizou uma expedição ao médio curso do rio Purus, percorrendo, durante dois dias, parte do caminho descrito na obra-prima de Euclides da Cunha, partindo de Sena Madureira, no Acre, até a sede do município amazonense de Boca do Acre.
A expedição fez parte do Intercâmbio Agroflorestal Purus-Tarauacá-Envira, cujo objetivo foi promover a troca de experiências e conhecimentos em agroflorestas e manejo florestal não madeireiro. Participaram da expedição 22 produtores e técnicos extensionistas rurais dos municípios acreanos de Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá.
Produção e conservaçãoNo território antes dominado pelos chamados “coronéis de barranco”, hoje existe a Reserva Extrativista (Resex) Arapixi, criada em 2006 com apoio do WWF-Brasil e gerenciada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Ali, é desenvolvida uma experiência de manejo de cacau nativo que, após vendido para a Alemanha, é utilizado na produção de chocolate orgânico. Esta iniciativa, coordenada pela Cooperativa Agroextrativista do Mapiá e Médio Purus (Cooperar), foi um dos projetos visitados durante o intercâmbio promovido pelo WWF.
No sítio de “Seu Nego”A primeira parada dos intercambistas foi no Sítio São Francisco, uma colocação de 150 hectares na comunidade Maracaju II, onde vivem 130 pessoas. Fomos guiados por “Seu Nego” – apelido do produtor José Freitas de Souza, 48.
Na área, a família dele cultiva diversos tipos de plantas como milho, mandioca, banana, mamão, cupuaçu e açaí. Ele também maneja o cacau nativo que é vendido para a Alemanha. Seu Nego mostrou aos intercambistas os cacaueiros existentes na floresta de várzea, como se dá a extração dele e como é feito o beneficiamento do produto.
Ele disse que já chegou a produzir 41 “latas” de cacau na área manejada – o equivalente a 820 quilos do produto. Normalmente, esta quantia é vendida a R$ 26, somando cerca de R$ 1.066 de rendimentos numa única safra. Seu Nego tem também a opção de secar o cacau em sua estufa particular, e vender, com maior valor no mercado, por R$ 28 a lata do produto.
“Não são muitas pessoas que mexem com cacau por aqui, então para mim é bom. Todos os anos experimentamos um pouquinho, tentamos fazer algo diferente para vender por um preço mais em conta e assim vamos levando a produção”, explicou.
Cuidado e zeloOutra comunidade visitada pelos intercambistas foi a Vista Alegre II, na região conhecida como Manithiã. Lá, o agricultor Renato Gomes de Maria mostrou sua área cultivada com sistema agroflorestal composto de espécies frutíferas, entre elas abacate, urucum, bacaba, cupuaçu, cacau, banana e açaí. Ele também vende, através da Cooperar, parte do cacau que é revendido na Europa.
Renato está há sete anos sem usar fogo em sua propriedade e se mostrou orgulhoso de seu sítio, que é muito bonito e bem cuidado. “Não adiantar achar que a terra sozinha vai fazer sua produção ser boa e rentável. É importante administrar, ter cuidado e zelo”, disse o agricultor, que se orgulha especialmente de sua plantação de bananas, que hoje possui mais de 1,5 mil pés.
Números da ExportaçãoNa sede do município de Boca do Acre, os intercambistas visitaram ainda a fábrica de extração de óleos vegetais da Cooperar e amostras de óleos de castanha, gergelim, copaíba e patoá produzidos pela cooperativa. O diretor-presidente, Alexandre Lins, mostrou as dependências do escritório local, as salas de produção e envase dos óleos, além da estufa onde o cacau é secado.
Em 2013, a Cooperar exportou 12 toneladas de cacau, produzidos por 200 famílias extrativistas do sudoeste amazônico. Em anos anteriores, a cooperativa já conseguiu reunir e vender 42 toneladas oriundas de 550 famílias extrativistas.
Grande aprendizadoProdutor em Feijó, o agricultor Franciênio da Silva, 36, contou que as visitas foram muito interessantes. “Ver tudo isso, as pessoas boas, os roçados bem feitos, a persistência que elas tiveram durante esses anos todos… tem sido um grande aprendizado”, afirmou.
Franciênio possui um sítio de 36,5 hectares em Feijó, no ramal Seringal, chamada Colônia Belo Horizonte, onde espera ampliar seus cultivos sem uso do fogo.
Para a produtora Maria Francisca da Silva, também de Feijó, foi muito importante ver o manejo do cacau na floresta. “Na nossa floresta também tem cacau, tem açaí, bacaba, buriti… é uma riqueza e temos que cuidar dela. Precisamos da nossa cooperativa também, para vender melhor nossos produtos”, disse a agricultora.
Existe potencialSegundo o analista de conservação do WWF-Brasil, Flávio Quental, estruturar e dar visibilidade às cadeias produtivas do agroextrativismo “é um desafio muito grande”.
O especialista disse ainda que a interligação rodoviária entre o sudoeste da Amazônia, o centro-sul brasileiro e os portos do Oceano Pacífico, no Peru, são enormes oportunidades para os produtores da região.
“Conhecer e trocar experiências sobre as dificuldades e aprendizados de cada iniciativa é uma forma muito eficaz de preparar as comunidades para os desafios e oportunidades que estão surgindo. Existe um grande potencial para colocar esses produtos agroecológicos nos mercados asiático e norte-americano”, afirmou.
Flávio disse ainda que, apesar das enormes dificuldades, é possível mudar a vida de centenas de famílias no interior da Floresta Amazônica por meio da regularização fundiária, do ordenamento territorial, do protagonismo das comunidades e de investimentos em projetos produtivos sustentáveis.
O que diria Euclides da Cunha ao ver esse paraíso perdido mais de cem anos depois?
“A volubilidade do rio contagia o Homem…”.
* Publicado originalmente no site WWF Brasil. (WWF Brasil)
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