Os avanços legais e democráticos vividos no Brasil desde a década de 70 decorrentes de lutas históricas impulsionadas pelos movimentos sociais oportunizaram ao país um momento impar para a efetivação dos Direitos Humanos no Brasil, em especial o direito à cidade e à moradia. Porto Alegre sem dúvida foi uma das protagonistas deste processo.
Em Porto Alegre, assim como nas outras cidades do país que estão sendo engolidas pelos projetos do capital “necessário” aos eventos esportivos, as ditas violações contam com o apoio do poder público, através de ações indiretas, de investimentos públicos e da operacionalização distorcida de programas sociais pois:
- O Governo Municipal privilegia e viabiliza o valor de troca no lugar do valor de uso. Promove a exclusão com a utilização das próprias conquistas populares como é exemplo de instrumentos urbanísticos (Áreas Especiais de Interesse Social), programas habitacionais como o MCMV, programas de mobilidade urbana (PAC) e plano de resíduos sólidos que exclui milhares de famílias de catadores da cadeia produtiva, entre outros;- Não demonstra intenção em articular políticas públicas como a Política Nacional de Resíduos Sólidos com programas habitacionais, de mobilidade urbana e saneamento. Moradores cuja sobrevivência depende da coleta de materiais recicláveis precisam optar entre manter a renda ou acessar casa nos reassentamentos. Famílias que vivem próximas aos grandes projetos de saneamento não tem a perspectiva de regularização fundiária que as permita acessar a infraestrutura implementada no seu entorno.
- Em maio de 2013 os investimentos nas obras de mobilidade urbana do PAC da Copa ultrapassaram a casa dos 900 milhões de reais sem que nenhuma nova linha de ônibus tenha sido acrescentada no projeto para integrar os bairros mais distantes da cidade. Trabalhadores são levados para morar na periferia desprovida de infraestrutura afastando-os de seus locais de trabalho e penalizando-os com transporte precário.
- Viola direito à cidades sustentáveis, à gestão democrática, à proteção do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico e paisagístico traduzido na Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade, quando ignora projetos discutidos coletivamente com a população como a criação do Parque do Gasômetro e implementa de forma autoritária obras sem o amplo conhecimento e acordo com a população;- Negligencia a vida usando uma avenida para separar a população de seus espaços públicos naturais como a orla do Guaíba. Viola o direito à uma cidade saudável rompendo a integração sociedade-natureza atacando o movimento ambientalista histórico brasileiro para promover a abertura de vias e levantamento de prédios e construções.
- Viola o direito à informação quando não divulga as ações e cronogramas das Câmaras Temáticas criadas especificamente para discutir a Copa em Porto Alegre isolando a população dos debates sobre as transformações da cidade oriundas da realização deste megaevento.- Utiliza o marketing como ferramenta de governo valorizando sua imagem e repercussão na mídia e desconsidera ações que possam garantir de fato direitos fundamentais como o direito à educação, saúde e renda nos reassentamentos. Enquanto a população vai às ruas para serem ouvidos e à debates para discutir o futuro da cidade, governantes viajam ao estrangeiro para buscar acordos empresariais;
- Mercantiliza o direito à moradia através de parcerias que garantem o lucro máximo aos agentes privados. Não há regulação, controle do preço da terra ou sanções ao não cumprimento da função social da propriedade. O governo se ausenta da discussão e se coloca como vítima desse maquiavélico processo de exclusão social e violação de direitos. Famílias silenciadas pelo discurso assistencialista são expulsas de suas casas e pulverizadas através de instrumentos de remoções como o Bônus Moradia.
- Milhares de famílias são convencidas pelo poder público de viverem em condição de invasores de áreas públicas quando na verdade tem direito garantido por lei à posse das áreas onde vivem, em contrapartida recebem indenização precária para que suas casas deem lugar àquilo que chamam de “desenvolvimento”;
- O poder público municipal se abre ao mercado imobiliário e socializa os custos com toda a população pela implementação de meios que promovem maior concentração de renda. Promove o construir para especular e não para morar.
O Fórum Estadual de Reforma Urbana do Rio Grande do Sul compreende que é uma situação que ocorre na maioria das cidades brasileira. Porém, entende a cidade como uma construção coletiva, o espaço da vida real onde deve ser garantido o acesso a terra urbanizada, a aplicação da função social da propriedade e o direito ao exercício da democracia. Democracia do ponto de vista do cidadão e não do Banco Mundial, onde a população se reconheça como tal, não apenas conscientes de seus direitos, mas capazes de resistir e de transformar suas vidas e a sociedade.
Reconhece, também, que é preciso reagir, e que essa reação passa pela exigibilidade dos direitos conquistados e garantidos pelo Estado Brasileiro. Nesse sentido, considera imprescindível e urgente que os projetos para a cidade sejam amplamente debatidos com a sociedade.
O FERU/RS repudia a ação policial como forma de resolver problemas sociais urbanos como no caso da reintegração de posse do movimento Quantas Copas por uma Copa em Porto Alegre. Repudia a posição da justiça que se coloca ao lado do capital e em nome do desenvolvimento.
Por isso, o Fórum Estadual de Reforma Urbana do Rio Grande do Sul mais uma vez defende uma grande mobilização pelo direito de criação de espaços que dialoguem integralmente com as políticas públicas, formule e respeite posições coletivas e autônomas em relação aos governos e partidos políticos exigindo que esses se posicionem em relação aos seus papéis na sociedade. ”QUEM MUDA A CIDADE SOMOS NÓS – REFORMA URBANA JÁ!”
Fórum Estadual de Reforma Urbana – FERU/RS, maio de 2013.
Fonte: http://reformaurbanars.blogspot.com.br/2013/05/manifesto-ferurs-2013.html