Universo Energético
Crise arruína infraestrutura em construção
Parte do Estaleiro Atlântico Sul, o maior dos instalados no Porto de Suape, em Pernambuco, onde já foram construídos navios petroleiros, depois de um lento arranque que ameaçou pôr fim ao projeto. Foto: Mario Osava/IPS
Os portos também sofrerão contenções em seu processo de multiplicação e ampliação ao longo das costas brasileiras, não apenas pela baixa na mineração. Contra eles joga principalmente a crise petroleira do Brasil, devido à queda de preços e principalmente pelo escândalo de corrupção que afeta a Petrobras.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 4/9/2015 – Além de desequilíbrios macroeconômicos, como a queda do produto interno e as altas taxas de inflação e déficit público, o Brasil sofre pesadas perdas pela paralisação de muitos projetos petroleiros e logísticos. Grande parte da infraestrutura em construção responderia a um ciclo que se esgotou, o da demanda e dos preços de matéria-prima em alta.
A desaceleração econômica da China atingiu muito especialmente o minério de ferro, cujos preços caíram mais de 60% desde 2013. Em consequência, dificilmente serão viáveis várias jazidas enquanto perdurar esse quadro, como ocorrem com duas ferrovias em construção no nordeste do Brasil e agora de conclusão incerta.
A Ferrovia Oeste-Leste (Fiol), planejada para cruzar o Estado da Bahia e atingir áreas produtoras de soja, depende da entrada em operação de uma mina de ferro em Caetité, a 380 quilômetros de Ilhéus, a cidade costeira onde seria instalado o Porto Sul, um porto exportador. Situação semelhante enfrenta a ferrovia Transnordestina, mais ao norte, que unirá outra área de mineração e agrícola a dois portos já operacionais.
“Mas essa mina ainda nem mesmo existe”, ironizou Newton de Castro, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O minério ruim, com baixo teor de ferro, sai do mercado quando diminui a demanda, afetando as ferrovias que o transportariam”, disse à IPS este engenheiro com doutorado em sistemas de transporte, crítico dos “maus projetos” que proliferaram no Brasil nos últimos anos, para suprir uma suposta carência de infraestrutura.
As dúvidas sobre a viabilidade da mina de Caetité contaminaram o Porto Sul, onde a Fiol chegaria. A construção desse megaprojeto portuário ainda não começou e a da própria ferrovia está paralisada e foi excluída do plano governamental para ampliação das vias de transporte.
A Transnordestina avançou um pouco mais, favorecida pela existência dos dois portos de destino que também são complexos industriais: Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará. Entretanto, a mina de ferro e outros minerais, para a qual foram construídas, está abandonada desde a falência de seu proprietário, antes conhecido como o homem mais rico do Brasil, Eike Batista.
Outro grande projeto, a duplicação da Ferrovia de Carajás, da principal empresa mineradora do país, a Vale, tem melhor sorte. “Transportará minério de excelente qualidade e seu custo será baixo, porque se trata de ampliar uma infraestrutura já existente”, pontuou Castro.
A conjuntura de menor demanda e baixos preços “tirará do mercado as minas de exploração cara e as pequenas mineradoras”, favorecendo o predomínio das grandes, como a Vale, a anglo-saxônica Rio Tinto e a britânica AngloAmerican. O Brasil é o segundo produtor e exportador mundial de ferro, atrás da Austrália, e a Vale é a maior produtora do minério, que tem como principal mercado a China.
Os portos também sofrerão contenções em seu processo de multiplicação e ampliação ao longo das costas brasileiras, não apenas pela baixa na mineração. Contra eles joga principalmente a crise petroleira do Brasil, devido à queda de preços e principalmente pelo escândalo de corrupção que afeta a Petrobras.
O drástico corte nos investimentos da Petrobras diminui o programa oficial de desenvolvimento de uma ampla indústria naval, que compreendia dezenas de estaleiros distribuídos ao longo da costa brasileira para produzir navios, plataformas, sondas e outros equipamentos de exploração e produção de petróleo em águas profundas fora da costa.
