Talvez não haja exemplo mais adequado da prevalência da lógica financeira no mundo do que o recente lançamento do plano do governo norte-americano para enfrentar mudanças climáticas (Estado, 26/6). Na ocasião, disse o presidente Barack Obama que se recusava a “condenar esta e as futuras gerações a um planeta que esteja fora de controle”. Por essa razão estabelecia como metas reduzir emissões de poluentes na produção de energia, adaptar cidades aos eventos climáticos extremos que já acontecem e colaborar para um acordo global a ser firmado em 2015 e que estabeleça metas obrigatórias de redução de emissões de todos os países a partir de 2020. Para isso propõe reduzir as emissões de usinas termoelétricas dos EUA, ampliar em 30% o orçamento para geração de energia limpa e até 2020 aumentar a produção desta em usinas eólicas e solares. Só que, ao mesmo tempo, concorda com a construção de um pipeline para levar mais petróleo do norte do Canadá até o Golfo do México, “se não agravar os problemas do clima” (COMO?). Mas já se sabe que, mesmo sem o pipeline, o petróleo – que aumentará as emissões no Canadá e nos EUA e complicará a situação no Ártico – será transportado por via férrea.
Não é um problema apenas da maior economia global. A última reunião da Convenção do Clima (em Bonn), preparatória para a assembleia mundial que será realizada em Varsóvia em novembro, terminou há poucos dias em impasse que paralisou tudo. Rússia, Ucrânia e Bielorrússia travaram as propostas ao exigirem que se revisse a discussão sobre um acordo global em 2015, a vigorar em 2020, que obrigue todos os países a aceitar metas de redução de emissões. É um segredo de polichinelo que esses três países até torcem em silêncio por um aumento da temperatura que acelere o derretimento da camada de gelo na Sibéria e permita extrair mais – e a menores custos – minérios como cobalto, níquel, estanho e outros, além de liberar novas áreas para a agricultura.
Já a China é o país que mais está investindo em energias como a eólica e a solar, mas também assumiu o primeiro lugar em emissões, superando os EUA. E, certamente, é o país onde morrem mais pessoas por causa da poluição – menciona-se até 1,2 milhão em um ano (Instituto Carbono Brasil, 18/6).
Chega-se ao nosso quintal. Embora com possibilidade de ter matriz energética limpa e renovável – com hidreletricidade, eólica, solar, de marés, geotérmica, de biomassas -, o governo brasileiro programa leilão para novas usinas excluindo as eólicas, já competitivas com as outras fontes em termos de preços, e privilegia usinas a carvão mineral, a fonte mais cara e poluidora. Segundo declaração do diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – já comentada neste espaço (14/6) -, “se colocar todas as fontes em leilão obviamente a eólica vai ganhar”. E ponto final. Não importa se as eólicas geram energia sem poluir e a preços muito menores.
De que valem advertências como a da secretária-geral da Convenção do Clima, Christiana Figueres, que aprovou algumas intenções do plano do presidente Obama, mas disse que “ainda é pouco para enfrentar o vulto dos problemas na área”? Ou as da Agência Internacional de Energia (AIE), de que “o mundo não está no caminho para atingir o objetivo de impedir que a temperatura do planeta ultrapasse 2 graus Celsius até 2050″ (10/6)? E as consequências poderão ser gravíssimas – como um aumento entre 3,6 e 5,3 graus. As emissões continuam crescendo – mais 1,4% em 2012, com um recorde histórico, apesar de alguma redução nos EUA (200 milhões de toneladas) e na Europa (50 milhões de toneladas).
Segundo o relatório da AIE, “podemos esperar a intensificação de eventos extremos” – tempestades, incêndios, ciclones, ondas de calor mais frequentes, aumentos da temperatura, elevação do nível do mar. “Energia é o maior desafio”, pois essa área responde por dois terços das emissões. E 80% da energia vem de combustíveis fósseis, que continuam a ser subsidiados no mundo. Qual é a lógica, senão a financeira?
Os rumos no Brasil também são preocupantes, pois o setor de energia, entre 2005 e 2010, respondeu por 21,5% das emissões. E pelo menos 10% dessa produção é desperdiçada. As cidades e a agricultura já sentem os efeitos de temperaturas mais altas e outros problemas climáticos, que se refletem principalmente no campo das exportações, com perdas de R$ 5 bilhões no ano. E na necessidade de fazer “migrar” algumas culturas, como já ocorreu com a do café, que deixou os Estados de São Paulo e do Paraná em busca de terras mais altas em Minas Gerais que anulassem o aumento de um grau na temperatura, que prejudica a floração e a produtividade. Mas a temperatura em Minas também está subindo.
Segundo estudo recente da Universidade de Tóquio, divulgado pela Nature Climate Change em junho, o aquecimento e o risco de inundações no fim deste século poderão chegar a 42% da superfície terrestre, com mais gravidade no Sudeste da Ásia, na África e na região dos Andes (que verte água para bacias brasileiras). Para reverter o quadro seria preciso impedir – diz o Comitê Climático da Austrália (17/6) – que 80% das reservas de combustíveis fósseis sejam utilizadas. Até 2050 não poderia ser ultrapassado um total de 600 bilhões de toneladas de poluentes, para chegar a zero naquele ano. Mas no ritmo atual as emissões serão muitas vezes maiores que esse limite.
Nova York já tem um projeto de US$ 20 bilhões para instalar diques, comportas e restaurar pântanos. A Holanda, com dois terços da população vivendo em áreas abaixo do nível do mar, já dedica 1% de seu orçamento aos diques, canais, barreiras de areia e até casas flutuantes. Bangcoc, na Tailândia, implanta barreiras.
E de pouco adianta a atitude cética diante do problema, que privilegia a lógica financeira. De 4 mil estudos acadêmicos publicados em 20 anos, 97,1% atribuíram as mudanças do clima a ações humanas.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.