Segundo especialistas, conservação florestal deve incluir o manejo de bacias hidrográficas
Um estudo publicado na revista científica Conservation Letters esta semana constatou que os ecossistemas de água doce na Amazônia são altamente vulneráveis à degradação ambiental. Ecossistemas de rios, lagos e pantanal—que abrangem aproximadamente um quinto da área da bacia amazônica–estão sendo cada vez mais degradados pelo desmatamento, poluição, construção de barragens e hidrovias, e sobre-exploração de espécies vegetais e animais.
O estudo foi conduzido pelo Dr. Leandro Castello, pesquisador associado do Woods Hole Research Center (WHRC), em colaboração com cientistas de diversas instituições nos Estados Unidos e no Brasil, entre eles o Institut de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Universidade da Califórnia em Santa Barbara (UCSB), e The Nature Conservancy (TNC).
Danos aos ecossistemas de água doce da Amazônia têm grande impacto a muitos amazônidas, que historicamente têm sido tão dependentes de bens e serviços dos ecossistemas de água doce que chegaram a ser chamados dos “povos da água”. O atual consumo médio per capita de peixe na Amazônia Brasileira é de 94 kg / ano pelas populações ribeirinhas, que é quase seis vezes a média mundial. O aumento da pressão da pesca diminuiu o tamanho das espécies exploradas, em parte devido ao esgotamento progressivo de espécies de grande porte e alto valor. Um século atrás, o comprimento médio máximo das principais espécies colhidas na bacia era de mais ou menos 206 centímetros, hoje ele é de aproximadamente 79 cm.
A ciência e as políticas públicas ambientais na Amazônia têm se concentrado em grande parte nas florestas, e sua biodiversidade e carbono. Três décadas de esforços têm gerado uma compreensão da ecologia da floresta, e levado ao estabelecimento de uma rede de áreas protegidas, em grande parte destinadas a preservar as florestas e sua biodiversidade. Pouca atenção, porém, tem sido dada aos ecossistemas de água doce, que através do ciclo hidrológico são interligados a outros ecossistemas locais e mais distantes, sendo altamente sensíveis a uma ampla gama de impactos humanos.
“Apesar de algumas proteções terrestres que são sofisticadas para os padrões globais, este artigo mostra as principais lacunas na proteção de sistemas e espécies de água doce na Amazônia”, comentou Robin Abell, biólogo Sênior em Conservação de Água doce da World Wildlife Fund. A bacia do Rio Madeira, por exemplo, está ameaçada pela exploração do petróleo, desmatamento e construção de represas em suas cabeceiras, apesar de áreas protegidas cobrirem 26% da área da bacia. “As pressões detalhadas pelos autores precisam ser tratadas agora, antes que as oportunidades de conservação sejam perdidas”, advertiu Abell. “A restauração pode ser muito mais cara do que a proteção.”
A principal ameaça aos ecossistemas de água doce da Amazônia é a alteração em larga escala da hidrologia natural da bacia. “Há um total de 154 usinas hidrelétricas em operação, 21 em construção, e planos de construir 277 barragens adicionais no futuro. Há também milhares de pequenas barragens localizadas em pequenos córregos para fornecer água para o gado”, observou a co-autora Marcia Macedo, do WHRC. “Esses projetos de infraestrutura, em conjunto com o desmatamento induzido por alterações regionais das chuvas, poderiam mudar fundamentalmente a hidrologia de sistemas de água doce da Amazônia”, acrescentou. O estudo sugere que, se não controlada, estas alterações hidrológicas poderiam interromper migrações de peixes e os rendimentos associados à pesca, ameaçando a subsistência ribeirinha e segurança alimentar.
A proteção adequada dos ecossistemas de água doce da Amazônia requer ampliação do foco de gestão ambiental vigente centrado na floresta e as estratégias de conservação para abranger os ecossistemas aquáticos. Se construirmos sobre áreas protegidas já existentes, é possível desenvolver uma estrutura de manejo e conservação que protege os ecossistemas aquáticos e terrestres, efetivamente protegendo o sistema rio-floresta da Amazônia. A bacia amazônica abrange seis países, com o Brasil, Bolívia, Peru com a maior parte do território. Assim, “além dos esforços nacionais de conservação e gestão, a pan-Amazonica de manejo de bacias é indispensável”, disse a co-autora Dr. Laura Hess do Instituto de Pesquisa da Terra, da Universidade da Califórnia (UCSB).
“Há questões ambientais em todos os lugares, mas o caso de ecossistemas de água doce da Amazônia é diferente, porque ninguém fala sobre isso. Seu problema tem ficado escondido”, disse Castello. Enfatizando a necessidade de uma mudança de foco, acrescentou, “avanços significativos na conservação da Amazônia têm sido sobre o desmatamento porque o desmatamento tem sido estudado e monitorado ano após ano. Agora precisamos fazer o mesmo para estes ecossistemas aquáticos”.
Para acessar o estudo, clique aqui.
(IPAM Amazônia)