A ferrovia de Carajás, que une a região onde se encontra uma nova e grande jazida de minério ferro da empresa Vale e o porto Ponta Madeira, na cidade de São Luís, em sua passagem por um povoado do Estado do Maranhão. Essa rede será ampliada e renovada, dentro de um dos projetos que não caíram com a atual crise no país. Foto: Mario Osava/IPS
A crise provocou a demissão de dezenas de milhares de operários e a suspensão das obras de muitos estaleiros e suas áreas portuárias. Só a empresa naval Enseada, contratada para produzir seis navios-sonda para a Petrobras até 2020, ao custo de US$ 4,8 bilhões, despediu quase todos seus sete mil trabalhadores desde 2014. Sua unidade ficou inconclusa, com 82% da obra pronta, sem utilidade. Outros elefantes brancos semelhantes somam um desperdício gigantesco de recursos, cuja recuperação parece pouco provável.
“O programa tinha bases irrealistas, a crise penaliza investimentos mal feitos e equivocados”, apontou Adriano Pires, economista especializado em planejamento energético e diretor da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura. O grosso do petróleo descoberto no Brasil está em jazidas sob o Oceano Atlântico. O entusiasmo para criar uma indústria nacional de equipamentos nasceu da descoberta, em 2006, de grandes reservas de petróleo debaixo de uma enorme camada de sal no fundo do mar, em profundidades próximas dos cinco mil metros, conhecidas com pré-sal.
As dificuldades para aproveitar essa riqueza exigem muita tecnologia, embarcações e grandes e complexos aparatos. O governo, então presidido por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), adotou um regime de exportação fortemente estatal, no qual a Petrobras assumiu um papel dominante. Além disso, foi decidido impor índices de nacionalização nos equipamentos utilizados, em torno de 60%, para impulsionar sua produção local. Dessa forma, proliferaram as plantas de indústria naval.
“Foi uma ilusão. A reserva de mercado não incentivou a eficiência, mas o desperdício, além de favorecer a corrupção”, afirmou Pires à IPS. “A recuperação será lenta e difícil, será preciso revisar tudo e será necessário um governo com credibilidade, ao contrário do atual. Exigirá um contexto regulatório que ofereça segurança jurídica para atrair investimentos”, acrescentou o especialista, um declarado opositor do atual governo de Dilma Rousseff, no poder desde janeiro de 2011.
“Petróleo e infraestrutura” são setores que podem impulsionar uma recuperação do crescimento econômico, superando a recessão vigente desde o ano passado, opinou Pires. Entre os analistas, há inclusive dúvidas sobre a viabilidade econômica da exploração do petróleo do pré-sal considerando o preço atual, inferior a US$ 50 o barril. “Isso não se avalia pelo preço do momento, mas no longo prazo, e estimo que o barril volte a ser cotado entre US$ 60 e US$ 70 dentro de cinco anos”, acrescentou.
Contrastando com os setores petroleiro, de mineração e ferroviário, o campo da eletricidade se salva da onda de projetos frustrados e obras desperdiçadas. “No Brasil há demanda reprimida, isso exige expansão do sistema elétrico no longo prazo, necessidade que não desaparece pela recessão, embora há dois anos a economia esteja em desaceleração. Pode-se, no máximo, adiar algumas metas”, destacou André Lucena, professor de Planejamento na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No Brasil, com 202 milhões de habitantes, “o consumo de eletricidade por pessoa é baixo, comparado com países desenvolvidos, por isso tende a crescer, por exemplo, pela incorporação de novos equipamentos elétricos e eletrônicos nas casas”, observou Lucena à IPS. Por isso, novas centrais hidrelétricas e térmicas nunca serão inúteis. Além disso, o fornecimento estável de eletricidade precisa de excedentes, “certa capacidade ociosa faz parte do mecanismo de operação do sistema, é benéfico”, acrescentou. Cotidianamente há “picos de consumo” que o sistema deve atender, para evitar apagões. Não se pode basear a geração e a distribuição elétrica pela média.
No Brasil predomina a geração hídrica, que é barata e por isso se mantém em operação sempre que há água suficiente. Atende cerca de dois terços da capacidade instalada no país. As termoelétricas, movidas por derivados de petróleo, gás ou carvão, produzem eletricidade mais cara e só são ativadas quando é preciso complementar a hidroeletricidade. “São construídas para ficarem ociosas a maior parte do tempo, mas não são inúteis”, afirmou Lucena. Envolverde/IPS
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