Novas tecnologias promissoras, incluindo células voltaicas mais eficientes, que conseguem coletar energia através do espectro da luz, poderão aumentar significativamente a geração de energia solar nas duas próximas décadas. Mas, alguns obstáculos importantes permanecem. Hoje em dia, apesar do recente progresso, a energia solar dá conta de aproximadamente um por cento das fontes mundiais de energia. Ainda assim, a Agência Internacional de Energia (International Energy Agency – IEA) afirma que a energia solar, em sua maior parte gerada por sistemas fotovoltaicos descentralizados, poderia tranquilamente se tornar a maior fonte de eletricidade do mundo em meados deste século. Então como chegaremos a isso?
A resposta, segundo cientistas e engenheiros, reside em uma nova geração de captadores de luz solar supereficientes, de baixo custo, que assumem o lugar deixado pela recente inundação de painéis de silicone barato. Nos últimos tempos, novos designs e materiais solares inovadores têm estabelecido aparentemente novos recordes semanais de eficiência. Apesar de a pesquisa e o desenvolvimento da energia solar ainda estarem muito aquém do lugar em que cientistas e engenheiros afirmam que deveriam estar, os pioneiros estão fazendo progressos constantes na criação de uma nova geração de materiais que podem coletar a energia solar de modo muito mais eficiente do que o das tradicionais células fotovoltaicas de silicone.
Entre as tecnologias mais promissoras estão: células multijunção com camadas de coletores de luz em que cada uma acumula energia de uma fatia separada do espectro solar; materiais semicondutores supereficientes como a perovskita e o arsenieto de gálio; e células feitas com finos, porém poderosos, absorventes solares “quantum dots”. Dificuldades técnicas, tais como tornar os novos materiais capazes de resistirem aos elementos, ainda são um obstáculo. Apesar disto, os pesquisadores afirmam que os esforços atualmente em andamento poderiam começar a aumentar drasticamente a geração de energia solar dentro de uma ou duas décadas.
Estimular a eficiência das células solares é fundamental para aumentar o papel do Sol no fornecimento mundial de energia. As células fotovoltaicas comerciais atuais têm uma ampla margem de melhoria. A grande maioria dos painéis solares que se encontram hoje no mercado usa células cristalinas de silicone capazes de converter em média apenas ao redor de 16% dos raios do Sol em eletricidade. A maior parte dos demais é feito com finas películas de telureto de cádmio ou de CIGS (seleneto de cobre, índio e gálio), com eficiência na faixa de 12 a 15%. Portanto, tirar mais proveito dos telhados solares – cientistas afirmam que algumas das novas abordagens poderiam representar até 50% de eficiência – tornará a energia solar cada vez mais acessível.
A evolução solar na última década foi impressionante, com os preços em queda e o aumento da demanda levando os custos dos fotovoltaicos ao nível, ou abaixo, de fontes de energia como o carvão e até mesmo o gás natural em alguns lugares. A mudança é tão séria que aumentou as expectativas quanto ao papel do Sol nas energias limpas do futuro; a IEA ampliou recentemente sua meta para a eletricidade solar em 2050 para aproximadamente 50%. A projeção do “SunShot Vision Study” do Departamento de Energia dos Estados Unidos é de que a energia solar forneça 14% da eletricidade norte-americana em 2030.
Uma nova tecnologia em particular tem despertado um entusiasmo incomum entre os cientistas – a perovskita, um tipo de mineral com uma estrutura cristalina parecida com a do sal, fácil de construir, é feita de ingredientes baratos como o chumbo e a amônia, e está se tornando cada vez mais eficiente na conversão da luz solar em eletricidade. “O mundo todo está extremamente entusiasmado com isso”, diz Jao van de Lagemaat, Diretor do Chemical and Materials Science Center do Laboratório Nacional de Energia Renovável (National Renewable Energy Laboratory – NREL) do Departamento de Energia dos EUA, em Golden, Colorado, e acrescenta: “A eficiência das células solares feitas com este material tem aumentado mais rapidamente do que qualquer outra coisa que tenhamos visto antes… Eu ainda não sei onde vai parar”.
