Lei de resíduos sólidos não foi cumprida. E agora?
Lixão em Campinas, no interior de São Paulo. O problema continua. Foto: Carlos Bassan / Prefeitura de Campinas

O País precisa de uma inevitável reflexão sobre acontecimentos tão previsíveis como a incapacidade das prefeituras de lidar com o lixo.
Tenho acompanhado atentamente os muitos comentários e análises de variados especialistas a respeito dos desdobramentos do não cumprimento do prazo para que os prefeitos de todas as cidades brasileiras dessem um ponto final aos seus lixões. Nos dias posteriores ao prazo final para o cumprimento da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, 2 de agosto, foram divulgados relatórios, realizados eventos e elaboradas inúmeras teorias para justificar o chocante fato de ainda existirem no Brasil cerca de 3.500 lixões ativos em todas as regiões brasileiras, número cujo significado é o descumprimento da lei por 60,7% dos municípios.
O resultado a demonstrar o fragoroso descumprimento da lei pela maioria só surpreendeu os ingênuos. Era notória a falta de movimento e de ações efetivas de nossas autoridades municipais.
O problema está distribuído por todo o País, quase sem exceções. Só no Nordeste a existência de lixões ainda é uma realidade em mais de 1.500 municípios. A situação também é grave entre algumas capitais como Porto Velho, Belém e Brasília. O Distrito Federal representa um caso vergonhoso, pois tem o chamado Lixão da Estrutural, o maior da América Latina, com uma extensão correspondente a 170 campos de futebol e altura equivalente a 50 metros de lixo.
A Lei 12.305, denominada de Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, entrou em vigor em 3 de agosto de 2010, concedendo prazo até agosto de 2012 para os municípios apresentarem seus planos de gestão integrada de resíduos sólidos (art. 55) e até o último dia 2 de agosto de 2014 para o encerramento dos lixões (art. 54). A primeira data relativa à obrigatoriedade das prefeituras para a entrega dos planos já havia sido amplamente descumprida, portanto, difícil seria imaginar que a segunda seria contemplada com mais tranquilidade.
E um fato ainda mais interessante e curioso de toda essa discussão é que não foi a LPNRS a determinar o fim dos lixões em todo o país. A disposição ambientalmente adequada de rejeitos em aterros sanitários (locais capazes de evitar contaminações, danos à saúde humana e maiores impactos ambientais) já estava prevista em uma antiga portaria de número 053/1979 do Ministério do Interior. Ela condenava o descarte em lixões e, desde 1981, a poluição ambiental passou a ser considerada crime. Anos mais tarde, a Lei 9.605 de 1998 acrescentou a necessidade de se obter o licenciamento ambiental para o descarte de materiais, coisa que, obviamente, nenhum lixão teria condições de conseguir.
Registros históricos à parte, entramos no mês de agosto com uma massa de prefeitos de todos os cantos do Brasil rotulados como “foras da lei”. Pela letra fria do texto da LPNRS esses dirigentes municipais que ainda despejam os resíduos de suas cidades em lixões podem ser presos, perder o mandato e pagar uma multa de até 50 milhões de reais dependendo dos variados graus de descumprimento da lei. O município também poderá deixar de receber repasses de verbas do governo federal, o que seria fatal para o orçamento de uma quantidade enorme de cidades que dependem desse dinheiro para sobreviver.
E agora? O que fazer?
Diante desse quadro de cores fortes e perturbadoras, as opções que estão sendo colocadas de maneira mais incisiva vão da punição imediata até a extensão do prazo para o cumprimento da lei. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi uma das primeiras a se manifestar em nome do governo federal, contra a prorrogação do prazo. No sentido contrário, uma emenda ao projeto de lei apresentado pelo deputado federal Manoel Junior (PMDB-PB) joga para mais 8 anos o cumprimento da lei. Importante lembrar que em ano eleitoral pouca coisa irá mudar se tivermos que esperar ações do governo ou do Congresso Nacional.
Talvez, antes de definir os novos passos de implementação da lei e diante dessa nova realidade, melhor seja conhecer com mais detalhes o que se passou nesse período desde a aprovação da lei no Congresso Nacional em 2010. Será mesmo possível classificar todos esses milhares de prefeitos como irresponsáveis e pouco preocupados com a saúde e o futuro de suas populações?
Bem, não foi isso o que a senadora Vanessa Grazziotin do (PCdoB-AM) apresentou em seu relatório na Subcomissão Temporária de Resíduos Sólidos no Senado Federal. Após reunir informações de seis audiências públicas relacionadas ao tema, ela constatou que existem inúmeros fatores que levaram ao descumprimento dos prazos, entre os quais, ela cita o caso do seu estado. No Amazonas, afirma Grazziotin, todos os municípios apresentaram o planejamento para a desativação dos lixões, mas não puderam executar por falta de recursos e acesso a verba federal. Nessa situação seria possível dividir um pouco da responsabilidade entre o Governo Federal e os municípios.
A própria Confederação Nacional dos Municípios em diversos encontros, realizados nos últimos anos, revelava a preocupação de seus associados quanto às dificuldades que encontravam para elaborar seus planos e a falta de apoio tanto em pessoal técnico qualificado como em garantia de verbas para coloca-los em prática.
Avanços apesar de tudo
Mas todo esse cenário não é composto apenas de más notícias. Um estudo da Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) concluiu que, atualmente, 40% de todo o lixo produzido no Brasil ainda tem destinação inadequada. Só que esses números são bem mais interessantes que os 88% registrados em 1989, quando os nossos resíduos produzidos a cada dia tinham como destino lixões a céu aberto sem qualquer cuidado ou tratamento. Isso graças a chegada da Lei Nacional de Resíduos Sólidos mesmo com todos os problemas de cumprimento apresentados até aqui.
Também podemos somar outro grande benefício que são os investimentos do poder público no apoio às cooperativas de catadores. Hoje o Brasil possui, segundo a Abrelpe, cerca de 30 mil profissionais cooperados para um universo de 800 mil catadores que vivem dessa atividade. Pouco claro, mas que eram menos ainda num passado não tão distante.
É óbvio que os números vinculados aos avanços podem ser vistos como tímidos e insuficientes. Por outro lado, fechar os olhos para o que foi conseguido e apenas lamentar e criticar pouco irá contribuir para uma mudança real nesse estado de coisas. Entre passar a mão na cabeça dos prefeitos ou puni-los com o rigor e a espada da lei, fico com um meio termo que busque efetivamente o caminho de uma solução positiva e duradoura em prol da saúde das pessoas e do meio ambiente.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)