O aguardado verão chegou. Junto a ele, suas famosas e tradicionais chuvas, às vezes tempestades. Um temporal em especial, na madrugada de 29 de dezembro, fez desse um dia histórico para São Paulo. O vendaval, com rajadas de até 96,3 km/h, teve como resultado a queda recorde de cerca de 300 árvores. Os impactos foram tremendos.
Vários bairros tiveram o fornecimento de energia elétrica e água interrompidos, estruturas de edificações foram danificadas e até o Parque Ibirapuera, ponto turístico e local de treinamento para atletas que estavam na cidade para participar da corrida de São Silvestre, teve de ser fechado para que árvores fossem removidas.
A rua em que moro, no bairro da Vila Mariana, foi uma das atingidas. Por lá, onde caíram duas árvores, a energia elétrica demorou para ser restabelecida. Os galhos e troncos foram podados, mas ficaram espalhados pela calçada por mais de uma semana antes de retirados, situação que se repete por toda a cidade. Em algumas regiões, os impactos são ainda mais graves e bairros continuam com o fornecimento de energia elétrica suspenso.
A situação pode parecer isolada, já que esses casos se intensificam durante o verão, mas o fato é que árvores caem em São Paulo durante todo o ano. Só em 2014, foram 2.252.
No balanço final, com esse cenário de tragédias e destruição, as árvores que restam em São Paulo acabam associadas a riscos e problemas, quando o certo é que fossem sinônimo de qualidade de vida. E o motivo é um velho conhecido: a cidade, que nasceu e continua a crescer sem planejamento, nunca soube conviver com suas árvores.
Originalmente muito rica em vegetação, São Paulo apresentava extensas florestas de Mata Atlântica, araucárias, cerrados e várzeas. Durante o processo de urbanização, a vegetação ancestral foi eliminada. Em algumas regiões, hoje tidas como as mais arborizadas, essas árvores foram substituídas por espécies de origem estrangeira, motivação cultural que acarretou na extinção em massa da fauna e flora nativas. Hoje, 80% da vegetação urbana é composta por essas, chamadas também de “espécies exóticas”. O pouco que sobrou de vegetação nativa continua por aí, distribuída por pontos distintos da cidade, onde se destacam os bairros “jardins”, como o Alto de Pinheiros e o Jardim América, resistindo ao tempo e adversidades como verdadeiras veteranas de guerra.
Do que foi plantado nesse processo de substituição da vegetação, boa parte ocorreu há muito tempo, antes mesmo do loteamento de bairros ou da construção da atual rede de distribuição elétrica, formada por postes e emaranhado de fios. Assim, como é de se esperar, essas árvores continuam seu natural processo de desenvolvimento sem considerar se no seu entorno há uma casa que pode ser prejudicada por suas raízes ou uma fiação elétrica que será danificada por seus galhos. Para completar, não há na cidade o devido preparo para lidar com essa situação.
De acordo com dados da prefeitura, divulgados no jornal Folha de S.Paulo em reportagem do dia 2 de janeiro, há 55 equipes que trabalham na manutenção de árvores e 79 na manutenção de áreas verdes da cidade. Ainda segundo a reportagem, de janeiro a novembro de 2014, foram realizadas mais de 95 mil podas, 13 mil remoções e 10,5 mil substituições com árvores novas, em atendimento a 66 mil solicitações registradas via Sistema de Atendimento ao Cidadão, que ocorrem pelo telefone 156 ou nas praças de atendimento das subprefeituras.
No caso das podas, é ainda necessária a avaliação da qualidade desse trabalho, já que se o procedimento for mal realizado, invés de resolver o problema, pode condenar a árvore a uma morte lenta. Importante lembrar que desde 2005, durante a então gestão de Eduardo Jorge na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a cidade conta com um manual para orientar funcionários das subprefeituras e de concessionárias de serviços públicos nesse processo.
Dadas as proporções de São Paulo, e esse histórico de incidentes que se repete ano após ano, fica claro que os números citados têm sido insuficientes para atender às atuais necessidades. A prefeitura precisa, portanto, investir e se equipar para cuidar da arborização urbana e áreas verdes da cidade. Meta essa que está longe de ser só de São Paulo e que deveria estar presente no planejamento de qualquer cidade do mundo.
Nossas cidades precisam de árvores. Do ponto de vista da biodiversidade regional, elas são importantes para o equilíbrio ambiental, com ocorrência de pequenas espécies, pássaros, insetos e microorganismos. Áreas com mais verde contribuem para a melhoria no microclima urbano, ajudando a reduzir a temperatura, ao proporcionar mais conforto térmico, e diminuir ruídos e a poluição, com melhoria da qualidade do ar. O meio ambiente urbano deve ser nossa prioridade.
* Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.
** Publicado originalmente no Blog do Planeta e retirado do site SOS Mata Atlântica.
(SOS Mata Atlântica)