extrafigura1 629x433 Gás de xisto e terremotos crescem lado a lado no México
Mapa sismológico do Estado de Nuevo León, nordeste do México, entre outubro de 2013 e março de 2014. Foto: Universidade Autônoma de Nuevo León

Cidade do México, México, 31/3/2014 – Os cientistas alertam: a exploração em grande escala de gás depositado em rochas de xisto, programada pelo consórcio estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), vai agravar o quadro sismológico do norte do país, uma região já propensa aos tremores de terra. Os especialistas vinculam a sequência de tremores de 2013, nos Estados de Tamaulipas e Nuevo León, no norte, com a exploração e prospecção de gás nas bacias gasíferas de Burgos e Eagle Ford, esta última compartilhada com o Estado do Texas, nos Estados Unidos.
A conclusão do pesquisador Ruperto de la Garza é clara, ao identificar uma ligação entre os movimentos telúricos e a fratura hidráulica, conhecida como fracking por seu nome em inglês. Esse método extrai o gás das rochas de xisto, ardósia ou argila compactada onde está represado, mediante seu rompimento horizontal a grande profundidade.
“O resultado final é o deslocamento da estrutura geológica, para permitir que, ao ser pulverizado, o gás possa escapar”, contou à IPS esse especialista da consultoria Gestão Ambiental e de Riscos, de Saltillo, capital do Estado de Coahuila, também no norte. Com esse objetivo são introduzidas substâncias químicas o que, “ao desagregar as partículas de lutitas (rochas sedimentares), faz com que a terra se reacomode”, afirmou. “Não é surpresa haver acomodações de terra. No pecado está a penitência”, assegurou.
De la Garza também traçou um exaustivo mapeamento dos movimentos sísmicos de 2013 e das áreas gasíferas de prospecção ou perfuração comercial. Sua descoberta, divulgada no dia 22, é que existe coincidência entre as duas atividades.
Estatísticas do Serviço Sismológico Nacional mostram um aumento na intensidade e na frequência dos tremores em Nuevo León, onde foram registrados pelo menos 31 entre 3,1 e 4,3 graus de intensidade na escala Richter. A maioria desses sismos ocorreu em 2013. Também foram registrados, de 2 a 3 deste mês, os de maior intensidade, segundo registraram os sismógrafos oficiais. De la Garza considera maiores as quantidades de tremores nesse Estado no ano passado e no que vai de 2014.
A bacia de Burgos se estende pelos Estados de Nuevo León, Tamaulipas e Coahuila (ao norte) e abriga grandes reservas de gás convencional, que começaram a ser explorados na década passada. Nesses depósitos também há, segundo prospecções, gás de rochas. Desde 2011, a Pemex perfurou ao menos seis poços em rochas de xisto, ardósia ou argila compacta em Nuevo León e Coahuila. Também desenvolve um novo projeto exploratório no norte do Estado de Veracruz.
A empresa identificou cinco regiões com potenciais recursos de gás não convencional, do norte de Veracruz até Chihuahua, na fronteira com os Estados Unidos. A Administração de Informação de Energia (EIA), dos Estados Unidos, situa o México em sexto lugar mundial em reservas de gás não convencional tecnicamente recuperável, atrás de China, Argentina, Argélia, Estados Unidos e Canadá, em um exame de 137 depósitos em 41 países.
A recuperação do gás de xisto exige grande volume de água, e a escavação e fratura horizontal geram enorme quantidade de resíduos líquidos. Estes podem conter químicos dissolvidos e outros contaminantes que requerem tratamento antes de serem jogados fora, segundo a organização ambientalista Greenpeace.
O estudo Sismologia no Estado de Nuevo León, publicado em janeiro, conclui que os tremores no nordeste do México estão associados tanto a estruturas naturais com a ações humanas que modificam as rochas e as pressões nos fluidos próximos à superfície. O informe, elaborado por acadêmicos da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Autônoma de Nuevo León, atribui vários tremores ocorridos desde 2004 a atividades como a extração de gás natural e não convencional na bacia de Burgos.
O relatório assegura que também influi a superexploração de aquíferos por cultivo de batata na zona limítrofe entre Coahuila e Nuevo León, bem como a exploração de barita neste último Estado. Até 2044, foram perfurados 4.881 poços de água na bacia, e atualmente o número chega aos sete mil.
O estudo sobre o impacto ambiental do Projeto Regional Petroleiro Poza Rica Altamira e Aceite Terciario do Golfo 2013-2035, que se estende pelos Estados de Veracruz, Hidalgo (centro) e Puebla (sul), antecipa uma alta da demanda de água para o fracking e exploração do gás de xisto no norte do país, onde é escassa. O documento, de 844 páginas, ao qual a IPS teve acesso, foi enviado no dia 10 deste mês pela Pemex ao Ministério do Meio Ambiente para seu aval, e enumera obras projetadas, como construção de caminhos e represas metálicas, os grandes tanques de armazenamento da água destinada à multifratura.
O documento estabelece que para cada dez multifraturas seriam necessários cerca de 12.718 metros cúbicos de água. Além disso, calcula que a produção mexicana de gás atingirá, em 2026, cerca de 11,472 bilhões de pés cúbicos por dia, os quais viriam da maior produção de gás de xisto dos depósitos de Eagle Ford e La Casita, que cruzam Chihuahua, Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas.
Em 2026, o gás natural não associado representará 55% da produção total desse hidrocarbono, enquanto o restante será fornecido pelas jazidas não convencionais do norte do país, cuja produção se prevê que aumentará até então ao ritmo de 8,6% ao ano. A previsão é de que a produção de gás não convencional estará a cargo de empresas privadas, após a reforma energética que foi promulgada em dezembro e que abre os setores dos hidrocarbonos e da eletricidade ao capital estrangeiro.
Os estudos mexicanos se somam a outros feitos nos Estados Unidos, que também vinculam as cadeias de sismos no centro e sul do país vizinho com a exploração de gás de xisto. A análise Terremotos Significativos (Induzidos?) no Centro e Leste dos Estados Unidos Desde 2008, realizada em 2012 por três investigadores do Serviço Geológico norte-americano, identificou 683 tremores desde 2008 de magnitude 4 na escala Richter.
Esse documento, que também menciona sismos em Chihuahua e Nuevo León, detalha seis modalidades de injeção de fluidos em profundidade, entre elas líquidos para a fratura hidráulica. Segundo De la Garza, os tremores “vão se agravar com a maior exploração. No governo estão enganados. O fracking deve ser proibido”. Envolverde/IPS
(IPS)