(da Redação da ANDA)
Vaca preparada para o Makar Sankranti, festival indiano da primavera (Hyderabad, 15/01/2008). (Foto: Krishnendu Halder/Reuters).
A Índia é um país enorme conhecido por várias peculiaridades: sua enorme população de cerca de 1,2 bilhões de habitantes; seu papel político crescente na diplomacia internacional como economia emergente e parte do grupo dos BRICS; a grande e colorida diversidade étnica, cultural, regional e linguística; e a religião hindu, com seu particular apreço pelas vacas.
A maior parte dos hinduístas (que equivalem a 80% dos indianos) reverencia os bovinos, principalmente a vaca, como animais sagrados, se abstendo de matá-los ou comer suas carnes. Paradoxalmente, a Índia se tornou um grande exportador de carne, o que tem virado um foco de tensão política no país. As informações são do The Atlantic.
Oficialmente, toda a carne que o país exporta vem, na verdade, do sacrifício de búfalos, o que é comumente aceito pelos hindus, que não possuem objeções espirituais à morte da outra espécie. Apesar do assassinato de vacas ser proibido na maior parte dos estados indianos e a exportação de sua carne ser ilegal, a lei nem sempre é fiscalizada e as posições sobre o assunto são diversas.
Os números são enormes, como tudo na Índia: o país exportou em 2014 o equivalente a 4,3 bilhões de dólares em carne bovina, enviada para 65 países. A pecuária indiana é apreciada por ser natural: animais criados soltos e com alimentação adequada, ao contrário da produção intensiva mais típica no Ocidente.
A religião hindu é antiga, mas alguns especialistas argumentam que a sacralização da vaca é um fenômeno bem mais recente. O historiador Dwijendra Narayan Jha é um deles.
Autor de The Myth of The Holy Cow (O Mito da Vaca Sagrada), Dwijendra afirma que a vaca se tornou sagrada por volta do século V da era cristã. Antes disso, os reis tradicionalmente matavam bois e vacas sem problemas. Jha não encontrou indícios de que a vaca fosse sagrada no período védico (entre 1 e 5 mil anos antes da era cristã), quando foram escritos os textos mais antigos do hinduísmo, os Vedas.
No hinduísmo, a vaca é considerada a Gaumata (mãe vaca), que dá leite a todos. Ela simboliza a generosidade em uma religião que tem como valor a ideia de ahimsa (não-violência) e entende que toda as criaturas são sagradas. Existem cerca de 3 mil abrigos especiais para vacas idosas ou doentes no país, chamados Gaushalas.
Mas nem só de hindus e hinduísmo vive o país e nem eles são todos iguais. Há praticantes do hindu e indianos de cultura hindu, mas próximos ao secularismo, que não observam a tradição de não comer carne de vaca ou não matá-la. Igualmente, indianos de outras religiões, como o islã e o cristianismo, deixaram de comer carne de vaca em respeito à religião do vizinho.
Dentro da arena política, diversas posições são debatidas. O movimento de defesa animal defende as proibições contra o assassinato de animais, mesmo que seja de algumas espécies apenas. Movimentos tradicionalistas questionam a promoção de uma indústria que reflete e alimenta o abandono de valores tradicionais da cultura do país. Grupos religiosos lamentam o assassinato do animal sagrado. Com a explosão da venda de carne sob a administração do último premiê indiano, o tópico já faz parte das plataformas tradicionais dos políticos, que devem se posicionar em relação a ela.
Enquanto as agências oficiais continuam a afirmar que o país não exporta carne de vaca, apenas de búfalo, muitas críticas apontam um quadro mais complicado. Acredita-se que dois milhões de vacas foram enviadas para serem vendidas (e mortas) no país vizinho de Bangladesh, cruzando uma larga e mal-vigiada fronteira. Além disso, com a variação na legislação, muitas vacas são levadas de estados onde as leis são mais rígidas para outros onde as penas são brandas ou o assassinato, permitido.
A indústria da carne é um setor no qual predomina a minoria muçulmana no país (minoria para os parâmetros indianos, ou seja: cerca de 180 milhões de pessoas, quase a população inteira do Brasil). No Islã, não há interdições alimentares em relação à vaca ou ao boi (embora haja restrições ao porco e à forma de matar os animais). Segundo o governo, a carne enviada para exportação é proveniente de matadouros certificados, que totalizam cerca de 3.600, enquanto alguns críticos afirmam que o número de matadouros ilegais chega a 33 mil, e neles é muito mais fácil matar uma vaca.
Diante do poder econômico da indústria, muitos hindus são atraídos para esse trabalho, causando modificações na sociedade indiana. Em sua campanha à eleição, quando era oposição, o atual primeiro-ministro Narendra Modi criticou o pulo da exportação de carne, que ele afirmou ter sido uma estratégia do governo para conseguir o voto muçulmano, e prometeu deter a indústria. Próximo de completar um ano no cargo, as exportações subiram 16%.
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