A presidente Dilma Rousseff cumprimenta sua principal adversária, Marina Silva, durante o segundo debate entre os candidatos à Presidência, no dia 1º de setembro. Foto: Cortesia do UOL
Rio de Janeiro, Brasil, 9/9/2014 – Muitos fatores e analistas apontam para um possível triunfo de Marina Silva como a primeira mulher negra e amazônica a chegar à Presidência do Brasil, mas as campanhas eleitorais no país costumam sofrer mudanças inesperadas, como a que a tornou favorita nas últimas semanas.
Como candidata da oposição, Marina Silva se beneficia da conjuntura econômica. Recessão no último semestre, inflação elevada, deterioração fiscal e contas externas ameaçadoras minam a reeleição de Dilma Rousseff, primeira mulher a presidir o país, desde 2011. Os economistas mais midiáticos atribuem a culpa à sua própria má gestão.
As pesquisas mostram um sustentado avanço da Marina Silva desde que substituiu o candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, morto em acidente aéreo no dia 13 de agosto. Ela empataria com Dilma na votação de 5 de outubro, segundo duas pesquisas divulgadas no dia 3, e a superaria no segundo turno, marcado para 26 de outubro, com vantagem de sete pontos percentuais, 46% a 39% em uma pesquisa e 48% a 41% em outra. Seu impulso, porém, desacelerou no final de agosto.
“O desejo de mudança” na sociedade é um dos fatores cuja soma torna “irreversível” a tendência favorável a Marina Silva, disse Demétrio Valentini, influente bispo católico, em entrevista ao jornal econômico
Valor. De todo modo, duas mulheres como as principais candidatas é uma grande novidade na política brasileira, cujo domínio masculino se reflete no parlamento, onde a representação feminina não chega a 10% das cadeiras.
A reeleição de Dilma Rousseff parecia quase segura até a segunda semana de agosto, quando caiu o avião em que Campos, pouco conhecido nacionalmente apesar da grande popularidade em Pernambuco, que governava desde 2007. A irrupção da vice na chapa de Campos transtornou o processo.
Sua força eleitoral é conhecida desde as eleições presidenciais de 2010, quando obteve 19,6 milhões de votos, ou 19,3% do total como representante do pequeno Partido Verde (PV). A surpresa a lançou como líder opositora, deslocando Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que durante 20 anos foi a alternativa de poder ao Partido dos Trabalhadores (PT) de Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011).
Também a ajudou o fato de Marina Silva saber captar, melhor do que ninguém, o descontentamento popular manifestado nas maciças mobilizações de rua em junho de 2013, uma espécie de rebelião de “indignados” brasileiros contra os políticos em geral. Um dos efeitos desses protestos foi derrubar os altos índices de aprovação que o governo desfrutava.
Dilma recuperou parte de sua popularidade, mas sem superar uma forte rejeição por parte do eleitorado, que é seu calcanhar de Aquiles em um segundo turno.
Segundo pesquisa divulgada no dia 3 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública, 31% dos entrevistados disseram que não votarão na presidenta em hipótese alguma, um índice que cai para 12% com relação a Marina Silva, provável herdeira da grande maioria dos votos de candidatos excluídos para o segundo turno.
O baixo crescimento econômico durante seu governo conspira contra Dilma Rousseff, especialmente porque a situação se agravou este ano. O produto interno bruto caiu 0,2% no primeiro trimestre e 0,6% no segundo, sempre em comparação com o trimestre anterior. Dois trimestres seguidos de queda significam recessão, termo eleitoralmente negativo que o governo busca driblar. O desemprego segue nos níveis históricos mais baixos e os investimentos estrangeiros continuam altos, este é o argumento.
Porém, alguns fatos são corrosivos. O índice de investimento caiu para 16,5%, nível que condena o país a uma paralisação em 2015. A indústria vive uma decadência crescente e desde o ano passado também caem os preços mundiais de produtos agrícolas e de mineração, que sustentavam o superávit comercial brasileiro.
A inflação persiste em cerca de 6,5% ao ano, no limite de tolerância de dois pontos percentuais sobre a meta fixada de 4,5%, apesar das altas taxas de juros, dos subsídios aos combustíveis e da supervalorização cambiária para conter os preços.
A energia elétrica, o setor sobre cuja gestão Dilma Rousseff impulsionou sua carreira política, ficou mais cara dois anos depois que a presidente adotou medidas com a promessa de barateá-la. Uma prolongada seca na maior parte do país aumentou o risco de apagões, colocando em xeque sua política energética. Grande parte do empresariado passou para a oposição nos últimos anos. Isso se reflete nos índices da bolsa, que sobem quando as pesquisas registram queda da presidente.
Apesar de tudo, militantes do PT confiam em uma vitória no segundo turno, avaliando como passageira a “onda marinista”. “O tsunami vem e vai”, disse Jorge Nahas, ex-coordenador de políticas sociais na prefeitura de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, quando estava sob governo do partido governante. A confiança se baseia na força eleitoral dos programas sociais executados pelos governos de Lula e Dilma Rousseff e que tiraram dezenas de milhões de brasileiros da pobreza. Só o programa Bolsa Família beneficiou mais de 14 milhões de famílias.
Por via das dúvidas, a campanha da reeleição ataca as debilidades de Marina Silva, especialmente seu limitado quadro partidário, que poderia repetir os casos de ingovernabilidade dos ex-presidentes Jânio Quadros (1961) e Fernando Collor (1990-1992). Sem apoio legislativo, o primeiro renunciou antes de completar sete meses de governo e o segundo foi inabilitado por corrupção no segundo ano de mandato. Ironicamente, Collor hoje é um senador aliado do PT.
Mas a ingovernabilidade também foi argumento usado contra Lula, sem êxito, nas eleições de 2002. “A esperança vencerá o medo” foi a resposta do PT na época, um lema que agora serve para Marina Silva.
Ex-ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 e ex-senadora no período 1995-2011, Marina é criticada também por passar de um partido a outro e pela sua religiosidade evangélica. Sua carreira foi feita no PT, mas passou para o Partido Verde (PV) a fim de disputar as eleições de 2010. Depois aderiu ao PSB, no ano passado, quando não conseguiu o registro legal da Rede Sustentabilidade, um partido de formato novo, temporariamente “hóspede” dos socialistas. Nascida no Estado do Acre, na Amazônia, em uma família de seringueiros, se destacou na luta ambiental.
Mas o programa de Marina Silva, em grande parte herdado do compromisso com o PSB, tem como prioridade “uma nova política”, uma difusa proposta de reforma para uma “democracia de alta intensidade”, mais participativa. Em economia, adotaria orientações ortodoxas, com autonomia do Banco Central e adoção mais rigorosa do tripé macroeconômico: metas antiinflacionárias, austeridade fiscal e câmbio flutuante. É a “volta ao neoliberalismo”, segundo crítica do PT. Envolverde/IPS
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