Redução de maioridade penal: Brasil ignora compromissos internacionais
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Redução de maioridade penal: Brasil ignora compromissos internacionais


“O cerne da questão, que não é mencionado neste debate, é se a redução da maioridade penal é efetiva ou não para combater a violência. Nesse sentido, basta dar uma olhada nos regimes penitenciários da região para entender que mais penas não é sinônimo de menos crimes, evidenciando o fracasso sistemático das leis e políticas restritivas no tema.”
Por Amerigo Incalcaterra*
Em vários países da América do Sul, incluindo o Brasil, tem ressurgido com força a discussão sobre reduzir a maioridade penal e tratar os menores como adultos quando cometem crimes. Os principais argumentos para isso são um suposto aumento da violência juvenil, que os menores de idade não seriam responsabilizados por seus atos ou que as penas que recebem seriam insuficientes.
O cerne da questão, que não é mencionado neste debate, é se a reducão da maioridade penal é efetiva ou não para combater a violência. Nesse sentido, basta dar uma olhada nos regimes penitenciários da região para entender que mais penas não é sinônimo de menos crimes, evidenciando o fracasso sistemático das leis e políticas restritivas no tema.
No caso do Brasil, essa discussão infelizmente ignora as obrigações internacionais de direitos humanos contraídas pelo Estado. Apenas há umas semanas, durante uma visita oficial ao país, o relator da ONU sobre a Tortura Juan Méndez disse que “processar adolescentes infratores como adultos violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança”.
Com efeito, esse tratado internacional proíbe que os menores de 18 anos sejam julgados como adultos e obriga a adotar uma idade mínima em que o Estado renuncie a punir as crianças criminalmente. A Convenção também dispõe que seja implementado um sistema de responsabilidade criminal especial para os menores de idade, que garanta a presunção da inocência e o devido processo legal. Esse regime específico deve estabelecer sanções diferenciadas em relação aos adultos, e a privação da liberdade deve ser uma medida excepcional e de último recurso.
Em razão do anterior, no momento de cometer um crime, toda pessoa menor de 18 anos deve receber um tratamento especial no marco dos sistemas de justiça penal juvenil, para ser julgada conforme a sua idade. Nesse sentido, é falso afirmar que os menores que cometem crimes graves não são responsabilizados por seus atos.
Além disso, um relatório deste ano do Unicef mostrou que o Brasil é o segundo país com maior número de homicídios de crianças e adolescentes no mundo –atrás apenas da Nigéria – e que 28 crianças e adolescentes são assassinados por dia no país. Isso revela que os menores de idade são principalmente vítimas de delitos graves.
Os 195 Estados do mundo que ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança, incluindo o Brasil, se comprometeram a adotar todas as medidas legislativas para proteger os menores de idade. Porém, a redução da maioridade penal contraria esse mandato e não é solução nenhuma para o problema da insegurança.
A Câmara dos Deputados do Congresso Federal deu um passo na direção contrária aos padrões internacionais, aprovando um projeto para reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos para alguns crimes especialmente graves. A adoção definitiva desta norma comprometeria a responsabilidade internacional do Estado por descumprir o que estabelece a Convenção sobre os Direitos da Criança, e ao Brasil não lhe restaria senão denunciar e se retirar do tratado.
De fato, nos próximos dias 21 e 22 de setembro, o Comitê da ONU sobre Direitos da Criança deve revisar a situação de direitos humanos dos menores de idade no Brasil e uma delegação do Estado irá comparecer perante os especialistas internacionais na Suíça, onde deverá explicar esse projeto incompatível com a Convenção.
É de esperar, então, que as discussões no seio da sociedade brasileira, e especialmente a tramitação do projeto no Senado Federal, levem em conta os compromissos que o Congresso do Brasil assumiu soberanamente quando ratificou os instrumentos internacionais de direitos humanos, e que por tanto se obrigou a respeitar e promover.
* Amerigo Incalcaterra é Representante Regional para a América do Sul do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, ACNUDH (@ONU_derechos)
(#Envolverde)




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