Em síntese, após duas semanas de debates e mais 31 horas depois do prazo marcado para encerramento, foi essa a conclusão (sintetizada no título deste artigo) da 20.ª reunião de representantes de mais de 190 países em Lima (Peru) para discutir como se fará para baixar as emissões de gases poluentes que se concentram na atmosfera e intensificam mudanças no clima. No primeiro semestre do ano que vem eles deverão concretizar suas propostas nacionais de redução de emissões, a serem levadas para uma reunião no fim do ano em Paris. E se forem aprovadas neste último encontro, vigorarão a partir de 2020.
Em Lima, entretanto, a própria secretária da Convenção do Clima já advertiu: “É irrealístico esperar um milagre para Paris daqui a um ano; não ficaremos no limite de emissões capaz de conter o aumento da temperatura até 2 graus Celsius” (Business and Financial News, 4/12). E para reduzir as emissões a zero em 2100, disse ela, será preciso que três quartos dos combustíveis remanescentes não sejam usados, permaneçam sepultados. Mas como chegar aí, tendo em vista interesses de empresas e governos em sentido contrário?
Lima foi um bom palco para o confronto de visões e interesses. O rascunho inicial do acordo que se pretendia, preparado pela secretária-geral da Convenção do Clima, tinha duas páginas, às quais cada país foi acrescentando adendos com suas propostas específicas, até chegar a 52. Havia parágrafos com mais de dez adendos às propostas de adaptação às mudanças climáticas, recursos para os programas, tecnologias. E, principalmente, para a necessidade de o acordo ser – ou não – “vinculante”, de cumprimento obrigatório, cobrável, e com metas explícitas de redução das emissões em cada país. As responsabilidades seriam “comuns, mas diferenciadas” entre os signatários. E ainda no primeiro quadrimestre do ano que vem deveriam ser comunicadas à secretaria, para preparar a discussão de meados do ano.
Os cientistas já advertiam: é preciso cortar emissões entre 40% e 70% e, até dezembro de 2015, obrigar os países a dizerem quais serão seus compromissos; os custos com a transição energética podem chegar a US$ 600 bilhões por ano. Os relatórios de ONGs presentes, por sua vez, diziam que nenhum país elaborara, até ali, políticas públicas satisfatórias. O Brasil, diziam, “teve desempenho particularmente vergonhoso” (O Globo, 11/12), por causa de desmatamento, aumento da frota de veículos, energias mais poluentes com secas. Outro relatório, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), afirmava que a “indústria agrícola” é responsável por 70% a 90% do desmatamento ou 15% a 18% das emissões, fora a parcela dos agrotóxicos. A ONU reiterava sua advertência de que 2014 será um dos anos mais quentes da História, possivelmente o mais quente.
Em Lima a China já dizia que só começará a reduzir suas emissões em 2030. A Índia não aceitava compromissos. A União Europeia exigia compromissos vinculantes e se comprometia a reduzir suas emissões em 40% até 2030 (sobre os níveis de 1990). Os Estados Unidos mantinham-se nos termos do acordo com a China, de reduzir suas emissões de 26% a 28% em 2025 (calculadas sobre as de 2005). Africanos e ilhas do Pacífico, mais sujeitos aos desastres climáticos – e com menos recursos -, esbravejavam contra os “ricos”.
“O risco é de revolta do Sul contra o Norte”, escrevia (The Guardian, 4/12) o respeitado cientista Nicholas Stern, consultor do governo britânico. E lembrava que o acordo não precisaria ser “legalmente vinculante” (Business Green, 8/12). Até a Igreja Católica entrou na discussão, com texto no National Catholic Reporter de poucos dias antes informando que “a ideia (do Vaticano) é convocar uma reunião de líderes das principais religiões numa cúpula ambiental denominada A Teologia, a Ecologia e o Verbo”. Porque “as forças do mercado, por si sós, sem nenhuma ética e ação coletiva, não podem resolver as crises inter-relacionadas de pobreza, exclusão e meio ambiente”. E mais: “O desafio das mudanças climáticas é também questão de moral religiosa e de valores como justiça e inclusão social, a obrigatória solidariedade com as gerações futuras e a obrigação de cuidar da Terra, que é nosso hábitat”.
Não foi cômoda a posição do Brasil, que manteve a proposta de lutar pela “responsabilidade comum, mas diferenciada” de todos os países, num sistema que chamou de “diferenciação concêntrica”, em que os países industrializados assumissem suas responsabilidades históricas nas emissões (desde o início da Revolução Industrial); já os “emergentes” assumiriam num nível diferente as emissões – porém quantificadas – e os “pobres” estariam isentos de cortes. O acordo seria “vinculante” a partir de 2015. Essa proposta, contudo, já desaparecera do rascunho final discutido.
O texto aprovado na 31.ª hora estabelecia a condição “vinculante” do acordo a ser discutido em 2015 (que a Union of Concerned Scientists considerou “muito fraco” e “incapaz de conter a elevação de temperatura em 2 graus Celsius”) . Pelo texto de cinco páginas aprovado, os países mais ricos arcarão com os custos de investimentos dos pobres em tecnologias para mudar fontes energéticas, assim como no custo de socorrer em desastres ambientais, principalmente em países insulares. Até abril de 2015 cada país deverá explicitar em quanto serão reduzidas suas emissões de poluentes. China, Índia e Brasil também deverão reduzi-las. Caberá à ONU dizer se os cortes serão suficientes.
A esta altura, pode-se perguntar: e por que não se volta – nem o Brasil defendeu isso – à proposta brasileira em Kyoto (1997), de que cada país deveria reduzir suas emissões somando às históricas as emissões atuais – e calculando em quanto contribui para as mudanças do clima? Aprovada em tese, nunca mais foi discutida. Por quê? Retiraria os argumentos de todos?
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
(O Estado de S. Paulo)