Utilizada pela primeira vez numa célula solar em 2009, a perovskita só começou a despertar maior interesse para a pesquisa em 2012. Desde então, a qualidade do material encorpou, e seus valores de transformação de luz em energia deslancharam. “Ela passou de nunca ter sido usada numa célula solar a permitir células solares com 15% de eficiência em apenas dois anos”, afirmou Michael McGehee, professor de engenharia e ciência dos materiais da Universidade de Stanford, e acrescentou: “Normalmente levaria de 10 a 20 anos para fazer uma célula solar com eficiência de 15% com material novo”. De fato, os números ainda estão subindo. A eficiência confirmada mais recente é de mais de 20%, e há relatos extraoficiais de 24%.
Um dos maiores atrativos da perovskita é que ela é produzida a partir de uma solução líquida de baixa temperatura, em comparação com os métodos com uso intenso de energia e altas temperaturas para desenvolver cristais de silicone e outros materiais de células solares. E o que é ainda melhor: ela pode ser “pintada” sobre finos e flexíveis substratos como o plástico, um processo que van de Lagemaat assemelhou à produção de filme fotográfico. “As aplicações dos leves, flexíveis e baratos painéis solares de perovskita são imensas”, afirmou. A perovskita, no entanto, tem uma importante desvantagem: os cristais se decompõem em condições de umidade. Este é um grande problema para ser instalado numa área externa.
McGehee e outros agora estão buscando elementos alternativos que possam criar um composto mais estável. Além disso, ele está superpondo camadas de perovskita sobre silicone, num esforço para construir “células tandem” híbridas com eficiência amplificada a um pequeno custo extra. Ainda que o material apresente excelentes possibilidades, ele calcula que levará pelo menos uma década para superar os problemas da perovskita, caso isto seja realmente possível. “Trata-se de uma pesquisa de longo prazo e alto risco”, afirmou McGehee, e acrescentou: “Talvez funcione, talvez não”.
Eli Yablonovitch, professor do Departamento de Engenharia Elétrica e Ciências da Computação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, está desenvolvendo células de alto desempenho com camadas múltiplas de semicondutores. Cada uma delas é “sintonizada” para absorver diferentes comprimentos de onda de luz. Dividindo o espectro solar em cores separadas, estas células “multijunção” maximizam a coleta para cada uma delas, inclusive coletando energia das frequências infravermelhas invisíveis. Yablonovitch, que começou trabalhando em células fotovoltaicas como pesquisador da Exxon em 1979, afirma que o silicone já é uma “tecnologia ultrapassada”. Novos materiais como o arsenieto de gálio “absorvem talvez mil vezes mais fortemente que o silicone”, e acrescentou: “E podem ser excepcionalmente finos”.
Novos materiais e designs têm o potencial de romper um limite básico – o chamado “band gap” (a quantidade de energia necessária para que o elétron efetue a transição elétrica é chamada de gap de energia – band gap – ou Banda Proibida) – para a porção do espectro de luz que o silicone é capaz de transformar em corrente. Fótons com energias abaixo do “band gap” não são absorvidos, enquanto os que estão acima se transformam basicamente em calor. Ao contrário do silicone, a química dos novos compostos pode ser alterada para ajustar o “band gap” e aproveitar o número máximo de fótons.
Duas células de junção de arsenieto de gálio já atingiram por volta de 30% de eficiência, afirmou Yablonovitch. Com mais camadas, ele espera que elas possam finalmente chegar a 50%. “Acima de 30, a dificuldade é encontrar a forma apropriada de dividir o espectro solar em partes, e isto tem sido pesquisado com afinco. Eu tenho dito às pessoas já faz algum tempo: Se você está fazendo pesquisa, ela deve ser sobre uma eficiência de entre 30 e 50%”, afirmou Yablonovitch.
O material, no entanto, é caro e acrescentar camadas é complexo e custoso. Células multijunção são tão caras que por enquanto o uso é limitado a aplicações especializadas, como em satélites. Mas, Yablonovitch está convencido de que se a produção fosse em maior escala, os preços cairiam. Ele já viu isso acontecer antes: “Quando comecei com a energia solar 35 anos atrás… os preços dos painéis eram 100 vezes mais altos do que hoje”, diz.
Outros novos designs englobam quantum dots – cristais nanométricos capazes de confinar elétrons energizados e de ajudá-los a desprender-se de outros. O processo, chamado “geração múltipla de éxcitons”, tem o poder de recuperar um terço da energia luminosa que geralmente se perde na forma de calor. “Este terço de energia é um pedaço enorme que está sendo jogado fora”, diz Matthew Beard, cientista sênior do NREL que colabora no desenvolvimento de quantum dots no Center for Advanced Solar Photophysics do Laboratório Nacional de Los Alamos. Ele afirma que os quantum dots poderiam empurrar a eficiência para dentro da faixa das células multijunção a um custo muito mais baixo.
