A dinâmica do modo de produção capitalista, em sua íntima relação com a economia, centrada numa visão egoísta (pois privilegia a acumulação individual) e antropocêntrica, na qual o homem pode tudo, inclusive sobrepujar às leis da natureza, produziu um tipo de crescimento econômico dilapidador dos sistemas ecológicos da Terra, da biodiversidade, agredindo os principais serviços ecossistêmicos (água limpa, ar puro, regulação do clima, polinização das flores, semeação do solo, fotossíntese etc).
O que poderia ser um crescimento agregador, não fosse à voracidade mercadológica, consubstanciou-se num tipo de economia que, via sistema de preços, transformou absolutamente tudo em mercadoria (incluindo a vida humana, com o tráfico de pessoas e de órgãos humanos). Resultou disso um foco de tensão dicotômico entre “crescer” (sistema econômico) e “preservar o meio ambiente” (sistema ecológico).
Como a ordem que impera no mercado de consumo recomenda sistematicamente políticas de crescimento econômico exponencial, preservar o meio ambiente e a biota (conjunto de seres animais e vegetais de uma região) acabou se transfigurando numa condição que foi relegada a escanteio, de pouca relevância.
Na atualidade, a consequência disso é o severo desastre ambiental: um planeta doente, uma Terra cansada, uma economia socialmente desequilibrada, cujo retrato desse descaso ecológico/econômico se expressa na morte de espécies (uma espécie desaparece por dia), na pobreza e fome crônicas que acomete quase 1 bilhão de estômagos vazios e bocas esfaimadas (14% da população mundial) e na desertificação e desflorestamento (já foram destruídas mais de 40% das florestas tropicais).
Será que, como bem pontuou o filósofo Sigmund Kwaloy, não está na hora de promover-se a passagem de uma sociedade de crescimento industrial para uma sociedade de sustentação de toda a vida?
Se a tentativa era melhorar o mundo via crescimento econômico, o que presenciamos no transcorrer dos dias é uma piora acentuada do espaço que habitamos: lixo radioativo, chuva ácida, poluição urbana, maré vermelha, excesso de dióxido de carbono (a cada minuto, 10 mil toneladas são lançadas na atmosfera) são alguns dos “elementos” de nosso atual convívio.
Se a tentativa era melhorar o mundo via crescimento econômico, o que presenciamos no transcorrer dos dias é uma piora acentuada do espaço que habitamos: lixo radioativo, chuva ácida, poluição urbana, maré vermelha, excesso de dióxido de carbono (a cada minuto, 10 mil toneladas são lançadas na atmosfera) são alguns dos “elementos” de nosso atual convívio.
O fato concreto é que o “homem-econômico”, no afã em saciar sua sede de consumo, estreitou relações e se entregou abertamente ao modo de produção em larga escala ora vigente nas economias de ponta, esquecendo-se, contudo, que ao patrocinar esse superconsumo abastecido por uma superprodução de mercadorias artificiais (na maioria das vezes fúteis) somente fez arrebentar os mais elementares serviços ecossistêmicos, comprometendo, sobremaneira, os processos naturais que sustentam a vida.
Isso explica, ipsis litteris, o posicionamento crítico de Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU que, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos (2011), chamou esse modelo aqui descrito de “pacto de suicídio global”.
De fato, estamos todos propensos a esse “suicídio global” uma vez que, dentro da espaço nave Terra, somos todos pilotos e passageiros ao mesmo tempo, já que estamos “inseridos” na natureza. Leonardo Boff, a esse respeito, assevera que “no universo e na natureza, em todas as circunstâncias, tudo tem a ver com tudo, afinal, somos todos feitos do mesmo pó cósmico que se originou com a explosão das grandes estrelas vermelhas”.
Da terra tiramos nosso sustento e à terra devolvemos dejetos do processo produtivo (resíduo, poluição, matéria dissipada). É assim que age o sistema econômico: usa e explora os limitados recursos naturais (input) e devolve lixo (output) à natureza. Quanto mais crescimento (econômico), maior é a agressão (ecológica). Assim, aumenta a tensão entre essas correntes. Esse processo é tão agressivo que, de acordo com estudos recentes, 60% dos serviços ecossistêmicos estão degradados. Por isso crescer economicamente é sinônimo de poluir assoberbadamente.
Dito de outra maneira, produzir é também sinônimo de destruir. Não por acaso, a etimologia da palavra “consumir” (a razão de ser da produção) significa “destruir”. Lamentavelmente, as economias modernas têm aperfeiçoado os mecanismos dessa destruição, esgotando em várias frentes o patrimônio natural (biomassa das florestas, solo arável, disponibilidade de água etc).
Na Carta da Terra, um dos mais importantes e sérios documentos elaborados pela inteligência humana, lê-se que “os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o fosse entre ricos e pobres está aumentando”.
No visor do relógio econômico, os ponteiros marcam um crescimento destruidor da natureza, cuja poluição e depleção dos recursos naturais talvez sejam as faces mais evidentes. É chegada a hora, portanto, de frear esse processo.
Dado o pouco espaço aqui para uma contextualização mais aprofundada, o que dissemos fica apenas para efeito da seguinte reflexão: até quando esse tipo de crescimento econômico que provoca mortes e destruição continuará vigorando? Será que, como bem pontuou o filósofo Sigmund Kwaloy, não está na hora de promover-se a passagem de uma sociedade de crescimento industrial para uma sociedade de sustentação de toda a vida?
* Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor, com mestrado pela (USP).
** Publicado originalmente no site EcoD.
(EcoD)