Pesquisadora destaca, na 66ª Reunião da SBPC, importância de dar condições para que a atual geração de jovens que vive nas unidades de conservação permaneça na floresta.
Foto:Aurelice Vasconcelos/ICMBio
Agência Fapesp – As reservas extrativistas representam um fator importante em termos de proteção da Floresta Amazônica, abrangendo atualmente 24 milhões de hectares – área equivalente a 5% do território do bioma.
Alguns dos principais desafios para a continuidade do projeto, contudo, serão dar condições sociais e econômicas para que a atual geração de jovens que vive nessas unidades de conservação permaneça na floresta e assuma o papel de liderança desempenhado por seus pais e avós nas últimas décadas.
A avaliação foi feita por Mary Allegretti, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em palestra sobre os 25 anos de criação das reservas extrativistas, durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Com o tema “Ciência e Tecnologia em uma Amazônia sem fronteiras”, o evento ocorre até o próximo domingo (27/07), no campus da Universidade Federal do Acre (UFAC), em Rio Branco.
“A criação das reservas extrativistas na Amazônia, em 1989, representou uma revolução porque, se elas não tivessem sido instituídas, os seringueiros – hoje chamados de extrativistas – teriam saído da floresta e ido para as periferias das cidades, e os recursos naturais da floresta teriam se transformado em matérias-primas e não em meio de vida”, avaliou Allegretti.
“Ter, hoje, 5% da Floresta Amazônica protegida por comunidades tradicionais, vivendo em 89 unidades de conservação, é um marco histórico, resultado do esforço coletivo feito nas últimas décadas por trabalhadores rurais analfabetos, sem poderes políticos e econômicos e sem armas, que decidiram enfrentar uma luta árdua contra a derrubada da floresta”, afirmou.
Esses trabalhadores rurais, egressos principalmente do Nordeste, chegaram à Amazônia para trabalhar na extração de látex dos seringais da floresta, para produção de borracha, em dois grandes fluxos migratórios.
O primeiro foi durante o primeiro ciclo da borracha da Amazônia, entre 1880 e 1920, no chamado “tempo dos seringais”. Nesse período, em que houve um extermínio em massa de populações indígenas na floresta amazônica, os seringais se estabeleceram no bioma por meio de barracões e eram submetidos a um regime de servidão por dívidas. “Esse ciclo terminou com a entrada da Malásia e, consequentemente, a saída da Amazônia do mercado internacional de borracha”, disse Alegretti.
Já o segundo fluxo migratório de seringueiros na Amazônia, ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando, em razão do bloqueio do acesso à produção da borracha na Ásia, houve uma nova procura pelo produto amazonense e os seringueiros passaram a ser chamados de “soldados da borracha”. Esse ciclo foi interrompido logo após o fim da guerra, em 1946, com o surgimento da crise da borracha no mercado internacional.
Segundo Allegretti, naquele período começou a ser desencadeado um processo de desagregação dos barracões que permitiu aos seringueiros viver com certa autonomia, como uma espécie de campesinato na floresta.
“Os seringueiros continuaram vivendo na floresta em condições de subsistência, sem ter um produto principal, como a borracha, mas sem precisar depender do patrão. Foi então que o processo de construção de uma sociedade na floresta amazônica começou a ocorrer”, disse.
O processo, no entanto, foi interrompido com o estabelecimento do Regime Militar no país, em 1964. Um dos pressupostos dos militares era o de que a Amazônia representava uma espécie de vazio demográfico que precisava ser preenchido por uma série de investimentos em infraestrutura que estimulariam a colonização da região.
Uma das consequências do processo expansionista na floresta foi o surgimento de uma onda de choques com os seringueiros que ali já habitavam e começaram a ser expulsos por fazendeiros que chegavam à região, contou Allegretti.
“Na época, surgiram sindicatos de trabalhadores rurais nos municípios de Brasileia e Xapuri, no Acre, que começaram a defender o conceito de que os seringueiros que já estavam vivendo na florestas eram posseiros e, como tal, tinham direitos ao território onde viviam”, disse.
Chico MendesDe acordo com Allegretti, o primeiro grande confronto entre os fazendeiros e os seringueiros se deu em 1976, quando Wilson de Souza Pinheiro (1933-1980), líder original do movimento sindicalista, defendeu a ideia de que os seringueiros deveriam permanecer na floresta e defender os lugares onde viviam por meio dos chamados “empates” contra o desmatamento.
Um dos apoiadores de Pinheiro, segundo a pesquisadora, foi Chico Mendes (1944-1988), nascido em Xapuri, no Acre, filho de nordestinos e seringueiros. Diferentemente da maioria dos seringueiros, Mendes era alfabetizado e assumiu a liderança do movimento após o assassinato de Pinheiro, em 1980.
“Uma das principais estratégias implementadas por Chico Mendes para fortalecer o movimento, que enfraqueceu com o assassinato de Pinheiro, foi aumentar e criar, juntamente com os empates, escolas públicas, cooperativas e postos de saúde na floresta”, contou Allegretti, que conviveu com o ambientalista durante suas pesquisas.
Em razão de suas ideias e de sua manifestação contrária ao asfaltamento da BR-264, Mendes ganhou projeção nacional e internacional. Seu assassinato, em 22 de dezembro de 1998, gerou grande repercussão internacional, que culminou com a assinatura, em 1990, de um decreto que criou as quatro primeiras reservas extrativistas no país, segundo a pesquisadora.
“Foi preciso ter ocorrido o assassinato de Chico Mendes e de várias outras lideranças para que as reservas extrativistas na Amazônia existissem por força de uma lei”, disse.
De acordo com Allegretti, uma das conquistas obtidas por meio de reservas florestais ao longo dos últimos 25 anos foi a diminuição dos conflitos agrários entre os extrativistas e os fazendeiros na Floresta Amazônica.
Isso porque o Estado passou a exercer o papel de mediador nesses conflitos, uma vez que é responsável por garantir o bem-estar e a segurança das comunidades que vivem nessas reservas. “Há, no entanto, uma dificuldade do Estado em enxergar e assimilar os extrativistas como protagonistas na gestão das reservas extrativistas”, disse Allegretti.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp. (Agência Fapesp)
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