No Parque Nacional Serra da Capivara falta dinheiro para manter estrutura. Foto: Nelson Yoneda / ICM Bio
Falta verba para infraestrutura básica, manutenção e pagamento de funcionários. Segundo ONU, visitantes poderiam render 1,8 bilhão de reais em turismo.No início do ano, a fundação que administra o Parque Nacional Serra da Capivara anunciou a de demissão quase todos os seus cem funcionários. Desde então, eles trabalham sob aviso prévio. Se o dinheiro for liberado pelo estado do Piauí e pelo governo federal, eles terão o emprego garantido. Se não, uma área de 100 mil hectares, maior concentração de sítios pré-históricos das Américas e Patrimônio Cultural da Humanidade, vai ficar sem qualquer proteção.
A situação não é exclusiva da Serra da Capivara – ela se repete em todos os outros 68 parques nacionais brasileiros. Um estudo de 2008, feito pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, mostrou que os parques nacionais precisariam de um investimento de cerca de 189 milhões de reais em infraestrutura.
O estudo também projetou um valor que seria necessário somente para a manutenção anual dos parques: cerca de 49,6 milhões de reais, sem a despesa com funcionários. Segundo Rosa Trakalo, coordenadora de projetos da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), que administra a Serra da Capivara, não há verba para o pagamento dos salários e para manter as estruturas funcionando.
Ela explica que o orçamento, em parte público, era completado com patrocínio de empresas privadas e outras instituições. Mas os recursos foram sendo reduzidos, e agora a fundação tenta firmar novas parcerias.
“É difícil conseguir patrocínio de empresas privadas, pois elas alegam que o parque não tem visibilidade”, conta Trakalo. De acordo com ela, a visibilidade é medida pelo número de visitantes, mas devido às dificuldades para o acesso ao parque, que fica no interior do estado do Piauí, as visitas não passam de 20 mil por ano.
Potencial bilionárioMas um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) mostrou que os parques nacionais têm potencial para gerar anualmente entre 1,6 e 1,8 bilhão de reais em turismo para as regiões, considerando as estimativas de fluxo de turistas projetadas para o país até 2016.
“Nem todos os parques terão a mesma demanda ou potencial de visitação, dada as condições de acesso e atrativos, mas esse potencial precisa ser identificado e desenvolvido para que essas áreas também cumpram a sua função de possibilitar maior integração entre as pessoas e a natureza”, diz a especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Mariana Napolitano e Ferreira.
Segundo ela, apenas 26 dos parques brasileiros estão abertos a visitação e somente 18 possuem um infraestrutura satisfatória, com controle de fluxo de visitantes e cobrança de ingressos.
Em parques onde houve investimentos para facilitar as condições de acesso e a região possuiu uma estrutura turística mais consolidada, o número de visitantes é maior. Em 2012, mais de três milhões de visitantes foram registrados somente nos Parques Nacionais da Tijuca, no Rio de Janeiro, e do Iguaçu, no Paraná.
Tanto os estudos do Pnuma e do Funbio como especialistas afirmam que uma parte do valor para a manutenção dos parques poderia vir da receita gerada pela cobrança de ingressos. Mas, para isso, os locais precisam ter uma infraestrutura básica, com centro de visitantes, banheiros, mapas, lanchonetes e trilhas sinalizadas.
“Sabemos que as Unidades de Conservação ainda não recebem recursos suficientes para arcar com todos os custos de manutenção”, diz o estudo do Funbio.
Cortes no orçamentoO orçamento do ICMBio sofreu dois cortes em 2013. E ficou em torno de 516 milhões de reais. Do total, mais da metade é destinada para despesas fixas, como folha de pagamento dos servidores. Com o restante, o órgão tem que fazer malabarismo para pagar despesas básicas de todas as unidades de conservação do país, inclusive os parques.
“O Parque Nacional da Serra da Capivara não é exceção, é a regra. Eles estão mal, porque nunca foram prioridade política e a população, em geral, também não sabe bem o que é um parque nacional e seus importantes objetivos, em especial, na proteção da biodiversidade”, opina Maria Tereza Jorge Pádua, membro da comissão mundial de Parques Nacionais da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
Além da falta de recursos, na maioria dos parques nacionais há um déficit de funcionários. “Existe um funcionário para 150 mil hectares e menos de um dólar por hectare. Parece brincadeira, mas é a situação. O que mais revolta é que o país gasta bilhões em estádios de futebol ou em uma hidrelétrica e não aplica recursos para a implantação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”, afirma Pádua.
Outro problema é a regularização fundiária. Mais da metade dos parques estão em situação irregular. Segundo Ferreira, a criação das unidades de conservação é um fenômeno recente no Brasil, surgida, em grande parte, nos últimos 30 anos.
“A criação destas novas unidades não foi acompanhada pelos investimentos na escala necessária a sua efetiva implantação. Nem mesmo a regularização fundiária, prioridade para implantar uma área, foi realizada em muitas unidades”, afirma a especialista do WWF-Brasil.
Mas, apesar dos problemas, especialistas reforçam que a criação dessas áreas são fundamentais para a preservação dessas regiões. “Apesar de todas as dificuldades, uma vez criada essas unidades, oficializadas e reconhecidas, elas já cumprem um papel importantíssimo de frear as intervenções e perturbações no ambiente natural”, reforça Luiz Paulo de Souza Pinto, diretor de biomas da ONG Conservação Internacional.
Procurado pela reportagem, o ICMBio não se manifestou até o fechamento da matéria.
* Edição: Rafael Plaisant.** Publicado originalmente na Deutsche Welle e retirado do site Carta Capital. (Carta Capital)
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