Montar os “dots” dentro da célula, no entanto, requer um “outro nível de química,” e os cientistas ainda estão trabalhando em como fazer isto. O nível mais alto de eficiência hoje em dia é um razoavelmente decepcionante 8,6 %. “Mas o encorajador é que há progresso”, diz Beard, e acrescenta: “Começamos com 2 ou 3% em 2009, e agora estamos perto de 9”. Ele afirma ainda que, teoricamente, células solares com apenas uma camada de quantum dot poderiam transformar até 45% da energia solar em eletricidade.
Até o silicone está procurando alcançar uma porção maior do sol. A fábrica de painéis de telhado SunPower, com sede na Califórnia, acaba de anunciar que dará início a uma produção massiva de células de silicone com eficiência de 25 % – só um ponto abaixo do máximo do elemento na prática – para o mercado doméstico de placas solares em 2017. O ganho na eficiência vem de alterações no método que aumentam a capacidade do material de estocar cargas. Ajustes no design também permitem mais luz na parte frontal da célula. Enquanto os novos painéis serão mais caros inicialmente do que os modelos atuais, o aumento na potência tornará a eletricidade mais barata no fim das contas, é o que afirma o CEO da SunPower , Tom Werner. “Esperamos que isso tenha um significativo impacto de queda no preço com o tempo”, afirmou. Estas são apenas algumas das perspectivas para o incremento da eficiência fotovoltaica num campo repleto de grandes novas ideias, como o reaproveitamento de discos blu-ray na absorção de luz ou a “tinta solar” com diminutas partículas coletoras de luz incorporadas que transformam paredes em painéis fotovoltaicos.
Em geral, a inovação na energia solar tem sido dificultada pela baixa prioridade dada pelos países à pesquisa e desenvolvimento de energia limpa, segundo a IEA. A Agência informa que, em média, governos em países desenvolvidos gastam no mínimo seis vezes mais em pesquisa sobre defesa do que em pesquisa sobre energia. Tecnologias promissoras também cambaleiam por falta de interesse comercial, de acordo com os pesquisadores. “A única forma de que possa tornar-se um produto é que as empresas também vejam isto como uma vantagem, e vejam o futuro disto e comecem a investir”, diz Beard sobre seus quantum dots. “O mero esforço da nossa pesquisa não vai conseguir pegar isto e transformá-lo num produto”, acrescenta.
A pulverização das políticas energéticas é outro obstáculo para o progresso da energia solar nos Estados Unidos, segundo o professor de energia e recursos da UC Berkeley, Daniel Kammen. “Poucos Estados têm programas solares de alta qualidade. Os programas de maior sucesso na Europa encontraram formas de incentivar a energia solar no âmbito doméstico ou do pequeno negócio”. Estímulos como as chamadas tarifas “feed-in”, por exemplo, permitem que proprietários de sistemas de tetos solares revendam eletricidade à rede a preços vantajosos. Califórnia, Nova Jersey e Nova York já têm este tipo de programas, diz Kammen, “mas são apenas iniciativas isoladas”.
Nos EUA um crédito fiscal nacional para instalações domésticas de energia solar e outras fontes renováveis está previsto para expirar no final de 2016. Caso o próximo Congresso não o renove, também poderia significar um duro golpe para o desenvolvimento da energia solar. Mesmo sem novas e avançadas tecnologias, no entanto, Kammen prevê que a energia solar continuará a crescendo. Seus estudos estão orientados a fornecer um terço de toda a energia gerada em lugares como o Oeste dos EUA em 2050. “Isto significa que a energia solar seria ainda maior do que o gás natural hoje em dia. É, portanto, uma mudança realmente muito grande”. Contudo, “é importante permanecermos atentos tanto à distribuição quanto à inovação”, diz Kammen, e acrescenta: “Precisamos presenciar uma inovação contínua”. (Eco21/ #Envolverde)
Cheryl Katz é jornalista científica, especialista em mudanças climáticas. Colaboradora da Yale Environment 360.
** Publicado originalmente na edição 220 da Eco21.
(Eco21)