Colombo, Sri Lanka, 31/10/2014 – Uma enorme fração das florestas e reservas naturais nos mercados emergentes é entregue em regime de concessão a empresas comerciais, ignorando os povos indígenas que ali vivem há gerações, afirma um estudo publicado ontem. “As concessões sem o conhecimento ou a aprovação das pessoas por elas afetadas diretamente é, obviamente, uma questão de direitos humanos de grave preocupação”, afirma o estudo da Iniciativa de Direitos e Recursos (RRI), uma organização com sede em Washington.
Ao mesmo tempo, “também pode ter um impacto financeiro real, que não preocupa apenas as empresas com operações no lugar”, pontua o documento. Também diz que as comunidades indígenas habitam mais de 99% das terras utilizadas pelas empresas comerciais mediante concessões que, em alguns casos, correspondem a grandes extensões do território nacional.
No Peru, esse número chega a 40% do território, enquanto na Indonésia equivale a 30%, ou, aproximadamente, 500 mil quilômetros quadrados. “Na maioria dos casos os governos sentem que é mais fácil e simples trabalhar sem a participação das comunidades indígenas”, apontou Bryson Ogden, analista da RRI. Enquanto empresas e governos chegam a um acordo sobre as terras como se estivessem desabitadas, quando se inicia o trabalho dos projetos comerciais, sempre há um choque com a população para quem essa terra é seu lar tradicional.
O prejuízo econômico resultante desses enfrentamentos pode chegar a milhões de dólares. Um recente artigo da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos diz que uma companhia – que não identifica – relatou perdas de US$ 100 milhões em um só ano, devido às paralisações forçadas pelo conflito com a comunidade local.
Uma investigação econômica, intitulada Os Conflitos Expressam o Risco Ambiental e Social em Custos Empresariais, da Bolsa de Valores da Austrália, realizada em 2012 pela empresa financeira Credit Suisse, identificou um impacto negativo de US$ 21,4 bilhões australianos no preço das ações de empresas afetadas pelos conflitos. Para Ogden, apesar dessas perdas, a tendência mundial continua sendo a de deixar de lado as populações indígenas ao serem feitos os acordos de concessão. “Continuam invisíveis na maioria desses contratos”, ressaltou.
Essa invisibilidade no papel pode ser fatal na terra. Em Kalimantan do Sul, a parte indonésia da ilha de Bornéu, houve graves incidentes de violência entre a polícia e os ativistas durante um protesto este mês, contou à IPS a ativista Mina Setra, subsecretária-geral da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago (Aman), da Indonésia. Esses fatos não são exceção. No começo deste ano, uma investigação da organização ecologista Global Witness concluiu que, entre 2002 e 2013, morreram de forma violenta 903 pessoas dedicadas a proteger o ambiente.
Durante o período investigado, 41 pessoas perderam a vida nas Filipinas por sua oposição aos interesses dos mineradores. No Brasil, somente em 2012, cerca de 68% de todos os assassinatos vinculados à terra foram resultado de disputas pelo desmatamento na Amazônia. Os ativistas que enfrentavam processos judiciais careciam de redes locais e internacionais que pudessem ajudá-los, acrescenta o documento.
“O problema é que ainda não há reconhecimento dos direitos dos povos indígenas”, afirmou Setra. Com ajuda de outras organizações ambientalistas, a Aman pressionou por quatro anos o parlamento indonésio para que adaptasse uma lei de reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas. A aprovação da iniciativa estava prevista para este mês, mas o governo mudou, bem como os funcionários no poder. “Agora voltamos à estaca zero”, lamentou.
Por seu lado, Ogden disse haver indícios de que algumas transnacionais começam a considerar os direitos das comunidades indígenas sobre suas terras, mas Setra afirmou que, enquanto não houver reconhecimento jurídico, é improvável que os acordos comerciais os contemplem. “As empresas nos perguntam sob quais termos se pode reconhecer essas comunidades, e não temos uma resposta efetiva enquanto não houver uma lei”, acrescentou.
Para os ativistas, trabalhar nessa ambigüidade pode ser fatal. Um exemplo é o caso de Aleta Baun, ativista de Timor Leste, a parte indonésia da ilha de Timor, que em 2000 começou uma campanha para deter as operações de mineração que afetavam a vida dos molos, a tribo à qual pertence. Ela foi atacada, apunhalada e ameaçada de morte e violação. “A maior parte do tempo trabalhamos sem nenhum tipo de proteção e enfrentamos organizações com muito dinheiro e apoio estatal”, afirmou a ganhadora do Prêmio Ambiental Goldman de 2013.
No município brasileiro de Paracatu, em Minas Gerais, a maior operação de mineração de ouro do país, dirigida pela empresa Kinross com investimento total superior a US$ 570 milhões, os conflitos com a população indígena interromperam o trabalho em várias ocasiões desde 2008. As partes assinaram novo acordo em 2010, que permitiu o reinício das operações no ano seguinte.
No Peru, dois projetos de represas nos rios Tambo e Ene foram abandonados depois dos prolongados protestos e das medidas legais promovidos pela comunidade indígena ashaninka, que afirmava que as obras afastariam de seus lares entre oito mil e dez mil pessoas. Em 2008, os protestos das comunidades locais obrigaram o grupo Tata a se retirar de um investimento de US$ 350 milhões no Estado indiano de Bengala Ocidental, onde pretendia produzir automóveis Nano.
Os direitos da comunidade às florestas e outras reservas naturais são um fator cada vez mais importante para as operações comerciais, segundo o informe da RRI. “As populações locais são uma espécie de contraparte não reconhecida nos contratos de concessão, que frequentemente utilizam mecanismos legais para resolver suas reclamações com os concessionários”, acrescenta.
Para a RRI, “isso sugere que os direitos das comunidades locais sobre uma área têm um peso legal apreciável, embora os órgãos governamentais e os concessionários não lhes deem grande importância nas condições de seus acordos”. Envolverde/IPS
(IPS)